Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo virou futebol

É triste confessar que ficamos decepcionados ao ler comentários de leitores que gostariam de transformar o jornalismo numa profissão tão enfadonha como tantas outras existentes, algumas provavelmente até exercidas por estes. Aqui na Zona Norte de São Paulo tem um jornal semanário, que impressiona muito pelos títulos sem qualquer técnica ou fora dos padrões do jornalismo. Estou com uma edição deste ano, com o seguinte título no alto da página: ‘Café da Manhã com Negócios da Distrital Vila Maria da ACSP comprova mais uma vez o excelente trabalho de José Bueno de Souza’ (em duas linhas e com maiúsculas como ora descrevemos). Outro: ‘Posse de João de Favari e sua equipe na Superintendência da ACSP – Distrital de Santana foi uma noite especial’ (em 3 linhas). Evidentemente, este jornal é distribuído graciosamente, como todos os jornais de bairro aqui de São Paulo. Conheço as pessoas que fazem este jornal e sei das precárias condições profissionais em que o mesmo é fechado toda quinta feira.

Esta publicação, no entanto, é totalmente descompromissada com o seu público-leitor, a não ser apresentar notícias regionais – o que também não é compromisso com leitor, mas com os anunciantes e a casta da sociedade local. Por esta razão, mesmo, sabemos que, se fosse colocado à venda nas bancas, não venderia o suficiente para pagar seus custos.

O contrário acontece com os jornais diários, as revistas e publicações em geral que estão nas bancas para serem vendidas; se não vender, encalha, dá prejuízo e ameaça a própria existência do veículo e da empresa editora. O jornalismo profissional tem um compromisso com o leitor e com todo um conjunto de mandamentos que dizem muito mais respeito à técnica do que a qualquer outra coisa. E a própria ética, que vem ganhando prioridade neste conjunto de mandamentos, acaba também subordinada à técnica, pois se de um lado estamos sujeitos à transparência e a valores universalmente aceitos no desenvolvimento do nosso trabalho, de outro não podemos escapar aos preceitos do profissionalismo.

E estamos conversados

Não faz muito tempo, Jô Soares, no seu programa da Globo, fez referencia a uma antiga manchete do jornal Última Hora, onde Jô trabalhava, que teria sido criada pelo Remo Pangella, para a seguinte ocorrência: a mulher cortou o pênis do marido, por ter este estuprado a filha. Depois de muita discussão entre os editores e o secretário de redação, chegou-se ao seguinte título: ‘Cortou o mal pela raiz’.

Ora, será que para aqueles leigos a manchete do Remo não estaria completa e prefeririam os títulos sem técnica jornalística do semanário aqui da zona norte? É possível. Afinal, somos 190 milhões a escalar a seleção brasileira na Copa e fora dela. Agora, queremos também ‘escalar’ o que deve e o que não deve ser publicado e como deve. Será que o jornalismo está virando futebol?

Nos tempos do Chateaubriand era muito mais simples. Era só sair o que o velho capitão não queria e ele chamava o solerte: ‘Olha aqui, seu Wainer (ou Morel ou outro nome histórico), quando o senhor quiser escrever alguma coisa sua no jornal, o senhor monte um. Aqui no meu jornal, só escreve o que o dono quer!’ E estamos conversados.

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Jornalista, São Paulo