Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Incongruências cerebrais globais

O Globo Repórter exibido na sexta-feira (8/10) trouxe um belo absurdo. O programa adora tratar de animais e saúde. Justamente nessa área, o programa conseguiu um absurdo, pois um entrevistado falou uma tremenda asneira e os jornalistas engoliram. O tema foi o de métodos para proteger ou desenvolver o cérebro de maneira não medicamentosa. De modo geral, pode ser interessante, pois a neuroproteção e a neuroregeneração são áreas de pesquisa muito ativas, de grande interesse. Medidas que não envolvam medicamentos são polêmicas, mas podem ser exibidas como informação.


Eis que aparece um entrevistado que assegura que para proteger e melhorar suas funções cerebrais pratica… boxe! O boxe, que do ponto de vista médico-neurológico não deveria ser considerado esporte, é altamente danoso para o cérebro. Especialmente na categoria de pesos-pesados acontecem traumatismos craniencefálicos graves.


Apenas de passagem, é bom lembrar que no nosso querido futebol as principais lesões, ao contrário do que muitos acham, não são as ortopédicas, como joelho ou tornozelo, ligamentos etc. Vários levantamentos na literatura médica internacional apontam como principal ocorrência médica em partidas de futebol justamente o trauma de crânio, seja em bolas divididas no alto, seja cabeceando.


Ucraniano e mandarim


Mas, e no boxe? Há muito tempo se sabe que há uma condição chamada ‘cérebro de boxeador’. Apesar de luvas e algumas regras de proteção, mesmo que não haja um evento traumático grave, um nocaute com o boxeador em coma ou convulsionando, mesmo em treinos de categorias de peso mais leve costumam ocorrer micro-hemorragias cerebrais. E as mesmas podem passar assintomáticas durante um bom tempo – lá na frente, alguns anos após, aparece com frequência a demência, o mal de Parkinson e outras doenças. Mohammed Ali é um exemplo que nos mostra a todos o dano cerebral que o boxe pode causar.


Exagerando um pouco, lembra dizer a alguém que para melhorar suas funções mentais e cerebrais seria bom dirigir um carro de Fórmula 1 e estourar o mesmo (e a cabeça) em alguma curva escondida… Em resumo: o entrevistado até pode errar na escolha de sua proteção ao cérebro com o boxe, mas deveria ser fortemente informado das consequências. Já a Globo e o pessoal do programa, deveriam consultar alguém minimamente informado em medicina do esporte, neurologia ou neurocirurgia. Ao não corrigir a informação, melhor seria nem levar ao ar tamanho absurdo.


Certa audiência cativa o Globo Repórter deve possuir. Melhor, muito melhor que dizer que boxe faz bem ao sistema nervoso central (e vejam que nem citei o filme Menina de Ouro, de Clint Eastwood) seria mostrar um papagaio que compreenda ucraniano e responda em mandarim. Seria também um absurdo, mas ao menos inofensivo.


 


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Médico, mestre em Neurologia pela Unifesp