A imprensa tradicional oferece poucas oportunidades para a sua própria análise como nas ocasiões em que ela se ausenta ou se atrasa – como parece ter acontecido na quinta-feira (13/9), para milhares de assinantes paulistas.
Em episódios como esse, quando o leitor tem que lidar com a escolha entre esperar pelos jornais de papel ou começar a leitura pelas versões digitais, pode-se compreender certas características que podem estar na origem dos problemas que a imprensa tradicional tem encontrado para continuar sendo considerada como uma escolha primária entre as muitas alternativas disponíveis hoje em dia nas redes digitais de comunicação.
Em primeiro lugar, quando se vai aos boletins curtos publicados nos meios digitais, a primeira constatação é de que um cidadão comum que costuma estar informado com certa regularidade sobre a maioria dos temas que fazem a pauta diária dos noticiários não precisa dos textos mais longos que saem nos jornais de papel para se dar conta do que se passa.
Essa observação é ainda mais clara no caso da leitura matinal, quando o indivíduo tem menos tempo e as condições para concentração não são as ideais. Embora se saiba que a extensão média dos textos dos jornais foi reduzida já no final da década de 1980, fica claro que ainda é muito material para quem raramente pode interromper seus movimentos rotineiros entre o despertar e o momento de sair de casa.
Crise geral
Fica claro, nessas circunstâncias, que o texto comum dos jornais não cumpre satisfatoriamente sua função – ou seja, a rigor o texto jornalístico repele o leitor nesse primeiro aspecto, o da forma, ao se apresentar como um objeto de observação e leitura que irá demandar um tempo do qual o leitor não dispõe na primeira parte do dia.
Eventualmente, se há um título interessante bem à vista, é possível que o leitor pare alguns instantes o que está fazendo para ver do que se trata, porém a observação constante desses rituais indica que o que mais atrai não é o texto, mas as imagens.
Uma boa e instigante fotografia pode não dizer mais do que mil palavras, como se costuma afirmar, mas com certeza provoca mais curiosidade, porque vivemos sob o domínio da imagem e nossos cérebros processam mais informações e com mais intensidade a partir de estímulos visuais imediatos do que do texto, que necessita ser processado com mais lentidão.
Por outro lado, em outros horários, quando o leitor já está disponível para atividades mais reflexivas, o que deveria incluir a leitura de jornais, percebe-se que o texto jornalístico se tornou o contrário daquilo que se espera de um conteúdo instigante.
Há um claro empobrecimento do texto jornalístico de modo geral, assim como se pode afirmar que o texto literário – pelo menos na literatura brasileira contemporânea – também rasteja no ramerrão do linguajar diário, sem atrativos de estilo, sem metáforas, analogias ou figuras de linguagem que estimulem a imaginação do leitor.
A imprensa caiu na ilusão do cientificismo a partir das grandes reformas ocorridas no final do século passado e adotou um simulacro de rigor cuja consequência mais visível é o temor de parecer impreciso. Essa característica do discurso jornalístico pode até mesmo estar refletindo uma crise geral do pensamento ocidental, mas essa questão não cabe neste espaço.
Fazendo o possível
Seja qual for sua origem, uma das consequências mais notáveis é que a linguagem jornalística, o discurso e a própria intenção subjacente sob as camadas de significados apresentados ao leitor retratam uma crescente incapacidade dos jornalistas de representar a realidade contemporânea. O empobrecimento do discurso é apenas o aspecto mais visível dessa clara dificuldade para fazer a transcrição dos acontecimentos em notícia.
Qual seria a causa? Apenas um longo processo de reflexão, com pesquisas independentes e bem elaboradas poderia oferecer uma resposta satisfatória. No entanto, a observação diária permite algumas anotações: por exemplo, o mito da objetividade é claramente uma causa do empobrecimento do discurso jornalístico.
Também se pode acrescentar a essa conta o fato de que, quando ingressam nas redações, os jornalistas recém-formados são obrigados a abandonar os métodos de análise que eventualmente aprenderam ao longo dos anos escolares e que exigem algum rigor – com pelo menos o conhecimento das diversas fontes de teorias. Pode-se afirmar que a vida profissional contradiz boa parte do que se aprende sobre o que deveria ser o bom jornalismo.
E finalmente, mas ainda longe de esgotar o assunto, não errará quem desconfiar que as redações não são mais um lugar para reflexão. Todo mundo está ali para produzir o mais rápido possível o jornal que for possível. E quando ele atrasa um pouco, o leitor constata que o possível é pouco satisfatório.