Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornal acerta alvo. Será que sabe?

Em meio ao noticiário ‘amanhecido’ de todos os grandes jornais, a Folha de S.Paulo surpreende seus leitores nesta quinta-feira (18/2) com material exclusivo sobre violência na capital – ‘Motoristas são as maiores vítimas de latrocínios’, manchete do caderno Cotidiano, obra do repórter André Caramante. Foi tiro na mosca. Um material que cobre os assuntos da polícia sob a perspectiva da segurança dos cidadãos. Quem mora em São Paulo ou visita São Paulo com frequência tem ali subsídios bem claros para ampliar sua faixa de segurança. A matéria aponta os bairros e até ruas onde os latrocínios têm ocorrido com mais frequência.

É o tipo de reportagem que nos devolve um fiapo de esperança na preservação da mídia papel, aturdida – para não dizer simplesmente perdida – na competição com os meios eletrônicos. Existe, sim, um espaço – das reportagens, do material de interesse público (serviço), da análise de tendência das informações, da opinião fundamentada em informações exclusivas – que pode ser ocupado pelos jornais e revistas e seja capaz de cravar diferenciais vigorosos em relação ao superficialismo e fluidez exagerada da mídia eletrônica.

Há vários anos atrás, a polícia prendeu Andinho, criminoso que se transformara no verdadeiro terror dos moradores da região de Campinas (SP). A caminho do cativeiro, ele revelou o local onde estavam ‘guardadas’ duas mulheres, irmãs, que sequestrara no município de Americana (SP). As duas estavam simplesmente amarradas no meio de um matagal próximo a Campinas e a TV Globo foi a primeira mídia a chegar ao local. Foi atrás da emoção, exclusivamente da emoção. Sonegou a seus espectadores informações valiosas, como as que explicam o fato de serem elas, as duas mulheres, irmãs, as escolhidas pelos sequestradores numa cidade de porte médio que supostamente sempre gozou de razoável tranquilidade. Por que elas? Sinais explícitos de riqueza? Havia algum elo de ligação entre a quadrilha de Andinho e as duas?

Romper com o círculo vicioso

Se a mídia eletrônica foi incapaz de satisfazer essa curiosidade relevante dos cidadãos, os jornais e revistas menos ainda. Ambos fazem coro – com raras exceções, a exemplo do material de hoje da Folha – com as demais mídias numa cobertura do setor policial na base do fato pelo fato, em busca de audiência, na falsa convicção de que o jornalismo se basta na satisfação da curiosidade mórbida das pessoas.

De fato para fato, de cobertura para cobertura segue a mídia a prestar um grande desserviço à sociedade brasileira. Há cidades relativamente tranquilas, como Curitiba ou Florianópolis, por exemplo, cujas populações, graças a essa cobertura policial sem nenhum critério, mas intensiva, manifestam sensações de insegurança iguais à dos moradores da Baixada Fluminense ou do Morro do Alemão. No boca a boca, a sensação de insegurança (muitas vezes em total descompasso com a realidade) se espalha e atrás dela vêm os prejuízos econômicos, o desinvestimento, o desemprego, o abandono, a decadência.

Por suas características intrínsecas, caberia à mídia o papel de romper com esse círculo vicioso, agregando inteligência e preocupações cidadãs à cobertura policial. Com a reportagem desta quinta-feira, a Folha acertou o alvo em cheio. O que temos de nos perguntar é se ela sabe que acertou.

******

Jornalista, ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil