Uma menina de cinco anos é encontrada morta no jardim de um edifício localizado em bairro de classe média de uma grande cidade. A criança foi jogada da janela do apartamento do pai, no sexto andar do prédio, após ser asfixiada até perder a consciência. Ele e a madrasta são os principais suspeitos.
Essa poderia ser a trama de um episódio de seriado policial, mas é o resumo do caso que domina as manchetes e chamadas dos veículos de comunicação desde o dia 30 de março. Ao observar a cobertura jornalística do fato, porém, a sensação é de acompanhar uma novela em que cada nova informação sobre o crime constitui mais um capítulo – e o público aguarda ansiosamente pelo final da história. ‘Quem matou Isabella’ é o assunto que ferve no momento e todos têm um palpite.
A mídia desencadeou um movimento catártico que chegou ao extremo de levar grupos de manifestantes – alguns, inflamados por indignada paixão, e outros buscando seus quinze minutos de fama – a seguir o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá com faixas, camisetas e gritos de protesto. A situação, de tão absurdamente despropositada, encontra-se no limite entre o cômico e o trágico.
Conceitos pisoteados
Dezenas de casos de abusos e violência contra crianças ocorreram antes e mesmo depois do assassinato da menina, mas a população não reage a esses crimes com o mesmo interesse. A conclusão a que se pode chegar é que a história de Isabella abalou as pessoas com tanta intensidade porque foi transformada pelo jornalismo em um Big Brother medíocre. O que era para ser informação mais parece ficção e os limites entre o que é de interesse público e o que não passa de entretenimento barato, alimentado pelo desenrolar da tragédia alheia, já não importam mais.
Os princípios básicos para o exercício da profissão, que qualquer estudante aprende nas salas de aula das faculdades do país, foram esquecidos em um armário pequeno e empoeirado, numa sala discreta chamada ética, raramente visitada nas redações dos veículos de comunicação. O interesse público – a essência daquilo que os manuais de jornalismo chamam ‘notícia’ – e a relevância social do conteúdo divulgado são conceitos pisoteados diariamente por uma imprensa que enche os pulmões de ar para anunciar o grotesco.
O show deve continuar
Casos como os da ‘menina Isabella’, ‘João Hélio’ e ‘Suzane von Richthofen’ nada acrescentam ao público, mas provocam nas massas uma sede ignorante e doentia pelo sensacional. A tragédia vende bem, bem de mais, o bastante para neutralizar qualquer análise crítica do discurso em construção e empurrar dezenas de repórteres a chafurdar no sangue alheio. Além disso, crimes como esses são perfeitos para distrair a atenção do povo enquanto Brasília patina em escândalos políticos – o mais recente deles, o dos cartões corporativos.
Isabella é só mais uma anônima transformada em mártir pela mídia. Por uma fatalidade, tornou-se a personagem central de uma novela trágica desenvolvida pelo balbuciar imbecil de um jornalismo de espetáculo. Quando nada mais houver para sugar e o público perder o interesse, como um parasita satisfeito e inchado após a refeição, haverá a calmaria, mas não por muito tempo. O circo vai encontrar uma nova atração. Afinal, o show deve continuar.
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Estudante de Jornalismo, Florianópolis, SC