O G1, portal de notícias da Globo, divulgou, às 15h02 do dia 03/08, matéria sobre um incêndio que destruiu completamente um restaurante em Brasília (DF). Até aí, nada mais do que a obrigação da empresa jornalística em reportar informações aos seus leitores, telespectadores e internautas. O que chamou a atenção, antes mesmo de clicar no link da matéria, foi o título e o destaque dado ao acontecimento (postado como destaque no portal): “Incêndio destrói restaurante em que Michelle Obama almoçou em Brasília”.
É fato que, infelizmente, as pessoas não costumam ler um texto muito longo em jornais e sites de notícias. Há exceções, como em tudo na vida (ainda bem), mas, neste caso, consideremos a regra. O texto, assinado por Káthia Mello e Naiara Leão, é composto por 2.623 caracteres com espaço, segundo o contador de palavras do programa de textos de meu computador. Exponho este dado para ilustrar a reflexão que segue.
A linha fina (ou subtítulo) da reportagem informa que o incêndio atingiu o estabelecimento por volta das 13h30 e que 140 pessoas estavam no local no momento do acidente. Isso tudo antecipa o lead (primeiro parágrafo), que começa assim. “Um incêndio destruiu nesta quarta-feira (3/8) o restaurante Oca da Tribo, no Lago Sul, em Brasília.” Até este ponto, e tirando o título da matéria, tudo correto – com relação a informar o público. Porém, a segunda frase do lead acrescenta as informações que seguem. “O local foi o escolhido pela comitiva da primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, para ela almoçar, durante visita do marido, o presidente Barack Obama, ao Brasil, em março. No local, Michelle e as filhas, Sasha e Malia, assistiram a apresentações de grupos de capoeira e de percussão.”
A suposta demora dos bombeiros
Ou seja, caso a esposa do presidente dos Estados Unidos não tivesse escolhido o local para almoçar com sua comitiva, o texto seria outro, o destaque (consequentemente) seria outro e até arrisco afirmar que ninguém ficasse sabendo do acidente. Lembrando dos leitores “preguiçosos”, a história morreria por aí e eles já teriam o que falar no boteco, padaria, salão de cabeleireiro, escritório etc.
O sublead (ou segundo parágrafo) informa o que, de fato, aconteceu no local. Segundo este bloco do texto, o incêndio começou por volta das 13h30. Testemunhas informaram à reportagem do G1 que o fogo se originou em uma área de cerrado na Avenida das Nações Unidas, se espalhando até atingir o estabelecimento. No momento em que se iniciou o incêndio no restaurante, 120 pessoas almoçavam e eram atendidas por 20 funcionários – “ninguém ficou ferido”.
Já usei uma metáfora jornalística, em outro artigo publicado no Observatório da Imprensa,que ilustra adequadamente o ponto onde quero chegar. “Quando um cachorro morde uma pessoa, não é notícia. Mas quando uma pessoa morde o cachorro, sim”.
Pois bem, a reportagem deixa claro que “ninguém ficou ferido”. Na atual conjuntura em que vivemos, isso é “não acontecer nada”. As repórteres não são culpadas pelo texto que assinam, pois seguem ordens de um editor – que as pauta, orienta o “foco” e verifica todo o material escrito antes de publicá-lo.
A reportagem segue informando sobre o acidente e divulgando as informações das fontes – pessoas que estavam no local, além das autoridades envolvidas na contenção das chamas. A proprietária do restaurante, Ritamel Pontes, disse ao G1 que os bombeiros “teriam demorado e chegado ao restaurante somento (sic) no momento em que o fogo já atingia o estabelecimento”. Isso, sim, poderia ser um bom gancho para a matéria: a suposta demora no atendimento a uma situação de emergência por parte dos bombeiros que, obviamente, negam a versão de Ritamel.
Mais fumaça que o incêndio
Continuando a leitura, o texto, quase ao seu final, informa que nos últimos três meses o Corpo de Bombeiros registrou cerca de três mil focos de incêndio no DF. Isso ocorre, segundo a reportagem, em razão do clima seco da região. Compreendem onde quero chegar? A última informação da matéria – sobre o número de queimadas que ocorrem no DF – rende uma matéria especial incrível, na qual se pode montar uma estatística sobre incêndios na região, os riscos à população, às edificações e ao meio ambiente (produzindo gráficos e mapas das regiões mais afetadas, por exemplo).
Essas informações poderiam ser ilustradas com uma notícia factual: o incêndio no restaurante Oca da Tribo e, aí sim, no final de tudo, a informação de que Michelle Obama esteve no local poderia ser incluída – como uma curiosidade.
A famigerada técnica da pirâmide invertida – em que as principais informações são colocadas nos primeiros parágrafos de um texto jornalístico, e as informações menos importantes são reveladas ao final – caiu em desuso por causa da tecnologia, que possibilita que se escreva a matéria sabendo o número máximo de caracteres para a redação de uma reportagem e também por causa da internet (que oferece um espaço infinito para a publicação de textos, com quantos caracteres se queira).
Porém, mesmo em desuso, o princípio que norteia a “técnica ultrapassada” deve se manter vivo na cabeça de quem pauta e de quem escreve. Michelle Obama é a esposa do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fato. Essa informação é destacada somente no título da matéria e no lead, para chamar a atenção do público (ávido por informações sobre a vida alheia). Resumindo, grosso modo,a curiosidade – que a mulher do presidente de uma superpotência almoçou em um lugar que pegou fogo – fez mais fumaça que o próprio incêndio.
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[Alfredo Henrique é jornalista, Guarulhos, SP]