A proposta de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, patrocinada pelo governo Lula e pela Federação Nacional dos Jornalistas, fez renascer uma discussão já antiga nos meios de comunicação: a questão ética. O consenso – desgraçadamente formal – de que princípios éticos devem pautar objetivos e meios da prática comunicacional volta à cena como objeto a exigir explicitação e atribuição de sentido.
Mesmo, como é o caso atual, que se trate de artifício destinado mais a ocultar do que exibir raízes e conseqüências da comunicação social, a alegação de que os jornalistas mais do que nunca precisam ser éticos – pretexto em que se ancora a proposta da criação do CFJ – enseja a retomada de uma discussão de permanência indiscutida: o que é ser ético?
Em primeiro lugar, é preciso evitar o fácil caminho da indeterminação e da especulação. Da generalização, da frase grandiloqüente e da metafísica vazia. É preciso perguntar se a possibilidade de uma produção midiática centrada em objetivos mercadológicos será compatível com uma ética centrada em objetivos de bem-estar e esclarecimento públicos.
Os objetivos do mercado são invariavelmente contrários à lógica humanística, sua lógica é o lucro a qualquer preço. Os jornais são empresas que, invariavelmente, seguem a lógica do mercado. Assim como hospitais particulares que se recusam a atender quem não pode pagar, mesmo que isso possa significar a morte de uma pessoa, a grande mídia não teme mentir; não importa o preço desta mentira, sua única intenção é o lucro. O compromisso com a verdade termina onde se inicia o compromisso com o lucro: as portas da redação.
Vale lembrar que os jornais já não garantem seus lucros apenas pela vendagem em banca e pelas assinaturas, já que a parte substancial de seu lucro é garantida pela publicidade empresarial e estatal. Assim, seu compromisso não é com o leitor, e sim com os anunciantes. Para aumentar seu público e garantir maior retorno aos anunciantes, estas empresas não hesitam em oferecer um jornal mais palatável e vazio. As matérias não são pautadas pela importância social, mas pelos preceitos funcionalistas que norteiam a produção jornalística. Matérias que apenas expõem a violência, o descaso diário com a vida, o desrespeito diário ao povo preenchem jornais que se apresentam como imparciais, quando na verdade, em essência, concordam com tais absurdos e permitem sua reprodução, sempre em busca do lucro fácil e da garantia da rentabilidade.
Não cobramos aqui, ingenuamente, que as empresas jornalísticas assumam a postura de paladinos da verdade e de fiéis lutadores por um mundo mais justo, já que o jornalismo ético é incompatível com a intenção do capital privado de obter lucro. O lucro é resultado deste mesmo sistema capitalista e os donos de empresas não ousam atacar a mão que os alimenta.
Devoção
Portanto, não estamos aqui cobrando ética dos donos de jornais, queremos ética para os jornalistas, e não a ética contra os jornalistas. E a única forma de se realizar esta ética é em meios de comunicação que não visem lucro. É dever do sindicato lutar para que o jornalista possa ter um espaço para se colocar de forma ética, seja denunciando os grandes jornais que obrigam os jornalistas a se submeterem a seus interesses escusos, seja lutando por meios para que o jornalista possa trabalhar de forma ética.
Fenaj e sindicatos estão em uma luta contra os jornalistas, e não por eles. O que queremos é um jornal, do sindicato ou não, para que os jornalistas possam denunciar a todos as situações a que são submetidos. Um espaço aberto à ética, e não ao lucro, espaço aberto para denunciar a exploração diária a que são submetidos, dizer aquilo que os grandes jornais não dizem, e acima de tudo dizer por que eles o fazem.
Mas, em vez de se unir aos trabalhadores, Fenaj e sindicatos se voltam contra quem deveriam defender, para atender às vontades do governo e dos patrões. Fortemente presos ao PT e ao governo, estes órgãos pelegos cumprem o papel de marionetes e redigem uma proposta que livra a cara dos patrões e denunciam as vítimas como culpadas. Dizer que a culpa do que é produzido pela grande mídia é de responsabilidade dos jornalistas é de uma falta de escrúpulos sem tamanho. Não contentes em redigir uma proposta que na melhor das hipóteses é criminosa, Fenaj e sindicatos divulgam textos e chamam debates com a intenção de atacar os jornalistas sem diferenciá-los, uma vez que, segundo eles, todos estão sujeitos a serem ‘maus jornalistas’, ou seja, todos são culpados até que se prove o contrário.
É claro e evidente que existem maus jornalistas, mais realistas do que o rei, que têm maior devoção aos patrões do que a si mesmos. Da Fenaj mesmo poderíamos retirar inúmeros exemplos, sem contar as redações e assessorias de imprensa. Mas não podemos tirar esta prova empírica como única possibilidade.
Crimes
Um sindicato alinhado aos interesses dos trabalhadores poderia ajudar a produzir um jornalismo ético, o que é feito por muitos sindicatos. A luta por concessão de canal público deveria ser uma das prioridades na luta sindical, mas sabemos por que não é. Um canal para os sindicatos também deveria estar entre as reivindicações de todos os sindicatos, em especial o de jornalistas, que sabem da importância da comunicação.
Provavelmente alguns sindicatos vão se erguer orgulhosos e apresentar entre suas reivindicações as propostas acima. Para poupar-lhes tempo e euforia, adiantamos que a luta por estes objetivos não foi feita por estes sindicatos, e é isso que importa. No máximo, o que vemos é uma mobilização débil em defesa das empresas de comunicação chamada de ‘Campanha contra a baixaria’. Baixaria é uma campanha que prima pela preservação de uma mídia perversa ao apontar em sua decadência suas principais falhas, nivelando pelo que existe de pior a pratica da comunicação.
A ética só pode ser realizada em veiculo que a permita e aceite, não em empresas que têm como princípio sua negação.
Os jornalistas deveriam ter um espaço para realizar um jornalismo ético, e não um conselho para culpá-los pelos crimes cometidos pelos donos das empresas de comunicação. A proposta de criação do CFJ só mostra que a Fenaj e alguns sindicatos estão mais interessados em agradar patrões e governo do que em defender os jornalistas.
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Repórter do jornal O Tempo de Belo Horizonte, integrante do Comitê Mineiro Contra o Conselho Federal de Jornalismo (contracfj@yahoo.com.br)