Há oito anos, o jornalista Fernando Morgado, veterano do ofício (ex-Shopping News, Editora Abril, TV Globo, Folha de S.Paulo, Folha da Tarde), fez a transição do impresso ao digital, colocando no ar, no princípio de cada mês, um site de humor e sátira, o Sacolão Brasil – o primeiro jornal de mentira do país, que ele, sozinho, pauta, escreve e diagrama, produzindo uma média de 35 mil caracteres.
Morgado, orgulhoso fluminense de Petropólis, cinéfilo da maior seriedade e competência, mantém na internet uma característica marcante de sua personalidade bem conhecida de amigos e ex-colegas de trabalho nas redações paulistanas: um veloz, fino sentido de humor, que jamais resvala para o mau gosto ou o escracho.
Por essa razão, as sutilezas das gozações a tudo e a todos podem causar aos novos leitores do Sacolão uma certa estranheza, até se acostumarem ao estilo peculiar da publicação que, em textos claros, fluentes e corretos, vai além do registro cômico, e chapado da realidade, exigindo, de quem lê e reflete, um bom nível de informação geral e algo de malícia.
‘A cara do Brasil’
Assim, o grupo de ilustres colaboradores da casa é amplo, eclético, e inclui figuras no mínimo bizarras, mas nem por isso menos divertidas e surpreendentes em suas opiniões. É o caso, por exemplo, de Tânya Elizabette, a única prostituta no mundo que exerce o jornalismo, entre outras coisas, eloqüente defensora da chamada vida fácil, na coluna ‘Calçadas da Vida’. O crítico de cinema Jean-François Silva, ‘da linha stalinista-cahier-de-cinéma, também maoísta fanático’, considera Hollywood e seus produtos ‘como uma visão do inferno’. O brasilianista norte-americano Stan Oliver Laurel garante que é um acadêmico de bem com a vida, ‘pois é preciso uma grande dose de humor e paciência para escolher o Brasil como tema’.
Mais: todos os políticos mencionados, destaque para os nativos, têm o sobrenome com um macete, já que, lidos de trás para a frente, revelam o que são de fato: Zavardal é ladravaz, Odafas é safado.
Ainda na galeria dos brazucas metidos a malandro, a edição de agora, de nº 93, traz uma reportagem com uma nova figura, o Jeca Pacotinho, que bebe todas e a polícia não sabe o que fazer com ele, pois o distinto, quando apanhado, alega que o carro está parado e, portanto, ele não está infringindo lei alguma. ‘Não é a cara do Brasil?’ – pergunta Morgado. Na entrevista a seguir, ele conta como tem sobrevivido na internet com seu jornalismo de humor.
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Por que fazer o site sozinho todos estes anos? Sem colaboradores – e sobretudo anunciantes?
Fernando Morgado – Simples: porque não tenho recursos para pagar colaboradores e quanto a patrocinadores, fora uma permuta com o Submarino, não dá, eu não sei vender anúncios. Cubro todos os gastos do meu bolso, incluindo o registro do site. Se existe alguma compensação nisso, ela está na minha mais completa autonomia para escrever o que bem entender.
Qual é o conceito básico do site? Alguma dificuldade maior na transição?
F.M. – A minha inspiração maior para esse projeto foi uma revista de humor norte-americana, a Mad; eu já pensava, lá por 1975, fazer alguma coisa nessa área de humor, com uma boa dose de ironia, refletindo o dia-a-dia brasileiro e o internacional no papel, mas os custos eram altos. Com o surgimento da internet, o projeto ficou viável. A transição foi lenta, claro, mas sem maiores problemas. Na verdade, eu me preparei mais para essa nova fase do que quando comecei no jornalismo, nos anos 60. Li tudo sobre internet e sua linguagem, mas não escondo: ainda estou aprendendo.
‘Agüento até onde der…’
Como você mede a repercussão do site? Recebe e-mails de leitores?
F.M. – Muito pouco, ocasionais, não como eu gostaria. Devo dizer que, fiel ao espírito do site, tudo invenção minha, também as cartas publicadas são de mentirinha, mas me permitem fazer um saudável exercício de autocrítica, na busca de um aprimoramento permanente. Os nossos grandes jornais – Estadão, Gazeta Mercantil, JB, O Globo, todos já publicaram matérias sobre o site. O Jornalistas & Cia., do colega Eduardo Ribeiro, registra todos os meses a entrada, no ar, de mais uma edição do Sacolão.
Mas mesmo com essa resposta da grande mídia, o site não desperta o interesse de anunciantes?
F.M. – O problema é complexo. Além da minha dificuldade natural em sair à procura de anunciantes, o jeitão iconoclasta do site, que não perdoa ninguém, tampouco anima agências e clientes e eu não vou baixar o nível, recurso, aliás, que já me foi proposto e eu recusei: aqui não sai piada de português nem de papagaio. É esse, como eu já disse, o preço da liberdade editorial. Nenhum quixotismo nisso, é a pura realidade. Agüento até onde der…
Há hoje, na imprensa brasileira, para seu gosto, outros colegas fazendo humor de qualidade?
F.M. – Sem dúvida, aí estão o Agamenon, no Globo, e o Tutty Vasques no Estadão, ambos muito bons, inventivos, engraçados sem apelar.
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Jornalista e escritor