Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa marrom e lhaneza

Doi-Codi, anos 1970: um preso político é torturado barbaramente, mas não fornece uma informação sequer ao torturador, que passa a bater na parede com uma pesada barra de ferro, ameaçando matar o prisioneiro. Nisto, entra o ‘bom torturador’, expulsa o colega violento e o preso, entre lágrimas, confessa tudo ao seu salvador.

Assim parece o comportamento de certa imprensa que oscila entre pesadas acusações de corrupção, fraude e toda sorte de falcatruas contra membros dos poderes da República, para depois entrar o ‘bom torturador’ que, com sua lhaneza, num passe de mágica, desaparece com o noticiário ‘desagradável’ para certos personagens. No caso do torturado político, as vantagens obtidas são óbvias. Quando esta mesma técnica é aplicada a membros do Legislativo, Judiciário e, em menor escala, do Executivo, deixo para o leitor tirar as conclusões das vantagens que esta imprensa desonesta e os grupos que ela representa podem obter.

O último vexame público no qual o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, está envolvido, é um bom exemplo. Aqui o ‘mau torturador’ atuou implacavelmente, mostrando este personagem com um comportamento indefensável perante a opinião pública. Muitos celebraram a volta de uma imprensa investigativa e combativa, mas esquecem que em situações semelhantes o ‘bom torturador’ ajeitou tudo ‘consertando’ até o noticiário. Ninguém mais escreve uma linha sobre a participação de Gilmar Mendes como proprietário do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), nem se menciona que sete entre os oito ministros do Supremo que assinaram nota de apoio ao seu presidente deveriam se considerar suspeitos para isto, já que lecionam no IDP. Outros fatos graves parecem não ter importância para este tipo de imprensa.

Apelo para que tivessem dignidade

O Pacto Republicano, assinado recentemente por Lula e representantes das Casas Parlamentares, juntamente com o presidente do Supremo Tribunal Federal, deveria ter sido denunciado na imprensa como uma verdadeira afronta à democracia, já que a nossa Constituição prevê poderes independentes e soberanos. O que sempre vemos é uma impunidade generalizada, onde o Supremo Tribunal Federal, em toda a sua longa existência, jamais conseguiu condenar um processado na condição de foro privilegiado. Normalmente, os processos são arquivados por prescrição, como no caso recente daquele aliado de Lula processado por fraudes em uma empresa relacionada a galináceos. Isto para não falar nas tais de sessões secretas, onde ninguém sabe o que acontece com juízes e até desembargadores envolvidos com a truculência de milícias criminosas.

Por incrível que pareça, transitam no Supremo processos contra juízes acusados de ‘colarem’ no concurso público para o cargo que ocupam. A sociedade brasileira nunca fica sabendo do resultado dessas ações vergonhosas. Mas a história de uma mão lava a outra pode ser exemplificada com aquele telefonema do senador Heráclito Fortes ao ministro Gilmar Mendes, dizendo que impedimento é coisa de bandido, abortando in limine as legítimas aspirações de levar às barras da justiça, dentro de nossas leis e da Constituição, o presidente de nossa Suprema Corte.

Essa vergonhosa reunião de Lula nos remete a 1964, quando o secretário de Segurança do governador Carlos Lacerda convocou a Presidência do Tribunal de Justiça do antigo estado da Guanabara e todos os juízes de várias instâncias para colaborarem na repressão política. Felizmente, alguns juízes apelaram para os colegas que tivessem dignidade, para saírem da sala, abortando os intentos da ditadura. Mas nada disto parece ter importância para este tipo de imprensa.

A credibilidade da justiça

A criminalidade brasileira parece que chegou à perfeição. Até Supremos ministros são usados como ‘laranjas’ em seus assaltos aos cofres públicos. Enquanto em Brasília tudo é perdoado e esquecido, como sempre, os humilhados e ofendidos cidadãos que trafegam nos trens suburbanos do Rio de Janeiro jamais terão justiça pelos espancamentos que sofreram. O governador Sérgio Cabral, que está sempre viajando por aí, no máximo manda punir um vigilante e chama de imbecil um policial assassino. A desídia vai do falante Cabral até Lula, com suas promessas não cumpridas de segurança para o Rio. E a farsa da Guarda Nacional foi esquecida? Não está na hora de falar e escrever em crime de responsabilidade para estes governantes e autoridades?

Afinal, as acusações no plenário do Supremo Tribunal Federal de que seu presidente está destruindo a credibilidade da justiça brasileira não merecem um aprofundamento da imprensa, ou serão apagadas pelo ‘bom torturador’?

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Físico e escritor, Rio de Janeiro, RJ