Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo aprende lições do marketing

O marketing é mesmo a ciência do século. Desafortunadamente atinge todas as tribos profissionais. Médicos, engenheiros, jornalistas, advogados, professores; nenhuma cadeia de profissionais resistiu aos apelos do marketing. Cursos de capacitação para lidar com problemas ambientais que ensinam os gerentes de marketing a dizer que todos os problemas serão resolvidos, que a empresa está empenhada em sanar todo e qualquer impacto – até derivações estratosféricas como a armada pela reportagem do Fantástico a respeito da moça que arquitetou com o namorado e o ex-futuro cunhado o assassinato dos pais.

Vale tudo por dinheiro, como diz o SBT. Vale tudo por qualquer causa e só são denunciadas atitudes como a do advogado de Suzane [o Fantástico gravou secretamente as instruções dele à cliente]. Quem se importa se a herança vai ficar com Suzane ou com o irmão dela? A mídia já decidiu, e talvez esteja correta, que a moça merece ser condenada e o irmão é quem tem direito à herança, portanto fica fácil denunciar esse tipo de farsa.

O mercado tem pressa

Mas… e quanto aos cursos de capacitação que ensinam a mentir deslavadamente? E sobre a própria mídia, que detém essa arte para conduzir a opinião pública numa única direção? Os requintes de perversidade do marketing deram agora uma volta completa: a mídia tem o poder de escolher, de acordo com seus interesses ou desinteresses, o que desarmar e a quem atacar em nome da ética e dos bons costumes.

Enquanto isso, a cada acidente ambiental, dessa ou daquela empresa, os telespectadores ouvem que tudo será resolvido, que a empresa está ciente e tomará todas as atitudes cabíveis. Todos já sabemos o que vamos ouvir das fontes oficiais e empresariais. É muito cinismo.

Na semana passada todos os jornais publicaram que a Confederação Nacional da Indústria está pressionando o governo para agilizar as licenças ambientais em nome do desenvolvimento, dos investimentos e do crescimento de empregos. Curiosamente, nenhum biólogo, antropólogo ou historiador independente foi ouvido sobre o que isso significa do ponto de vista prático. O mercado tem pressa, o mercado médico e dos laboratórios também tem pressa e em nome da pressa libera testes com cobaias humanas, que acabam mortas, como aconteceu há duas semanas na Inglaterra. Sob o ponto de vista da economia vigente, a urgência continua longe de atender às lentas e onerosas necessidades humanas e sempre com um discurso único: ‘Tudo faremos para apurar e esclarecer, os responsáveis serão punidos, a OAB vai tomar providências’.

Mãe execrada

Essas declarações que a mídia nos faz engolir também poderiam ser desmascaradas, se ela tivesse o mesmo fôlego que teve ao delatar um caso pessoal de violação de privacidade, em meio a tanta lama que escorre edições abaixo e com proporções sociais muito maiores do que o caso da infeliz família Richthofen.

Em tempo: mais um bebê abandonado, desta vez às vésperas da Páscoa, numa estação do metrô de São Paulo. Os meios de comunicação continuam na mesma, dando a notícia, mas sempre sem questionar o funcionamento da saúde pública e seus hospitalões imundos que não mantêm qualquer tipo de infra-estrutura humana, absolutamente desvinculados da história pessoal de cada paciente, totalmente alheios às necessidades de políticas públicas e privadas de inclusão social.

Como dar alta, sem qualquer encaminhamento digno, a uma mulher miserável que não tem como alimentar e cuidar dignamente de seu bebê? Isso certamente não é problema do hospital, nem da mídia, que já julgou a mãe, execrando-a.

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Jornalista