A primeira página de A Gazeta (Vitória, ES) de domingo (18/7/04), informava que jorra petróleo em uma cidade capixaba. De fato, tem jorrado petróleo em espaços capixabas, mas marítimos. A primeira página era da década de 1950. Depois vinha outra primeira página, informando que o Brasil conquistara o tricampeonato de futebol, em 1970. A seguir, mais uma primeira página informando que o maior ídolo brasileiro morrera na pista. Era a manchete sobre a morte de Ayrton Senna, há dez anos.
A edição, nas suas várias primeiras páginas que antecediam a verdadeira primeira página do jornal, reproduziam capas antigas do jornal. Era visível que A Gazeta mudara entre cada uma daquelas edições selecionadas. Mas não seria um exagero de marketing fazer o leitor abrir páginas e páginas para alcançar a aparentemente óbvia primeira página?
Mudanças, mudanças…
Houve tempo em que jornal tinha que mudar aos poucos, para não chocar o leitor. Depois, optou-se por mudanças bruscas. Nesta mudança, A Gazeta optou por mostrar que o próprio jornal já mudara várias vezes. Parecia desculpar-se por mais uma alteração gráfica e editorial. Em verdade, o jornal mudou muito – e muito bruscamente – nos últimos dez anos, e não nos quase cinqüenta apresentados. As mudanças mais recentes A Gazeta fingiu ignorar. Para um leitor desatento, a coisa passa. Mas será que o jornal deseja mesmo leitores desatentos?
Nos últimos dias, o tradicional matutino capixaba vinha anunciando que a edição de domingo inauguraria uma nova fase, renovada, com mudanças. Mas vender jornais do passado para mostrar o que se pretende um jornal do futuro não parece a este observador um bom caminho. Como esse episódio se restringe a uma única edição, vá lá, aceitemos como uma jogada promocional. Naquele domingo, o cidadão saiu perdendo. E nos próximos dias?
O que muda?
O leitor de A Gazeta ganhará vários novos colunistas. Agora, basta assinar (ou comprar na banca) os dois jornais capixabas para que todas as griffes jornalísticas brasileiras sejam encontradas. Tudo que ainda não penetrara no mercado capixaba agora está em um dos dois jornais – A Gazeta e A Tribuna. Conclusão: A Gazeta rendeu-se ao jornalismo de griffe. De novidade de fato, nada.
A ordem de apresentação das editorias mudou. O jornal, que mantinha há anos (e sobrevivendo a várias mudanças) a Política abrindo suas páginas, agora mandou essa editoria para as primeiras páginas do seu segundo caderno. Mau sinal: o jornal informa que ouviu os leitores e fez o jornal que os leitores desejavam. O leitor não gosta de política? Tudo bem, empurramos a política lá para trás!
Jornalismo não é bem isso. Se os leitores não gostam de política, o jornal deve buscar formas de apresentar a política de uma maneira mais agradável. A família Lindenberg adquiriu o jornal para usá-lo como instrumento político do partido de Carlos Lindenberg, que governou por duas vezes o Espírito Santo. Carlos Lindenberg Filho, seu sucessor no jornal, operou uma delicada e cuidadosa mudança para modernizar o diário e torná-lo uma efetiva instituição pública.
Cariê, como Lindenberg Filho é conhecido foi um mestre. E é sincero quando afirma que o golpe de 1964 fez bem para seu jornal. Afinal, ao extinguir os partidos, o golpe quase extinguiu a política. Neste processo, de uma maneira segura e cuidadosa, Cariê fez de A Gazeta um símbolo de boa informação – de qualidade, isenta e a serviço das boas causas.
Em tempos mais recentes, o jornal batalhou com vigor a favor da moralidade administrativa e lutou bravamente contra o crime organizado. Do jornal pessedista que defendia o governo Carlos Lindenberg, A Gazeta tornou-se uma referência de boa informação política, plural, com credibilidade. E engajada nas boas causas suprapartidárias.
Lindenberg Neto, conhecido como Café, parece ter sucumbido ao marketing. Por sorte, as páginas editoriais e de opinião que ocupavam as páginas 4 e 5, agora vieram para a 2 e 3. Os espaços de opinião surgiram suculentos, plurais e instigantes há mais de dez anos. Perderam força numa das diversas mudanças que jornal sofreu (literalmente) nos últimos anos.
Agora, depois das Cartas e da Opinião, o jornal abre com várias páginas de Cidades. De novo, um leitor desatento fica com a impressão de que o diário ampliou o noticiário sobre os grandes temas locais. Pelas edições de domingo e segunda-feira, uma leitura atenta não mostra isso. A editoria de Cidades cresceu. Incorporou a velha editoria de Polícia e encerrou a editoria de Estado, que oferecia um noticiário das cidades de fora da Região Metropolitana da Grande Vitória.
Este observador, em dois artigos publicados em 1995, mostrava que os jornais capixabas mantinham o jornalismo policial com editoria própria. Questionava o nome de jornalismo policial e sugeria jornalismo da violência. Agora, quase dez anos depois, o jornal A Gazeta incorpora o noticiário policial nas páginas da editoria de Cidades. Potencialmente, o velho noticiário policial pode melhorar. Os repórteres policiais agora reportam-se a um editor com uma visão mais ampla que aquela dos editores de Polícia. Tanto melhor. Numa primeira impressão, a editoria de Cidades encorpou-se e valorizou-se – o que não é um mau sinal.
A Tribuna
, no péA Gazeta passou por várias mudanças recentes; nenhuma delas conseguiu esconder que havia uma preocupação com o concorrente, que pela primeira vez a superava em tiragem e vendas e vem mantendo a dianteira desde então. Até uma versão popular, clone de Extra e Agora São Paulo, foi lançado pelo Grupo Gazeta e permanece circulando ainda sem identidade. A Tribuna, quando fez sua reforma gráfica para adotar a impressão em cores, também empurrou o noticiário político para os fundos do jornal. Aliás, no caso de A Tribuna o pequenino espaço de opinião também incorporou-se à turma do fundão.
Opus Dei mudando jornais
Não foi apenas na ação de empurrar a política para trás que os dois jornais se identificam. Ambos mudaram com o apoio dos consultores da Universidade de Navarra. Para quem não sabe, a Universidade de Navarra é o braço acadêmico do grupo conservador católico Opus Dei, forte na Espanha. No Brasil, tem como representante o jornalista e professor Carlos Alberto Di Franco, que agora também vende sua griffe de crítico de mídia para seus contratados.
Professores e pesquisadores de universidades brasileiras, que estudam e se debruçam sobre a realidade do nosso jornalismo, finalmente apareceram em alguns jornalões comentando o episódio entre o presidente Lula, o New York Times e o repórter Larry Rohter. Na hora de mudar os jornais brasileiros, contratam-se, sem exceções e invariavelmente, universidades estrangeiras. Algumas, norte-americanas, são competentes embora desconheçam a realidade brasileira.
Uma pena que os pesquisadores brasileiros ainda não tiveram uma, umazinha que fosse, oportunidade de mostrar sua capacidade de pensar os jornais e acompanhar reformas editoriais. Quem sabe não sairia mais barato, mais simples e resultaria em veículos mais voltados para os interesses e necessidades reais dos locais que cobrem.
Ainda teremos que esperar um pouco mais para experimentar. Paciência. [Concluído às 12h26 de 19/7/04]