Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

J. Hawilla, o ‘dono do futebol brasileiro’

Em uma entrevista em maio de 2007, o empresário da área de marketing esportivo José Hawilla dizia com orgulho que a receita de seu sucesso era uma só: “Trabalhar honestamente, não fazer negócios errados”. Na ocasião, quando faturava cerca de 500 milhões de dólares ao ano com sua empresa Traffic, ele respondia a questionamentos de repórteres do site Jornalistas e & Cia sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Nike, que investigou os negócios da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Exatos oito anos depois, o nome de Hawilla volta com destaque à imprensa, só que como corruptor confesso. Foi por meio dele que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos descobriu que José Maria Marin, o ex-presidente da CBF e atual dirigente da FIFA, recebia uma propina anual 2 milhões de reais. O dinheiro seria pago pela Traffic por contratos de transmissão de jogos da Copa do Brasil, o segundo torneio de clubes mais importante do país.

Maníaco por números, fã de sudoku (um jogo de lógica) e de numerologia, o supersticioso empresário não costuma fazer negócios em meses múltiplos de quatro – abril, agosto e dezembro. Hawilla, que “trocou” o seu prenome pela letra J, foi repórter e apresentador esportivo da TV Globo e da Band. Ele iniciou sua vida empresarial e começou a deixar as câmeras em 1980, com a compra de uma empresa que fazia publicidade em pontos de ônibus, a Traffic.

Em poucos anos, seu negócio mudou e se expandiu. Passou a investir placas publicitárias de estádios de futebol. Foi o precursor nesta área e deu o pontapé inicial para a sua megaempresa de marketing esportivo. Aproximou-se da CBF e chegou às confederações de futebol das três Américas, comprando os direitos de transmissões de dezenas de torneios internacionais, entre eles a Copa do Mundo do ano passado, no Brasil. Hoje, possui os direitos sobre a Copa América do Chile, a Copa Libertadores, a Sul-Americana e as eliminatórias da CONCACAF são de sua responsabilidade. Dirigentes responsáveis por esses torneios estão entre os presos pela operação que desvendou o esquema de corrupção na FIFA.

Vivendo em Miami, onde relatava a amigos estar tratando de problemas de saúde, o septuagenário Hawilla firmou um acordo com os investigadores americanos para não ser preso. Investigado por fraude e lavagem de dinheiro, o empresário brasileiro autorizou o confisco de 151 milhões de dólares de seu patrimônio para reaver parte do dinheiro de corrupção. Ao menos 25 milhões de dólares já teriam sido apreendidos.

O dono do futebol

Hawilla já chegou a ser chamado de o “dono do futebol brasileiro”. Foi após os esquemas de transmissão sugeridos por ele que a CBF passou a profissionalizar seu departamento de futebol e ampliou o caixa com os patrocínios de empresas particulares. Antes ela dependia muito de verbas públicas.

Também foi com a ajuda de J. Hawilla que a entidade que representa o futebol nacional conseguiu firmar milionários acordos de fornecimento de material esportivo com a Nike. Esse caso que foi investigado por uma CPI nos anos 1990.

Levar tanto dinheiro para uma entidade o deixou com as portas abertas e um permanente tapete vermelho estendido. Era comum ele dar palpites a Ricardo Teixeira, o ex-todo-poderoso que ficou 23 anos à frente da CBF. Circula entre conhecidos de ambos que teria sido Hawilla quem “inventou” o técnico Dunga e o coordenador técnico Jorginho, que comandaram a seleção canarinho na Copa da África do Sul de 2010. Em um diálogo com Teixeira logo após a derrota na Copa da Alemanha de 2006, o empresário teria dito que o ideal seria criar um treinador tampão na seleção, um ou dois ex-jogadores sem muita experiência. Se não desse certo, deveria chamar Luiz Felipe Scolari para a função. A história mostrou que o período de Dunga, que retornou à seleção em 2014, foi maior do que o esperado pela dupla Hawilla-Teixeira.

Os contratos com a CBF o aproximaram não só de cartolas, mas também de celebridades e de políticos, como os apresentadores Fausto Silva (o Faustão) e Milton Neves, o ex-governador de São Paulo José Serra, o ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab e o ex-ministro dos Esportes Orlando Silva. Um dos três filhos do empresário, Stefano, é casado com a modelo e apresentadora de TV Isabella Fiorentino.

Mais comunicação

Aliado à empresa de marketing, Hawilla também gerencia carreiras de jogadores, vende camarotes no estádio do Palmeiras e tem três clubes de futebol. Um nos Estados Unidos, o Miami FC, um no Brasil, o Desportivo Brasil, e um em Portugal, o Estoril Praia. O primeiro deles já teve como um de seus atletas o então centro-avante Romário. O segundo, que já foi usado apenas para comprar e vender jogadores, agora é da segunda divisão do Paulista. O terceiro participa da primeira divisão portuguesa.

Além disso, ele tem no interior de São Paulo quatro emissoras de televisão afiliadas da Globo, a maior rede televisiva do país e que transmite a maioria dos campeonatos de futebol comercializados pela Traffic. Hawilla também já teve jornais impressos. Um era o Diário de São Paulo e outro a Rede Bom Dia (que circulava em quatro municípios paulistanos onde ele tem a TV). Todos foram vendidos.

Procurado, o advogado José Luis de Oliveira Lima, que defende Hawilla, não retornou às ligações da reportagem. Em entrevista concedida à Folha de S. Paulo, o defensor disse que seu cliente vive livremente nos Estados Unidos, onde apoia as investigações.

Aquele que um dia dizia ser honesto e reclamava que teve sua vida devassada por uma CPI (“nunca pegaram nem multa de trânsito”, afirmara), agora é uma das peças-chave de uma das maiores investigações contra a corrupção no futebol.

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Afonso Benites, do El País