Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa e liberdade de expressão no Brasil

Reproduzo na íntegra os três primeiros parágrafos da coluna do ombudsman do jornal O Povo (Fortaleza, CE), jornalista Plínio Bortolotti, de domingo (16/12):

Responda rápido. Onde a mídia é mais livre: no Brasil ou na Venezuela? Se depender do julgamento dos próprios cidadãos de cada país, a Venezuela se sai bem melhor do que o Brasil. Pesquisa encomendada pelo Serviço Mundial da BBC mostra que 63% dos venezuelanos disseram acreditar na liberdade de imprensa de seu país; o índice cai para 52% no Brasil. Entre os 14 países pesquisados, a média geral obtida na resposta à pergunta sobre a liberdade da mídia para cobrir os fatos de forma ‘precisa, verdadeira e imparcial’, foi de 56% – menor que a média da Venezuela e maior que a do Brasil.

O resultado obtido na Venezuela confronta a classificação do país em listas internacionais sobre a liberdade de imprensa. Pesquisa divulgada em outubro pela organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras, por exemplo, põe a Venezuela em um dos últimos lugares no quesito liberdade de imprensa – o número 114 – em uma lista de 169 países. O Brasil ficou na 84ª posição. Segundo o relatório da BBC, ‘a percepção dos venezuelanos sobre o desempenho da mídia é consideravelmente mais positiva do que em outros países da América Latina’, relatando que 42% dos entrevistados consideraram ‘bom’ o trabalho dos órgãos de comunicação controlados pelo governo. No Brasil e no México o índice é de 25%.

Quanto aos brasileiros, eles se preocupam bastante com o oligopólio da mídia, as empresas de comunicação em mãos de poucos proprietários privados. Segundo o levantamento, 80% dos brasileiros acreditam que esse controle pode levar à ‘exposição da visão política’ dos donos das empresas no noticiário. Entrevistados de outros países tiveram percepção parecida, como no México (76%), nos Estados Unidos (74%) e na Grã-Bretanha (71%).

Tom de desabafo

A revista CartaCapital (nº 475, pág. 24, semana de 8 a 14/12/2007), bate na mesma tecla:

‘Na segunda-feira 10, vieram a público os resultados de uma pesquisa realizada pela BBC World Service entre 11.344 pessoas em 14 países. Liberdade de imprensa, o tema. Reconhecida como indispensável por 56% dos entrevistados. Nos países de maior desequilíbrio social, a percepção negativa da mídia atinge os níveis mais altos. No Brasil e no México e também na Rússia’.

E prossegue:

‘Oitenta por cento dos pesquisados no Brasil entendem que a opinião e os interesses políticos dos patrões dominam o noticiário. Na Venezuela, onde, segundo os editoriais dos nossos jornalões (brasileiros), Chávez assalta a liberdade de imprensa, a porcentagem é menor, 60%. O resultado colhido no Brasil é o mais impressionante. Apenas 19% dos entrevistados acreditam que o patrão não interfere no trabalho jornalístico. Resultado que haveria de preocupar a mídia nativa. Anima, porém, CartaCapital.

Fiquemos ainda na mesma edição de CartaCapital, à pág. 25. O título do texto é ‘Cabo-de-guerra na telinha – Boicotado pela imprensa, Requião obtém na Justiça o direito de manifestar a opinião em tevê estatal’. Segue na íntegra:

Um dos alvos preferidos da mídia nativa, o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), obteve, na quinta feira, 13, a garantia jurídica necessária para manter um dos raros espaços disponíveis para se defender das acusações de opositores e furar o bloqueio da imprensa à divulgação dos projetos da administração estadual. A juíza Tani Maria Wurster negou o pedido do Ministério Público Federal de censura prévia aos comentários do peemedebista na Rádio e Televisão Educativa do Paraná.

Ao mover a ação, a Procuradoria acusou o governador de utilizar o programa Escola do Governo, veiculado às terças-feiras, para fazer ‘promoção pessoal’ e ‘atacar’ os adversários, a imprensa e instituições públicas. Não deixou de pontuar que Requião denunciou promotores estaduais de receber aposentadorias irregulares e pediu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso.

A magistrada optou pelo bom senso. Negou o pedido do Ministério Público e justificou a sentença com didatismo: ‘Impedi-lo de manifestar as críticas configura censura, o que é vedado constitucionalmente’.

Quando a decisão foi anunciada, Requião não teve condições de comemorar, tampouco comentar o imbróglio. Estava na Venezuela, a acompanhar o presidente Lula num encontro empresarial promovido em Caracas, com participação de Hugo Chávez.

Não é difícil prever o que diria. Um dia após a Procuradoria acusá-lo formalmente, o governador voltou a falar ao programa Escola de Governo. Em tom de desabafo, lembrou o que é de conhecimento até do mundo mineral: a mídia faz política e costuma negar o contraditório.

Manifestações desaforadas

Agora, vamos a uma análise feita por mim em 2005, faltando aproximadamente um ano para a eleição à presidência da República, quando Lula foi então reeleito, num artigo publicado no site La Insignia, sob o título ‘Carta aberta ao presidente Lula’. Segue o trecho pertinente ao assunto em discussão:

E por falar em mídia, Senhor Presidente, eu vi na Band-News algum tempo atrás o resultado de uma pesquisa sobre liberdade de imprensa no mundo onde o Brasil ocupava a 46a posição (salvo engano) no ranking mundial. Confesso que tomei um grande susto, e só depois de muito refletir cheguei à conclusão de que o problema não está em qualquer tipo de censura exercida pelo atual governo contra os meios de comunicação, mas, muito pelo contrário, no controle da informação exercido por uma dezena de famílias abastadas que são as donas das redes de televisão e de rádio que cobrem todo o território nacional, e donas dos jornais e das revistas que circulam do Oiapoque ao Chuí. Portanto, a falta de liberdade sugerida pela citada pesquisa consiste exatamente no controle da ‘verdade’ por uma dezena de ‘iluminados’, os quais fazem a cabeça do cidadão comum e que se comportam de maneira muito semelhante na difusão daqueles fatos que flagelam a humanidade: basta ver apenas um dos telejornais para se ter uma idéia, ainda que distorcida, do que está acontecendo, por exemplo, na guerra do Iraque, já que a maioria dos corajosos discípulos de Gutenberg, encastelados nos refrigerados escritórios de suas empresas, se limitam a traduzir as informações fornecidas pelo Pentágono. Em contraste ao que acontece por aqui, onde a concessão para a ‘exploração’ de emissoras de rádio e televisão é política e feita em troca de apoio para eleições vindouras, lembro-me de um episódio ocorrido em Montpellier, na França, onde o dono de uma rede de supermercados queria explorar um canal de televisão local. Então, a comunidade citadina questionou o acúmulo de poder que aquele ato implicaria e a concessão foi negada. Portanto, não é à toa que quando me falam em democracia no Brasil eu sinto uma grande vontade de rir, porque democracia não significa apenas eleições periódicas para presidência da república e outros cargos públicos. Democracia, Senhor Presidente, começa, como diria o sábio Millôr Fernandes, ‘com três refeições por dia.

Voltando ao tema do poder absoluto dos grandes conglomerados de comunicação no Brasil, eu acredito que nem tudo está perdido: a expectativa, a única que nos alenta, é a de que os sites informativos, como este que ora me acolhe, serão, num futuro próximo, a grande arma na luta para derrubarmos esta muralha ‘invisível’ que nos cerceia.

À época recebi alguns e-mails desaforados dizendo que eu estava fazendo o jogo da situação. O que vocês acham?

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Professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará