A partir dos meados dos anos 1980, as empresas criaram áreas para assumir projetos ligados à qualidade total, responsabilidade social – rebatizada de sustentabilidade -, relações com investidores etc. Muitas, por razões políticas e retóricas, encorparam, ganharam poder, arrogância e status de área organizacional.
Por exemplo, as de qualidade total, rebatizadas de áreas de excelência, promoveram nos anos 1990 as carnificinas da reengenharia, com o objetivo de reduzir custos, o que eliminou do mapa muita experiência e conhecimento, que foram embora junto com o pessoal demitido. Hoje, as áreas de responsabilidade social e de sustentabilidade estão sob a ameaça da homogeneização das palavras, das expressões e da banalização do tema.
Os chamados balanços sociais, por exemplo, tornaram-se peças insossas e repetitivas, relatórios cartesianos de prestação de contas. Entre jornalistas especializados em negócios e pessoas mais críticas são, cada vez mais, motivo de gozação. Os descritivos de governança corporativa e de relacionamento com os investidores estão embaixo de toneladas de desconfiança neste ambiente de crise financeira mundial. A sociedade passou a acreditar que os controladores precisam ser controlados.
Hoje os mercados internacionais de crédito estão em colapso. Alastrou-se um pavor nunca visto desde 1929. Os correntistas desconfiados da solidez dos bancos podem, a qualquer momento, sacar seus depósitos e provocar a quebra de empresas e a quebra de confiança na moeda. Em tempos de globalização, seria ‘a mãe de todas as corridas contra os bancos’, segundo a descreveu o economista Nouriel Roubini.
Nos Estados Unidos da América o pacote de 700 bilhões de dólares parece ser ineficaz: o banco de investimentos Lehman Brothers quebrou. No mesmo dia, o Merrill Lynch foi vendido para o Bank of America. A maior seguradora do mundo, a AIG, declarou-se insolvente e foi nacionalizada.
Na Europa, o Fortis foi nacionalizado pelos governos da Holanda, Bélgica e Luxemburgo. O Dexia recebeu uma injeção de bilhões de euros, da França e Bélgica. O Reino Unido nacionalizou todos os seus bancos; o Bradford & Bingley, especialista em hipotecas, vendeu parte dos ativos para o Santander. O Hypo Real Estate, segundo maior banco hipotecário alemão, entrou numa operação de resgate. A Islândia nacionalizou o Glitnir, seu terceiro maior banco.
Os Bancos Centrais de todo o mundo, ao despejarem uma montanha de dinheiro no mercado, sepultaram, em pouco tempo, um dogma cultuado pelos teóricos neoliberais durante três décadas. Agora, como defender a capacidade de os mercados se auto-regularem e que qualquer intervenção estatal sobre eles é contraproducente?
Ambiente carregado
A era neoliberal foi marcada pelo enorme aumento na acumulação capitalista e nas desigualdades internacionais. A automação, o deslocamento de empresas para países em que salários e direitos sociais são menores, o estágio da China e Índia como grandes centros produtivos rebaixaram o poder de compra dos salários.
Isto se aprofundou a partir da prevalência da chamada ‘ditadura dos acionistas’, que coloca administradores a perseguir lucros cada vez mais altos. O resultado é um enorme abismo entre a capacidade de produção da economia e o poder de compra da sociedade, que gera, portanto, uma crise de superprodução.
Um dos aprendizados significativos desta mega-crise econômica, que tem colocado estrelas no chão, é a fragilidade das ações fragmentadas de comunicação versus a importância da comunicação empresarial, administrada de maneira integrada e a partir do topo da organização. Nas crises, a imagem e a reputação corporativa são percebidas como um todo. A sociedade, suas redes de públicos e o homem comum não isolam as fontes geradoras de problemas, especialmente no caso as áreas financeiras.
A empresa – sua imagem e reputação – precisa ser defendida em toda a sua abrangência. Função da área de comunicação, tarefa que uma área relacional, em particular, não consegue cumprir com a eficácia necessária, por não se comunicar e se relacionar com toda a sociedade. Afinal, só a partir de uma comunicação ampla, que mostre a totalidade e a complexidade da empresa, de seus representantes, de seus produtos – é que se legitima aquilo que discursos politicamente corretos não têm o interesse em trabalhar, especialmente em ambientes de desconfiança.
Isso porque a comunicação da excelência, do balanço social e da governança corporativa acostumou a mostrar só os aspectos bonitos, segmentados das empresas, sempre apresentada como impoluta, correta, desinteressada e muito eficaz. E seus gestores, figuras de heróis empreendedores, celebrados como modelos humanos a serem seguidos pelos desempregados, descapitalizados e tímidos.
A culpa por problemas dessa ordem sempre foi atribuída exclusivamente àqueles que estão fora das empresas e de pautas positivas na mídia política e econômica ou na literatura de auto-ajuda. A crise financeira internacional e o ambiente político carregado estão deixando nua a comunicação empresarial, baseada apenas na retórica cosmética ‘do ser, antes de fazer’. E a lavagem de imagem passa a ser um crime tão grave como a lavagem de dinheiro.
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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)