Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ingenuidade ao extremo

O artigo do jornalista Moisés Mendes, publicado no jornal Zero Hora de domingo (23/1), intitulado ‘O WikiLeaks gaúcho’, é de espantar pela ingenuidade e falta de entendimento do trabalho realizado pelo WikiLeaks, do jornalista e ativista Julian Assange. Mendes procura mostrar que pode ser feito algo semelhante ao WikiLeaks através do site do Tribunal do Contas do Estado (TCE), para isto contando com a participação da população.

Ora, no site do TCE são publicadas receitas, despesas, rubricas, entre outras coisas, as quais geralmente não levam a nenhuma consideração maior. São operações realizadas pelas prefeituras, as quais podem ser questionadas por qualquer cidadão, mesmo através de cartas manuscritas enviadas às administrações municipais ou ao próprio TCE. Querer transformar isto num WikiLeaks gaúcho é de uma leviandade extrema.

Em meio ao artigo percebe-se o interesse em reduzir a frangalhos o trabalho do WikiLeaks, desmerecendo-o a todo custo. Devemos atentar que o WikiLeaks tem um grande volume de trabalho publicado e nem todo ele é de grande interesse para a população. Assim como na edição de um jornal, nem todos os assuntos se tornam interessantes. Algumas matérias ganham maior destaque e têm maior repercussão, outras não.

Igualar os desiguais

Já não é a primeira vez que vemos a mídia tradicional querer desmerecer o trabalho realizado pela internet. O estranho agora é também usar a internet, mas através de um órgão oficial, fiscalizatório dos governos, o Tribunal de Contas. Só que cada organização tem seus próprios interesses na divulgação de dados. O TCE gaúcho divulga por força da lei, cumprindo princípios constitucionais de publicidade e transparência dos atos do poder público. Já o WikiLeaks, o jornalismo investigativo, divulga porque apura os fatos que muitos querem esconder. São trabalhos e enfoques totalmente diferentes.

Segundo Mendes dá a entender, o cidadão poderá questionar os gastos da prefeitura da sua cidade ao enviar mensagem eletrônica ao TCE. Mas isto ele pode fazer protocolando reclamação na prefeitura, no Ministério Público local ou enviando carta ao TCE e outros órgãos de fiscalização.

Querer igualar os desiguais, reduzindo o papel investigativo da internet, são objetivos nítidos no artigo. É de uma ingenuidade aterradora que certamente tem algum interesse por trás, talvez o de manter a forma tradicional de acompanhamento do poder público: esperar sentado a divulgação e depois enviar reclamações e denúncias, o que já é feito desde que foram inventados o papel, a tinta e as instituições democráticas.

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Jornalista e funcionário público, Osório, RS