Esta coluna tem a triste incumbência de informar a todos os interessados que o senhor Guglielmo Marconi faleceu. Tudo bem, o fato se passou há 70 anos, mas para algumas pessoas, especialmente na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), parece que Marconi ainda está bem vivo.
Segundo a história oficial [vários historiadores comprovam que, antes de Marconi, o padre gaúcho Roberto Landell de Moura já transmitira a voz humana através de ondas de rádio], Marconi teve a idéia de usar as ondas hertezianas para a comunicação, inventando, portanto, o rádio. Nos tempos de Marconi, contudo, a gestão do espectro eletromagnético seguia determinados requisitos técnicos, que tornavam o espaço disponível bastante escasso e assim diminuindo o número possível de emissores.
Ocorre que nos últimos 70 anos, como todos sabemos, as tecnologias de comunicação mudaram muito, especialmente a partir da digitalização do espectro eletromagnético. Isso possibilitou o surgimento de tecnologias de ‘rádio inteligente’. Fazendo uma analogia, estes novos receptores são mais ou menos como o ouvido humano numa festa. Se forem respeitadas regras mínimas de convivência, é perfeitamente possível que todos os convidados falem ao mesmo tempo e que todos se escutem. O ouvido humano sabe separar a voz do interlocutor à nossa frente daquelas das demais conversas, que ficam apenas como um ruído de fundo. Quando o interlocutor é alguém que muito nos interessa (a pessoa amada, por exemplo), é como se ninguém mais estivesse falando, exceto aquela única pessoa. Não é necessário, portanto, que todos façam silêncio e que apenas uma pessoa fale de cada vez.
Mais licenças
No rádio inteligente ocorre a mesma coisa. Várias emissões podem trafegar pelo mesmo espaço e nosso aparelho saberá descartar o que não lhe interessa e se fixar apenas no sinal que buscamos. Essa tecnologia permite acabar com a necessidade de termos que alocar faixas de espectro específicas para cada emissor. Conseqüentemente, com o fim de uma reserva do espectro, aumenta-se bastante o espaço disponível.
Baseado nessas novas tecnologias, surge um movimento mundial que luta pela chamado ‘espectro aberto’. Ou seja, pelo fim da necessidade de que todo emissor tenha que possuir uma outorga para fazer suas transmissões. Se já não há escassez, por que a necessidade de licenças do Estado?
Infelizmente, a Anatel não concorda com estas idéias. Não satisfeita em manter dezenas de licenças (STFC, rádio, TV aberta, cabo, DTH, MMDS, SLP, SCM, SMP etc.), a Anatel resolveu inovar. Agora, os roteadores de internet sem fio terão que ter licença de uso. Esses roteadores ocupam hoje uma faixa do espectro que está dispensada de licenciamento. Não satisfeita em não ampliar as faixas não licenciadas, a Anatel resolveu aumentar a necessidade de licenças.
Campanha de denúncia
Segundo a consulta pública 809 (de alteração do Regulamento sobre Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita), encerrada no dia 27 de agosto (e tramitada quase em segredo), os roteadores sem fio que estiverem ligados a redes que ultrapassem os limites de um imóvel terão que obter licenças e pagar uma taxa de R$ 1.340,00 anuais. Vale lembrar que estes roteadores são usados em várias redes comunitárias que começam a se espalhar pelo país e que visam garantir acesso banda larga sem fio a comunidades que foram esquecidas pela lógica de mercado das operadoras de telecomunicações. Algumas dessas redes comunitárias se utilizam de uma moderna tecnologia chamada wimesh, que nada mais é do que um conjunto interligado de roteadores. Pois, cada um destes roteadores das redes wimesh terá que arcar com uma taxa de absurdos R$ 1.340,00, inviabilizando qualquer experiência comunitária de inclusão digital e, por tabela, beneficiando as teles.
O Coletivo Intervozes, em conjunto com a RITS e a Associação Software Livre.org, redigiu resposta à consulta pública, solicitando o cancelamento dessa proposta nefasta a qualquer política de inclusão digital. Agora, vamos começar uma campanha pública de denúncia dessa proposta da Anatel.
E cabe a todos nós lutarmos contra mais este absurdo.
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Jornalista, coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs), conselheiro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e integrante do Coletivo Intervozes