Jesus voltou à mídia, desta vez por obra do cineasta James Cameron, que atestou em Nova York ter descoberto a tumba de Jesus, a grande personalidade entre fins do segundo milênio e alvorecer do terceiro, quando foram publicados mais livros sobre ele do que em todos os séculos anteriores.
Jesus é um fenômeno editorial. Em cômputo recente, constatou-se que apenas na França foram publicados 500 livros sobre ele. Na Inglaterra, 1.000.
Num misto de história, lenda e ficção foram publicados livros que deram conta de insólitos acontecimentos até então escondidos do público. Num deles, movido pelas advertências de sua mulher, que tivera um pesadelo danado na noite anterior à condenação, Pilatos foi cúmplice de uma proposta de Nicodemos e José de Arimatéia e permitiu que Jesus fosse retirado da cruz quando agonizava. No lugar dele foi posto outro crucificado. Sobravam crucificados na Palestina daqueles anos. Menos de 100 anos antes de Jesus, tinham sido crucificados numa única vez 2.500 fariseus.
Retirado da cruz, Jesus foi tratado segundo técnicas hoje desconhecidas, recuperou-se, casou com Maria Madalena e foi morar no sul da França. Outros escreveram que Jesus vivera na Índia, entre sacerdotes budistas, dos 13 aos 30 anos.
Um historiador russo escreveu que Jesus sobreviveu à crucificação porque era um disciplinado praticante de ioga. A face mais visível da filosofia ortodoxa conhecida como ioga é um elevado controle dos meios fisiológicos e psíquicos, obtido por treinamento sistemático que mistura orações, meditações e exercícios físicos.
Grandes negócios
Juízes, advogados, promotores, enfim homens de notável saber jurídico, debruçaram-se sobre o julgamento de Jesus, que resultou em sua condenação à morte, e concluíram que se tratou de um assassinato de Estado. As revisões judiciárias contribuíram para a estratégia, em curso desde o concílio Vaticano II, de retirar uma culpa secular lançada sobre o povo judeu, dado como deicida, que teria lastreado o anti-semitismo responsável pelos numerosos massacres de que os campos de extermínio na Segunda Guerra Mundial são o emblema mais terrível.
Também no Brasil ressurgiu o interesse por Jesus no mesmo período, de que é exemplo o livro do general de exército Danilo Nunes, Judas: traidor ou traído, hoje bibliografia rara porque nosso mercado editorial enveredou por uma estranha obsessão: só se interessa por novidades. Em muitas editoras, o catálogo passivo é de muito melhor qualidade do que o atual. É só conferir.
Jesus anunciou que voltaria. Talvez tenhamos entendido mal a mensagem. Ele voltou de um modo que não esperávamos. Aos livros, ao cinema, ao teatro, à música, à pintura, aos papéis de parede. Incrementou diversas seitas que transformaram pequenas igrejas em grandes negócios. Mas Jesus sempre nos surpreendeu.
Crédito exíguo
Para o escritor é motivo de grandes vacilações saber que Ele jamais escreveu livro algum. A única vez que escreveu, esculpiu frases na areia. E as narrativas históricas e lendárias concordam que escreveu para perdoar a mulher que estava para se apedrejada por adultério. O diálogo final, depois da escrita na areia, é muito bonito.
– Mulher, ninguém te condenou?
– Ninguém, Senhor!
–Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar.
Desta vez, apesar de toda a força da mídia, poucos estão dando crédito ao diretor de Titanic.
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Escritor, doutor em Letras pela USP, professor da Universidade Estácio de Sá, onde dirige o Instituto da Palavra; www.deonisio.com.br