Quem é essa mulher que cai no choro quando é chamada de feia por um colega? Se os leitores quiserem resposta, vão ter que pesquisar muito. Porque a imprensa, a julgar pelo que foi publicado na semana passada, não tem o menor interesse em dizer. Na briga entre os deputados Cida Diogo (PT-RJ)e Clodovil Hernandes (PTC-SP), a imprensa mostrou que o culto às celebridades e a fofoca tomaram, definitivamente, o lugar da informação.
Homossexual assumido, Clodovil chegou ao Congresso com 500 mil votos obtidos sem plataforma política, exceto pelo fato de suas espectadoras acreditarem que ele fala a verdade. Com sua presença constante na mídia, ele simplifica bem o trabalho da imprensa, já que não é preciso dizer quem ele é, que partido é esse ao qual se filiou e que serviços, como deputado, ele pode efetivamente prestar ao Congresso. Se ele já fez alguma coisa no Congresso (apresentou um projeto criando o Dia da Mãe Adotiva, segundo consta de sua página no site da Câmara dos Deputados, e fez pronunciamentos no dia da posse e no Dia Internacional da Mulher), também não interessa.
Ele é uma celebridade, ele é polêmico e sabe tirar proveito da mídia. É personagem muito mais interessante do que a deputada a quem chamou de feia. Tem, portanto, o ‘direito’ de ofender a deputada – e, de quebra, todas as mulheres – falando no seu novo programa de TV e mesmo no plenário da Câmara.
Currículos reveladores
E a deputada Cida Diogo? Para a imprensa, apenas mais uma mulher no Congresso. Uma mulher que deve ser fraca, já que não soube responder à ofensa. Ou melhor, chorou, no melhor estilo do estereótipo da mulher frágil, que corre em busca de proteção quando é ofendida. Essa foi, pelo menos, a imagem que a imprensa passou.
Ninguém considerou que Cida Diogo talvez tenha chorado por indignação ou raiva, ofendida porque vai acabar entrando para a história do Parlamento brasileiro como a mulher que chorou ao ser chamada de feia. O que interessa na imprensa é a fofoca.
E nem seria preciso muito trabalho para revelar um pouco mais sobre os envolvidos na briga. Está tudo lá, no site do Congresso, nas páginas que mostram a biografia dos parlamentares.
O currículo de Clodovil diz que ele é professor, comunicador, estilista, ator e cantor e que se filiou ao PTC em 2005. E é só.
O currículo de Cida Diogo diz que ela é médica, professora de Patologia Clínica, que se filiou ao PT em 1980, que foi secretária da Saúde e vice-prefeita de Volta Redonda e deputada estadual por duas vezes, antes de se eleger deputada federal. E ocupa mais de duas páginas com a lista dos congressos, cursos e atividades parlamentares de que participou.
O que esperar de um e outro
Militante ativa dos debates sobre direitos das mulheres, especialmente na área da saúde, a deputada só tem em comum com seu agressor o fato de estar no primeiro mandato federal. Em vez de se fixar nas ofensas e reações, a imprensa poderia aproveitar a oportunidade para discutir o assim chamado decoro, parlamentar ou não. O uso de expressões adequadas, na TV ou no Congresso. O despreparo de um, apesar de seus 500 mil votos, e a qualificação de outra, com seus parcos 70 mil votos.
Sem cansar os leitores com biografia dos dois deputados e sem tomar o partido das mulheres, a imprensa poderia, ao menos, dar uma pesquisada no site da Câmara e mostrar, com base no que os dois deputados fizeram depois da posse, o que se pode esperar de um e outro nos próximos quatro anos.
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Jornalista