Imagine a cena: 10 de setembro, sábado. Você acorda um pouco mais tarde, vai à sua banca de jornais preferida, compra seu diário informativo e volta para casa para lê-lo. Na sala, começa a passear os olhos e lê uma notícia e outra. Chega ao caderno de cultura (Caderno 2 – no caso, do jornal A Gazeta, do Espírito Santo) e encontra uma notícia sobre um exilado político da China que, agora, entre outras atividades, acabou de escrever um livro, que tem sido sucesso mundial.
Em meio à diagramação da página você encontra uns caracteres chineses. Bom, já é estranho o fato de um jornal escrito em português ter uma frase, destacada no meio da página, escrita em chinês. Mais estranho ainda é quando você gira a página do jornal em 90 graus no sentido anti-horário. A suposta frase em chinês é, na verdade, uma frase em português, escrita de maneira estilizada, passando-se por um texto em chinês. Ah, já ia me esquecendo de dizer, quando você gira a página do jornal, você pode ler, com todas as letras, a frase: ‘Vá se fuder!’.
Se ainda não está acreditando, veja as imagens abaixo:
Figura 1 | Figura 2 |
Figura 3 |
Apenas um engano
Curioso como todo jornalista, procurei logo me informar sobre o que acontecera. Primeiro, li toda a matéria, atenciosamente, para saber se o tal escritor chinês não estava fazendo algum tipo de publicação com mensagens subliminares ou algo parecido. Li tudo, não havia nada na matéria em relação ao simpático recado da ‘escrita chinesa’. Liguei para a redação do jornal, falei com alguns jornalistas. Explicação: sobrou espaço na página, para ilustrar e compor a diagramação, procuraram na internet um símbolo, uma frase, qualquer coisa que lembrasse a China ou o chinês. Encontraram essa imagem, acharam-na bonitinha e publicaram.
Que lástima!
Acho que desse episódio fica uma lição e um ponto para reflexão.
A lição é simples: não se deve publicar em páginas de jornal, revista, livro ou seja lá o que for algo que não se compreenda. Corre-se o risco de fazer uma grande bobagem. Como o ocorrido neste caso.
O ponto de reflexão merece um pouco mais de explicação. É claro que o ocorrido no jornal A Gazeta, do Espírito Santo, foi apenas um engano. Certamente, ninguém em sã consciência colocaria algo semelhante nas páginas de um jornal diário.
Sem repercussão
Contudo, esta falha pode ter deixado transparecer o que seria um sentimento contido, reprimido, em algumas das redações capixabas, tamanho o descaso com que alguns temas, importantes para a sociedade, são cobertos por setores da mídia local.
Exemplo disso foi a denúncia feita em cadeia de TV estadual pelo ex-governador Max Mauro, afirmando que o ‘crime organizado está infiltrado no governo estadual’, que ‘os deputados corruptos que apoiavam o antigo presidente da Assembléia Legislativa (José Carlos Gratz, preso por corrupção) hoje são a base de apoio do governo do estado no Poder Legislativo’ e lembrando, mais uma vez, que uma denúncia envolvendo o nome do governador no assassinato de juiz Alexandre Martins sequer foi apurada pela Justiça capixaba.
No dia seguinte, nenhuma das denúncias feitas pelo ex-governador teve repercussão na mídia. As matérias publicadas davam tônica simplesmente político-eleitoral à fala de Max Mauro. Algo como: ‘PDT usa horário político para atacar Hartung’, sem destaque para as denúncias.
Mensagem subliminar?
Mas esse não é o único exemplo de que parte da imprensa capixaba ‘está pouco se lixando’ para seus leitores. Recentemente, Zé Coimbra, irmão do vice-governador, Lelo Coimbra, que é presidente da Câmara Municipal de Vitória, teve prisão decretada por suspeita de envolvimento em assassinato.
Não havia como se calar diante da notícia, mas os jornais capixabas relataram o básico, sem mencionar as ligações entre os fatos, a importância que tal assassinato teria ou teve sobre a carreira política de Zé Coimbra e de outros políticos capixabas, a influência que o testemunho da vítima teria em outras investigações envolvendo o nome de políticos capixabas – nada disso, ou quase nada, teve destaque na mídia.
Cadeias superlotadas, falta de condições de trabalho para policiais, médicos e professores, nada é veiculado nos jornais; quando o é, não ganha o destaque merecido. O que fica muito claro é que denúncias contra o governo do estado ou qualquer notícia que abale a imagem do governo dificilmente são veiculadas na mídia capixaba.
É verdade que a ‘escrita chinesa’ publicada no jornal A Gazeta foi um engano. Mas, diante destas observações, há supersticiosos que, à boca miúda, já estão dizendo que a imagem continha uma mensagem subliminar aos leitores. Será?
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Jornalista