Auditório do Senac Lapa Faustolo, São Paulo. Já passa das sete e meia da noite de terça-feira, 26 de maio. Estão atrasados. O local, espaçoso, aos poucos fora acomodando o grande público: 330 pessoas. No olhar de cada um, a expectativa de uma grande noite. Quase a postos, em seus lugares, se encontram Daniel Piza, Eliane Brum e Sergio Vilas Boas. De repente, um pequeno, mas notável alvoroço: era a chegada de Pedro Bial. Mas foi Allan da Rosa o último a se acomodar no palco.
Mesa composta. De um lado, à direita do público, Pedro Bial, Allan da Rosa e Daniel Piza. Do outro, Eliane Brum e Sergio Vilas Boas.
Começava o ‘4º Jornalirismo Debate’.
A pauta da noite: jornalismo literário. Isto é, o jornalismo que retrata o cotidiano com narrativas e recursos estilísticos que o aproximam da literatura. Anote aí, dois temas vão aparecer durante toda a noite: a importância do jornalismo e o papel do jornalista na sociedade.
Independência?
Guilherme Azevedo, editor do Jornalirismo, dá início ao debate: ‘É possível ser um jornalista independente? É possível fazer um jornalismo independente?’.
Para Daniel Piza, editor-executivo e colunista do jornal O Estado de S.Paulo, é possível, sim; ele mesmo se declarou um. ‘São poucos, mas existem. Sou um deles. É preciso ser um jornalista independente de si mesmo.’ Piza citou Machado de Assis (1839-1908), autor de livros como Memórias Póstumas de Brás Cubas, como o escritor de maior independência intelectual do Brasil e Lima Barreto (1881-1922), autor de livros como Bruzundangas, como escritor com grande poder de crítica social.
Pedro Bial recordou que, na época do Pasquim, jornal de crítica e sátira à ditadura militar brasileira, era mais fácil ser independente, pois, então, todas as manifestações eram consideradas independentes. Hoje, Bial acredita que ‘o jornalista sem pauta fica perdido’.
Quanto a Machado de Assis e Lima Barreto, o jornalista e apresentador da Rede Globo viu uma oposição: ‘Machado é visto como um subversor e Lima, como um rebelde’. Bial citou também João do Rio (1881-1921), escritor e jornalista que retratou o Rio de Janeiro do começo do século XX, autor de A alma encantadora das ruas, dizendo ser mais independente que Lima Barreto, por exemplo.
O jornalista da Globo acredita ser positiva a vulgarização no jornalismo: ‘O jornalista precisa vulgarizar, no sentido de tornar comum a informação, para não escrever e não falar complicado’. Outra tarefa do jornalista seria, segundo ele, a busca da verdade.
Para Eliane Brum, repórter especial da revista Época, ‘independência é a nossa busca’. Enfatizou que, ‘ao escolher ser repórter, é essencial olhar para ver’ e que ‘repórter tem que questionar’. Eliane também defendeu que ‘escutar é o mais difícil, porém o mais importante, uma vez que cada história já traz em si a forma de ser contada’.
O jornalista e professor Sergio Vilas Boas, da ABJL (Academia Brasileira de Jornalismo Literário), em contrapartida, não considera fácil a independência no Brasil. Disse que suas referências, mesmo, são os escritores de ficção. Para ele, ‘é difícil produzir jornalismo brasileiro’ e defendeu a necessidade do aprofundamento cultural. Vilas Boas apontou uma combinação perigosa, em que ‘a informação, a propaganda e o entretenimento se tornaram a mesma coisa’.
O poeta e dramaturgo Allan da Rosa, organizador do selo Edições Toró, que publica novos autores da periferia de São Paulo, questionou: ‘É independente? Serve a quê? Serve a quem?’. E exemplificou: ‘Basta ver a história das empresas jornalísticas para saber se há jornalismo independente’. E concluiu, dizendo que ‘há a necessidade da comunicação independente da ditadura dos grandes veículos’.
Depois da discussão sobre os limites da independência jornalística, um novo tema foi a debate: o próprio fazer jornalístico.
Desacontecimentos
Eliane Brum disse que estima e busca o avesso ao extraordinário: ‘Eu me interesso por aquilo que dá sentido à minha vida, pelos desacontecimentos, ou seja, por pais que não atiram os filhos pela janela’. Mas a repórter reconheceu que ‘o jornalismo está mais pobre, porque o jornalista não vai para a rua e prefere fazer entrevistas por telefone e por e-mail’.
Pedro Bial destacou a finalidade primordial da linguagem jornalística: a de comunicação facilmente acessível. ‘O texto jornalístico foi o último a não ter a presença do autor. Logo, ganha em grandeza, ganha em honestidade, ganha em credibilidade.’ O apresentador da Globo foi além, numa afirmação controversa: ‘Se não negar a história, não há notícias’. Bial ainda distinguiu a produção literária e a jornalística pelo princípio da permanência: ‘Literatura é o que se guarda, e jornalismo, por definição, não se guarda’.
Allan da Rosa defendeu o jornalismo insubmisso: ‘Buscar o saber no cotidiano é fundamental ao jornalismo, e jornalista que é jornalista tem que questionar: não pode aceitar tudo que é imposto’.
Pedro Bial afirmou que o jornalismo tem cumprido o papel fundamental de informar e apontou avanços: ‘A grande imprensa é democrática, e o leitor está mais crítico’.
Eliane Brum cobrou relevância do trabalho do repórter, numa luta que começa dentro da própria redação: ‘O jornalista precisa entrar na grande imprensa para publicar histórias relevantes. Trazer para o leitor tudo que ele não pôde ter e ir aonde não pôde ir’. Sergio Vilas Boas concordou com Eliane, dizendo que ‘o jornalismo deve ser feito na rua e com pessoas’.
Daniel Piza criticou a redundância da mídia, que, para ele, vive repetindo sempre as mesmas histórias, embora tenha reconhecido que havia muitas maneiras de contar uma mesma história.
Para Vilas Boas, ‘há espaço e o espaço se conquista’. Mas recordou que, no Brasil, ainda não há tradição de contar boas histórias no dia-a-dia do jornalismo, em profundidade. Bial sugeriu que ‘a ousadia, quando tem conteúdo, é recompensada’.
Liberdade digital
Por fim, o advento da internet na pauta.
Allan da Rosa a classificou como democrática: ‘Um espaço em que todas as pessoas estão produzindo’. Eliane Brum confessou ter se rendido ao novo meio, depois de muito resistir: ‘Hoje, estou fascinada. Lá [coluna que assina às segundas-feiras no portal da revista Época] escrevo textos longos, escrevo o que quero. A internet abre muitas oportunidades. A internet é a liberdade’.
O público também pergunta. Entrevista aqueles que sempre entrevistam. Alguns pedem um conselho profissional. Outros compartilham suas experiências na área. E muitos falam apenas da sua admiração pelos profissionais que ali estão. Momentos finais de uma noite inspiradora para um jornalismo literário e independente, pautado no cotidiano e nas grandes histórias de vida.
O ‘4º Jornalirismo Debate: Jornalismo Literário’ foi uma realização do Jornalirismo e do Senac São Paulo, com o apoio da DZ9 Gráfica e Editora, da Eventar, da JAC Comunicação, do Maxpress, da Permission e do Teatrix.
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Do Jornalirismo