Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa e o apfelstrudel do papa

Houve um tempo em que, neste país, comprava-se a Veja para se ler uma bombástica entrevista que iria incitar a queda de um presidente da República. Pode parecer mero saudosismo, mas estamos no início dos anos 1990 e, sim, Pedro Collor estava contando tudo na Veja sobre seu irmão Fernando. Não era pouca coisa o que ele tinha a dizer e muito menos a revista em questão era pouca coisa, com o perdão da repetição. Tratava-se (e se trata, aliás) do principal magazine brasileiro de todos os tempos, atualmente a quarta maior do mundo em sua categoria, como orgulhosamente está dito no editorial da edição desta semana, a de número 1903.

Repito que isso pode soar como saudosismo, mas os tempos mudaram e, agora, com a revista em mãos, o máximo que descobrimos é a sobremesa preferida do papa Bento 18 – apfelstrudel, o tradicional doce germânico predileto de um pontífice, olhe só, alemão. Não precisamos nem mais abrir a Caras para saber sobre pormenores do novo líder máximo da Igreja católica.

Cabe perguntar: é culpa de Veja publicar abobrinhas como essa? Volta e meia aparecem jornalistas e críticos da imprensa em geral malhando Veja e outras publicações ditas de qualidade. Há de se discordar. Veja, em especial, é composta por um time de profissionais gabaritados e dotados de excelentes recursos estilísticos. Mario Sabino e Thaís Oyama, por exemplo, estão entre meus preferidos. E o que dizer de Stephen Kanitz, primoroso em cada coluna que lança ao público?

Mas Veja, claro, publica o que o seu público quer ler, nada mais. Daí a razão da freqüência regular de matérias de comportamento e de saúde estampadas na revista. Daí a razão de agüentarmos entrevistas nas páginas amarelas com gente medíocre. Daí a razão de nos dar ao trabalho de ir a uma banca no fim de semana e encontrar Paulo Coelho na capa. Daí a razão de lermos que Condoleezza Rice, a secretária de Estado americana, é solteira por opção. E assim por diante.

Relaxar e aproveitar

Posso estar errado, mas parece-me uma visão medíocre meramente culpar Veja e outras publicações pela banalização dos espaços jornalísticos. Quando era criança, lia com êxtase, sem nem bem entender, que cada povo tinha o governo que merecia, como costumava estar escrito em algum muro da cidade onde vivia. Adaptemos isso à época atual e aos meios de comunicação atual e teremos algo como ‘cada povo tem a imprensa que merece’.

Como sair dessa? Sinceramente, estou pensando em soluções a propor. A primeira delas, quem sabe, seria parar de meramente criticar jornais e revistas e começar a ter uma visão mais profunda dos anseios da sociedade. Talvez pensarmos com mais solidez no que disse certa vez o futurólogo Alvin Toffler, quando cunhou que os desejos da sociedade estavam cada vez mais flutuantes. Talvez pensarmos com mais solidez no que significa o velho ditado de que macaco não olha para a própria cola, mas somente para a dos outros. Ou, talvez, buscarmos resoluções nos escritos dos nossos melhores sociólogos.

Mas, ao cabo de tudo, se nada disso funcionar, relaxemos e aproveitemos o que Veja tem de bom – de Diogo Mainardi, que oferece uma leitura mais frugal mas ímpar, a Tales Alvarenga, com seu olhar crítico bem embasado. Ou, então, teremos mesmo de recorrer a algo que disse Millôr Fernandes certa vez: vamos fechar o Brasil e descobrir de novo, para ver se, desta vez, dá certo.

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Jornalista, professor da Universidade Paranaense (Unipar) Cascavel