Ao deparar com desigualdades, o jornalista desconfia dos falsos discursos. O conteúdo do noticiário já está em desacordo com a sua realidade. Ao caminhar, observa outro cenário, povoado por personagens perdidos, tentando ganhar a vida. O convívio perpetua a busca por outro universo, construído por pessoas que acordam cedo para trabalhar, estudar e vivenciar suas dificuldades, prazeres e direitos.
A proposta do jornalista é reforçada pela fala pública, em especial ao denunciar o jogo de interesses dos mentirosos, que valorizam o privativo em detrimento do coletivo. Deste cenário surgem também os homens mascarados de comunicadores, que preferem desviar a atenção para assuntos destinados à superficialidade do mundinho dos poderosos.
Em momento de eleição, os candidatos são atenciosos, conduzidos pelo diálogo. Beijam e carregam flores, como beneficiários de um futuro bem-estar. O mesmo acontece com as celebridades, ou seja, sorriem quando estão em alta (em cena, no linguajar televisivo) e viram monstros quando algo acontece de errado. Enquanto a preocupação é a vida privada de alguns, principalmente quando o protagonista é uma personalidade, várias barbaridades acontecem no cotidiano da população. São notícias que, em vez de serem publicadas nas páginas sobre política e economia, ficam comprimidas em notas no espaço destinado às páginas policiais (para não dizer sobre violência).
Não suportam o ‘politicamente correto’
Os jornais estão repetitivos, confusos e padronizados, sem criatividade e diversidade diante do conteúdo e da forma. No impresso, no rádio, na televisão, na internet, no celular, no metrô, as notícias se confundem, por causa da semelhança (e desdobramentos) da pauta estagnada. As matérias são semelhantes, dominadas, na sua essência, pelas agências de comunicação, que transmitem o mesmo assunto por palavras diferenciadas. Em instantes, o texto é reproduzido automaticamente pelos plagiadores, que repetem as informações, sem nem mesmo citar as fontes.
Revolucionários, marginais, alternativos, rebeldes e alertas no sentido de transformar o pronto pelo inusitado. Buscam a surpresa no cotidiano. Redesenham a natureza. Preferem o harmonioso ao questionar o imperfeito, de forma que as linhas editoriais assegurem o direito e a tolerância, com as diferenças sendo aceitas, sem preconceitos de origem política, financeira, sexual ou étnica. A mudança pelo comportamento, pelo aceite de si e da liberdade alheia.
O eterno sentido para revelar o desconhecido. Já não aceitam apenas o fato presente. Querem descobrir como é possível fazer arte. Já não precisam de injustiças e fuxicos porque a passagem pela injustiça já os angustia. A matéria está ali. É permitido transformar a realidade por meio de notícias (que serão essenciais para quem necessita delas). Não suportam o politicamente correto. Não estão atrás somente de boas histórias, mas de vidas.
(Re)escrevendo a trajetória da humanidade
Novidades já inexistiam no jornal. Encontravam o mesmo conteúdo cheio de sensacionalismo. Quase desligaram os aparelhos e rasgaram as páginas impressas. Repensaram. Continuariam atentos ao desejo de silenciarem os que só pensam em dinheiro. Persistiram na crença de encontrarem o inusitado.
Mas como? Os sujeitos pareceriam tão semelhantes. Culpar o consumo e os políticos eram clichês que ninguém suportava. Pensaram no surpreendente e observaram diferentes maneiras de ver o mundo. Sorriram com a possibilidade de olhar as faces coletivas, de conversarem, de sentarem na rua ou apenas deram chance ao acaso ou à cidadania.
O destino os modificou. Já não tinham medo de encontrar ricos e mendigos. Queriam saber, conhecer, presenciar outros lugares, como se o universo começasse naquele instante. A cada detalhe percebiam o jornalismo. As notícias preenchiam os seus dias. Os títulos falavam sobre amor, desespero, dor, magia, comida…
A reportagem tornava-se uma obsessão. Estavam (re)escrevendo a trajetória da humanidade. Ficaram preocupados porque o tempo se esgotava. Envelheciam a cada matéria. Impunham estilos e assim resistiam aos que copiavam textos e ideias.
As notícias do jornal de amanhã
Estar à frente do seu tempo, com a proposta de modificar as estruturas dominantes. Reportavam. Sabiam que não estavam sozinhos. Olhavam e queriam descobrir se seria possível reescrever a dignidade. Tinham consciência de que o princípio estava errado. A cidade estava suja, desamparada e insegura. Ainda faltava comida, emprego e casa própria. Os preços continuam subindo. A burocracia atrapalhava a alfabetização e o sistema de saúde.
O combate viria com a criatividade, com a possibilidade de dizer que o país estava inquieto. O jornal seria a saída para a liberdade. Inovaram ao preencher os espaços com dizeres que poderiam educar sem constranger ou machucar. Debatiam sobre a igualdade. Sabiam ler e escrever. Suas roupas eram quentes, tinham dinheiro, carro, família e diversão, mas não aceitavam a indiferença. Relataram sentimentos e atitudes para compartilhar o direito à felicidade.
A inversão dos valores e das tendências, sem querer seguir o senso comum. O jornalista em busca de uma outra condição para a notícia, com endereços e gente boa. À procura de anônimos, trafega por lugares inusitados, escondidos, onde a mídia não deseja estar.
‘Caminha pelas ruas de São Paulo quando avista uma senhora em sua casa debaixo de uma antiga árvore. O local está limpo, com as roupas, latas e demais apetrechos organizados. Vai até à sua casa, que está próxima. Prepara uma boa refeição e pega um travesseiro. Retorna ao local. A mulher está dormindo. ‘Senhora, senhora’, logo diz. Deixa a comida e a mulher, já acordada, sorri. Entrega o travesseiro, que ela abraça e beija. Em partida, ouve um grito: ‘Obrigada, moço’.’
Indignado, o repórter procura por palavras. Precisa compartilhar a dor que está escondida, por ser incapaz de solucionar o destino de uma vida. Já um pouco distante, continua a refletir sobre a verdade. Começa a observar os semblantes e as situações que serão notícias no jornal de amanhã.
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Professor de Jornalismo na ECA-USP