Começou a circular no sábado (19/6), em Ribeirão Preto (SP), a Gazeta de Ribeirão, jornal semanal gratuito editado pelo grupo RAC (Rede Anhangüera de Comunicação) em parceria com um empresário local. Apesar da crise da mídia no mundo e no Brasil, o novo periódico aparece num momento de ressurgimento do jornalismo impresso local, já que nos últimos dois anos outros veículos de comunicação da cidade passaram por reformas gráficas e editoriais.
Anunciado com uma tiragem de 30 mil exemplares, a Gazeta surge com uma redação modesta – nove jornalistas listados no expediente, sendo quatro repórteres – para as 40 páginas do lançamento em formato berliner. As matérias, no entanto, de longe ultrapassam a qualidade média dos jornais locais.
O lançamento ocorreu na data de aniversário de Ribeirão Preto, que completou 148 anos. A distribuição é feita por um equipe terceirizada que leva o novo veículo a diferentes pontos da cidade. O empreendimento teve investimentos próximos a R$ 1 milhão, segundo o diretor editorial da RAC, Nelson Homem de Mello. O grupo – o mesmo que edita em Campinas os jornais Correio Popular e Diário do Povo – não revela as participações acionárias da RAC e de seu sócio, Valdir Pavani, ex-gerente comercial da Folha de S.Paulo‘ e ex-diretor de um shopping center da cidade.
Com um projeto gráfico elegante, o jornal tem uma equipe de bons jornalistas. Três dos quatro mais experientes têm carreiras dedicadas em grande parte à TV, como o editor Rubens Zaidan e o repórter Luís Henrique Trovo – ambos trabalharam na EPTV, a Globo local. Outro profissional contratado pela RAC, Ferraz Júnior, também ex-EPTV, deixou a Gazeta antes mesmo do lançamento do veículo. Completa esse quadro o editor Luiz Augusto Michelazzo, ex-Gazeta Mercantil. Nas páginas de opinião, o semanário também apresenta alguns bons textos, como ‘O poder das palavras’, de Isaías Pessotti (na edição número 1).
O que se questiona na cidade é se um jornal como a Gazeta de Ribeirão, semanal e gratuito, irá se consolidar. Sabe-se que os jornais cada vez mais sobrevivem graças à publicidade, mas ainda têm hoje uma relação comercial com o leitor – o preço do exemplar ou da assinatura. Com jornais gratuitos, essa relação empresa jornalística-leitor não existe num contrato formal. O que se pergunta é se essa gratuidade não dá um enorme peso aos anunciantes e deixa os leitores de escanteio. Em editorial, o semanário garante, porém, que tem um compromisso com o ‘interesse do leitor’. É esperar para crer.
Cobertura crítica
A julgar pela edição de estréia, o veículo da RAC apresentou, na média, boas matérias –como ‘O mérito é da D. Diva’, sobre o hino de Ribeirão Preto, cuja letra foi escrita pelo ex-ministro Saulo Ramos, em 1956. Outras reportagens, no entanto, mereceriam mais cuidado. Na página 5, ‘Geração em crise’, por exemplo, sobre uma pesquisa da Universidade de São Paulo que analisou a vida de 6.750 pessoas nascidas em 1978 e 79, é um assunto já tratado na imprensa local. Além disso, a matéria continua numa segunda página. Um leitor desavisado pode não entender se começar a ler o texto na página 6 –caberia talvez um recurso gráfico ou um simples ‘leia mais’ indicando que a reportagem é uma continuação.
Na cerimônia de lançamento do jornal, no último dia 22, Valdir Pavani e o diretor-superintendente da RAC, Sylvino de Godoy Neto, prometeram que a Gazeta iria cumprir a função de fiscalizadora do poder público, fazendo um jornalismo mais combativo e marcado pela independência editorial. O que se viu no número 1, porém, passou longe disso. Nenhuma matéria questiona tanto assim a administração municipal. Duas reportagens mencionam assuntos que envolvem a prefeitura (como ‘Esgoto de luxo’ e ‘Vale dos Rios parado’), mas não podem ser consideradas críticas ao governo local.
Nelson Homem de Mello se defende. ‘A colocação é pertinente, mas precipitada. A avaliação foi feita a respeito do número inaugural da Gazeta, que coincidiu com a data de aniversário da cidade. Publicar matérias ásperas ou críticas a Ribeirão Preto ou à administração municipal naquela edição, como exemplo, seria o mesmo que ir a uma festa para falar mal do aniversariante. Com o tempo, os leitores poderão sentir e avaliar melhor o papel da Gazeta de Ribeirão‘, respondeu o diretor-editorial no último dia 24.
Ainda é cedo para uma análise mais profunda, mas mesmo na segunda edição, a qual este repórter teve acesso no sábado, não se viu na Gazeta essa função nobre do jornalismo citada por Pavani e Godoy Neto. Pelo contrário, as elites econômica e política aparecem nas páginas de coluna social e derivados como se a cidade não tivesse problemas.
De qualquer forma, a Gazeta será o grande concorrente editorial da Folha de S.Paulo, que, na cidade, produz um caderno regional. É o único veículo – do qual fez parte este repórter até o ano passado – que nos últimos anos tem marcado presença com uma cobertura periodicamente independente e crítica aos poderes públicos e econômicos. Não é, porém, um jornal da cidade, pois diariamente apresenta apenas algumas páginas locais.
Prestígio perdido
Nos últimos anos, os jornais do município têm se mexido e vêm tentando melhorar a qualidade da mídia impressa local. Em maio de 2002, o semanário Tribuna de Ribeirão se tornou diário. Embora sem estrutura (com pouca gente na redação), desde então tem dado alguns furos em seus concorrentes. Num deles, pautou a imprensa nacional ao publicar que uma garota foi infectada com o vírus da Aids após receber transplante de sangue contendo HIV no Hospital das Clínicas da USP, um dos melhores do país. Em março de 2003, A Cidade, que completa 100 anos em 2005, deixou de ser um jornal exclusivamente de classificados e investiu em jornalismo, contratando alguns bons profissionais. O jornal, que tinha uma diagramação horrível, realizou uma reforma gráfica que o tornou um produto agradável esteticamente. Recentemente, contratou um instituto de pesquisa de opinião pública para publicar um panorama das intenções de voto sobre as eleições municipais deste ano.
De maneira geral, no entanto, os jornais locais são fracos. Para se ter uma idéia, é comum encontrar em suas páginas a publicação de releases de assessorias de imprensa – alguns deles chegam a dar o crédito aos assessores e às empresas de assessoria – principalmente nas editorias de cultura. Um outro diário local, o Verdade, é do ex-deputado Wilson Toni, hoje no PFL, e explora em suas páginas o mais puro sensacionalismo policialesco. Principalmente no rádio, Toni e sua equipe são, no entanto, os que conseguem maior audiência – o que mereceria ser comentado por algum outro observador local. O que o pefelista faz, porém, está longe de poder ser considerado jornalismo, principalmente porque às vezes o ouvinte não sabe se ele está fazendo comentários jornalísticos ou discurso político.
Ribeirão Preto já teve bons jornais no passado. Os jornalistas mais experientes dizem que a cidade chegou a ter cinco diários com qualidade razoável. O que este repórter já pesquisou no Arquivo Público e Municipal é que, até o final dos anos 1970, veículos como Diário de Notícias e Diário da Manhã – hoje extintos – tinham grande influência. Nos anos 1980, com a implantação na cidade da emissora EPTV, esses diários perderam prestígio e qualidade. Curiosamente, o novo jornal que promete ganhar espaço em Ribeirão é bancado por uma empresa que também vem de outra cidade – Campinas, como ocorreu com a EPTV.
Outros empreendimentos
A RAC possui outras publicações gratuitas no interior. Em Campinas, tem a Gazeta do Cambuí. Há pouco menos de um ano lançou a Gazeta de Piracicaba, que deixou de ser semanal para se tornar bissemanal há dois meses. Lá, seu sócio é Lourenço Tayar, ex-diretor do Jornal de Piracicaba, de acordo com Homem de Mello.
‘Os jornais gratuitos da RAC foram criados para leitura de fim de semana e são entregues porta a porta. A responsabilidade [dos nossos jornais] é produzir conteúdo mais abrangente’, afirma o diretor editorial da Rede Anhangüera de Comunicação. Resta saber se, com uma equipe pequena, a Gazeta de Ribeirão terá fôlego para oferecer todas as semanas textos de qualidade a seus leitores. A edição de estréia teve um mês de preparação para as 40 páginas, já que a equipe de jornalistas foi contratada em maio. Vale lembrar que dos editores e repórteres que compõem o expediente, quatro deles assinaram mais de 60% das reportagens. Carente de mais qualidade jornalística em seus veículos impressos, a cidade parece, no entanto, torcer por Homem de Mello.
Desde o final da década de 1990, surgiram na Europa vários jornais gratuitos, principalmente de grupos de comunicação da Noruega e da Suécia [veja remissões abaixo]. Na Espanha, por exemplo, 20 Minutos e Metro Directo superam a tiragem de 3 milhões de leitores diários. Esses jornais têm, no entanto, características diferentes em relação aos do grupo RAC. Além de diários, são destinados aos passageiros do sistema de transporte de grandes capitais. O 20 Minutos recebe esse nome devido ao tempo médio que seus leitores ficam nos metrôs.