Os últimos acontecimentos têm mostrado o quanto mundo caminha a passos largos para uma ampliação da era do conservadorismo e do patrulhamento. Assistimos em terras brasileiras, especialmente após o período eleitoral de 2014, ao crescimento das bancadas conservadoras nas duas casas parlamentares que compõem o governo, além do recrudescimento de ideários vistos no inicio do século 20 e a reprodução de discursos fascistas, muitas vezes alimentados pela imprensa. Em tempos onde são pregados valores como liberdade sexual, liberdade religiosa, igualdade entre gêneros etc. Negros, homossexuais e mulheres não têm a integridade física garantida. Fico imaginando como se sente uma pessoa que reúne essas três características. Duas notícias comprovaram como a imprensa age de forma tendenciosa ao tratar das questões simples e cotidianas como se fossem estanques e não fizessem parte de um mesmo cenário, descontextualizar os fatos é a forma encontrada para não aprofundar os problemas.
A primeira delas foi o esquema de corrupção protagonizado pela Federação Internacional de Futebol, mais conhecida pela sigla Fifa. O FBI (Agência Federal de Investigação) estadunidense, o equivalente à Polícia Federal no Brasil, reuniu provas que comprovavam fraude nas escolhas das sedes do Mundial de 2018 e 2022 e o enriquecimento escuso de presidentes das federações de futebol ao redor do mundo. A investigação levou à prisão de dirigentes, dentre eles o ex-presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) José Maria Marin, à renúncia de Joseph Blatter, que tinha sido reeleito presidente da entidade e questionou o lucro obtido na Copa de 2014 e vários outros fatores que ajudavam a entender como a Fifa se tornou uma potência econômica com poder de alterar constituições de países em prol da realização do seu maior evento, a Copa do Mundo.
O que levou o FBI a realizar a investigação foi pura e simplesmente retaliação. A questão fundamental que deve ser analisada é a seguinte: como uma potência econômica do porte dos Estados Unidos disposta a sediar a copa de 2022, perdeu para o Qatar a chance de levar o Mundial ao seu país?
Já não somos mais Charlie?
Suceder a Rússia, inimigo histórico, que será a sede de 2018 e brigou com a Ucrânia pela posse da Crimeia, mesmo com a negativa do conselho de segurança da ONU, é outro fator motivador que também deve ser levado em conta. Logo após plebiscito, o território foi anexado à Rússia, o que contrariou frontalmente o governo de Barack Obama e parte da Europa. Vale salientar a importância da região no abastecimento do gás natural que vai para continente europeu, tendo em vista que 80% dos gasodutos que levam a mercadoria passam pela região, ou seja, uma relação que no mínimo poderia ser classificada como conturbada. A imprensa nacional rechaçou a ideia de retaliação dos EUA, pois existe legitimidade na investigação sobre a corrupção na Fifa e que esses fantasmas do período da Guerra Fria já foram enterrados. Os canais especializados, então, nem quiseram comentar o fato. A Rússia pode perder a oportunidade de sediar a Copa do Mundo de 2018, se for comprovada manipulação na escolha do resultado. Essa é a mesma imprensa que meses atrás tinha medo que uma revolução comunista tomasse conta do país e espelhava que existia um plano para tornar o país uma nova Venezuela.
No último sábado, em meio a toda crise do futebol mundial, Barcelona e Juventus de Turim protagonizaram a final da Champions League, por muitos considerado o maior torneio de clubes do mundo. Pela quinta vez o clube catalão se tornaria campeão do torneio. O último gol da partida foi feito pelo atacante Neymar, eleito pela imprensa esportiva nacional o melhor atleta brasileiro da atualidade, atuando na Europa. Durante a comemoração do título o jogador coloca na testa uma faixa escrita “100% Jesus”. Em tempos de intolerância religiosa e de sheiks árabes investindo as suas fortunas em clubes de futebol, o jogador brasileiro cometeu um pecado capital. Na verdade, o pecado que o jogador cometeu foi contra o capital, já que seu clube é patrocinado pela Qatar Airways.
O ato teve repercussão mundial, principalmente na França, onde todos os jornais reprovaram o jogador por se expressar religiosamente. O conceito de Estado laico na França deve ser diferente do resto do mundo. Já não somos mais Charlie? Como se não bastasse os EUA atuarem como a polícia do mundo, a França acaba de se tornar a professora de etiqueta e de educação religiosa da humanidade.
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Thiago Corrêa Silva é jornalista