Em dois editoriais, a Folha de S.Paulo adota posturas diferentes e contraditórias em relação aos professores de São Paulo e sua paralisação (13/3). No editorial “Deseducação pela greve” (26/3), o jornal, lamentavelmente, defende o governo Alckmin e coloca a Apeoesp – sindicato dos professores – como vilã e a maior interessada em prejudicar os alunos e a gestão tucana que governa São Paulo.
No outro editorial – “O Valor da educação” (de 18/3/10) – o jornal deixa claro a importância da educação para o país e o papel dos profissionais de ensino. Diz ele: “A educação brasileira não sairá do buraco em que se encontra enquanto a sociedade e os governantes por ela eleitos não se convencerem de que ser professor não é sacerdócio, mas profissão absolutamente estratégica para o desenvolvimento do país.”
Ou seja, no primeiro editorial, o jornal defende Alckmin e sua péssima administração. Explico com exemplos: a crise hídrica, os escândalos do Rodoanel e os propinodutos do metrô e do trem. Na realidade, a atual greve dos professores é resultante de mais de dez anos de abandono. No segundo editorial, o ponto de vista do jornal é claro: sem valorizar o professor, de fato, nossa sociedade está fadada ao subdesenvolvimento. Enfim, prevalece o descritério.
Na verdade, valorizar o professor é pensar no desenvolvimento do país. Educação não pode ser entendida como sacerdócio. Aliás, essa é a postura do governador de São Paulo e de seu partido com relação aos professores. Certamente, a educação é a joia mais importante do país. Outra falácia: a greve dos professores é um movimento político. De fato toda e qualquer ação humana é política. Portanto, Alckmin tenta desqualificar o movimento legítimo dos educadores paulistas ao dizer essa grande bobagem.
O governador não é de dialogar
Outra coisa: o salário-base dos professores de ensino médio é de R$ 2.416 para uma jornada de 40 horas. Nível universitário. É muito pouco. O governador gosta de dizer que é um dos melhores salários pagos no país. Não é verdade. Outra mentira que diz aos quatro ventos: a greve é um contraponto contra as manifestações contra a presidente petista Dilma Rousseff. Como é sabido, os educadores não têm aumento real de salário. Não falo de reajuste. Tem mais, dizer que os professores são petistas não cola. Uma parte considerável deles votou no pessedebista.
Mas, afinal, o que querem os professores? Fim do fechamento de classes. Resultado: há salas com 80 alunos ou mais. O ideal é 25 alunos por sala. Aceleração do processo de aposentadoria, aumento salarial de 75, 33 %, o fim da bonificação e a contratação de professores temporários. Finalmente, os profissionais de ensino querem um plano de carreira consistente. Um dado importante: o fechamento de salas de aula ocorre justamente em estados governados pelos tucanos. Dou um exemplo: no Paraná tucano, a política educacional é a mesma de São Paulo.
Por outro lado, desde o ano anterior, o sindicato dos professores tem apresentado uma pauta de reivindicações à Secretaria Estadual de Educação. A verdade: o governo não ouve os educadores e se recusa atender e melhorar as condições de trabalho nas escolas. Um fato real: o governador não é de dialogar… Sua postura é autoritária. Mais: manipula habilmente a opinião pública contra os professores. Para isso a mídia facilita seu trabalho.
O futuro está comprometido
Por sua vez, o noticiário midiático, até aqui, tem tratado a greve de duas maneiras. Os artigos jornalísticos e a mídia eletrônica mostram os professores como grevistas oportunistas, que estão prejudicando as crianças. Só falta dizer que ganham muito bem e que não há problemas na educação paulista. De outro lado, uma parte da mídia procura colaborar para informar a opinião pública. No entanto, no geral o discurso é homogêneo. Tratam a greve, simplesmente, como mais uma. Infelizmente, na guerra da comunicação, Alckmin é blindado pela mídia hegemônica e leva enorme vantagem. É por isso que prevalece a “verdade oficial”. É aí é que está o nó. A mídia está de mãos dadas com o governo.
Um verdadeiro absurdo: Alckmin, seu vice e secretariado tiveram reajuste salarial vultoso. Com o aumento, o governador passa a receber R$ 21.613, 05. Pergunta incômoda: é pouco, ou muito, pelo que faz como governador do estado de São Paulo? A verdade é uma só: em muitas escolas estaduais falta até papel higiênico e outros itens básicos. As verbas foram cortadas a pretexto do momento difícil que passa o país. Aliás, essa é uma verdade parcial. O estado de São Paulo continua arrecadando impostos como nunca entre outras coisas… Portanto, os argumentos não são válidos e não se sustentam.
Faço um paralelo entre a falta d’água e as inverdades sobre o movimento dos professores. Até aqui, Alckmin tem negado sistematicamente o racionamento de água. Porém, todos sabem que falta água nas torneiras. Principalmente nos bairros mais distantes e periféricos. Da mesma forma que mentiu sobre o racionamento, ele diz mentiras sobre a paralisação dos educadores. Melhor dizendo: lamentavelmente, o governador ignora a opinião pública. É como se ela nada valesse.
Por último, gostaria de ressaltar que sem valorizar o professor, o futuro do país está comprometido de fato. Tem mais ainda: Todos os dias, em média, no estado de São Paulo, três ou mais professores concursados desistem do magistério. Lembro que Alckmin gosta de dizer na TV, que tem uma política real de valorização dos profissionais de ensino. Um dado importante: cada vez menos os jovens buscam a licenciatura, nas universidades públicas e privadas. Por quê? São muitos os motivos, entre eles, os baixos salários, o estresse diário, a ausência de plano de carreira sólido, a violência e a desvalorização profissional. Enfim, chega da educação, neste país, andar para o lado e para trás.
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Ricardo Santos é jornalista