‘Licenças para pesca da lagosta estão suspensas em todo país. Essa é a principal notícia do dia’, narrava uma das apresentadoras do programa A Voz do Brasil. Nada errado se não fosse dia 1º de fevereiro, quando tomaram posse os deputados federais e senadores eleitos no último pleito e quando ocorreram as eleições para as mesas diretoras do Senado e da Câmara.
A Voz do Brasil está no ar há 70 anos, tem uma hora de duração e quatro blocos: no primeiro são dadas as notícias do Poder Executivo, no segundo as do Judiciário e, nos 20 minutos finais, os últimos blocos divulgam informações do Legislativo.
Noticiário oficial do país
Como a posse dos parlamentares envolve os demais poderes e a imprensa vinha acompanhando em especial as expectativas do Poder Executivo em relação à aprovação, pelo novo Congresso, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), esperava-se ouvir um noticiário amplo, antenado com os fatos mais importantes do mundo político. No entanto, no primeiro bloco, a única notícia que citou as ações do presidente Lula naquele dia fazia referência a uma reunião ocorrida no Palácio do Planalto com empresários, para discutir a concessão de trechos das estradas federais à iniciativa privada.
Só foi possível ter informações a respeito das eleições internas no Congresso e sobre a posse dos parlamentares no final do programa, dentro dos respectivos blocos do Poder Legislativo. Cabe lembrar que estamos falando do principal noticiário oficial do país.
A burocracia e a lagosta
As notícias do Poder Executivo em A Voz do Brasil são produzidas pelo sistema estatal Radiobrás, que existe há mais de 30 anos e hoje envolve uma agência de notícias, duas emissoras de televisão e cinco emissoras de rádio.
O site da Radiobrás diz que seu objetivo é ‘levar informação jornalística diária aos mais distantes pontos do país’. Acrescenta que A Voz do Brasil passou por mudanças editoriais em 2003, saindo dos gabinetes e se aproximando mais dos ouvintes. Mas o que se pôde observar foi justamente o contrário, pelo menos na edição referida.
Houve um distanciamento do ouvinte porque o programa não escapou à burocracia que envolve a máquina pública. E a referência aqui não é ao conceito pejorativo de burocracia, mas à sua própria formulação teórica – elaborada por um dos pais da sociologia, o alemão Max Weber –, que prevê o funcionamento de órgão públicos dentro de regras definidas que não podem ser alteradas. Um veículo que se propõe a fazer jornalismo necessita priorizar o benefício da informação para as respectivas audiências e não pode estar fechado dentro de conceitos burocráticos.
Ao ligar o rádio, às 19 horas, num dia tão importante para a democracia brasileira, a última coisa que o ouvinte atento poderia esperar é que a lagosta desbancasse o Congresso Nacional.
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Jornalista, mestre em Informação e Jornalismo e investigador da Universidade do Minho, em Portugal