Polêmico na defesa de suas idéias, Deocleciano Bentes de Souza, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, define o mercado jornalístico do estado como ‘uma herança maldita’, que vem desde a época do jornal Estrela do Amazonas, um dos primeiros impressos de Manaus. Na sua opinião, o jornalismo praticado no Amazonas sempre foi chapa-branca, e as empresas de comunicação sempre estiveram a serviço dos governos. Segundo ele, algumas ainda tentam disfarçar essa vergonha com o chamado jornalismo comunitário.
A carreira deste jornalista não começou nas redações. O início desta jornada foi numa agência de publicidade chamada Quarteto Propaganda, onde trabalhou como diretor de arte. Depois de alguns anos foi chamado para trabalhar na Saga Publicidade, não demorando muito a receber um convite para implantar um sistema de impressão off-set no Jornal do Commercio, sendo, portanto pioneiro no mercado local nesse tipo de impressão. Foi nesta atividade que Deocleciano, ou Deco, como é chamado pelos amigos, começou a atuar no jornalismo. Após descobrir que realmente tinha encontrado sua profissão, prestou exame no vestibular da Universidade do Amazonas (hoje Ufam), onde iniciou seus estudos como aluno do curso de Jornalismo.
Hoje, depois de 35 anos de jornalismo, ele fala da sua experiência à frente do sindicato, que presidiu por seis anos, analisa o mercado de trabalho, o ensino de Jornalismo nas faculdades particulares e na federal e o futuro desta profissão tão fascinante.
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Como o senhor encontrou o sindicato dos jornalistas quando assumiu a presidência 6 anos atrás?
Deocleciano Bentes de Souza – Quando assumi em 2000 encontrei o sindicato numa situação falimentar, a estrutura do imóvel era péssima e quando chovia molhava mais dentro do que fora. Os móveis que existiam eram velhos e estavam em péssimo estado de conservação. Como estávamos no inverno e chovia muito, não demorou para acabar tudo que estava dentro da nossa sede. O sindicato não tinha sequer uma máquina de escrever, e já estávamos em plena era da informática. Outra situação crítica que encontrei foi a dívida com a Federação Nacional dos Jornalistas no valor de R$ 4 mil, que estava há quatro anos sem ser paga, impossibilitando com isso, a emissão de carteiras de jornalistas para os profissionais.
Quanto tempo demorou melhorar?
D. B. S. – Passamos aproximadamente dois anos para arrumar a casa. Firmamos um convênio com a Assembléia Legislativa do estado, que à época estava substituindo os seus computadores, e com isso equipamos o sindicato com quatro aparelhos que nos foram doados. Fizemos parceria com a Secretaria de Assistência Social e Trabalho, onde fomos buscar recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), para a realização de vários cursos de qualificação profissional, como fotografia, planejamento visual gráfico, edição, legislação e ética e assessoria de imprensa. Logo em seguida, veio outro professor e um repórter fotográfico da National Geographic, para ministrar um curso sobre jornalismo e meio ambiente.
Os jornalistas reclamam do piso salarial da categoria. Como o senhor administrou esta questão com a categoria?
D. B. S. – Quando assumimos o sindicato não havia nenhuma assinatura de convenção coletiva com os patrões, por isso não havia piso salarial para a categoria. Após analisar esta situação, fomos para uma primeira rodada de negociações com a classe patronal, que sempre foi muito intransigente, e entramos com um dissídio coletivo. Com isso conseguimos uma decisão da Justiça do Trabalho, um piso de R$ 800, que àquela altura significou um aumento de 65%. Foi uma conquista no início do meu mandato que acabou trazendo a categoria para o sindicato.
Qual era o número de sócios quando o senhor assumiu e quantos jornalistas sindicalizados o senhor deixou registrados?
D. B. S. – Quando assumi não tínhamos 200 associados, e esses sócios, na maioria, eram todos inadimplentes. Depois de 6 anos como presidente, passei ao meu sucessor um sindicato que tem em seus registros cerca de 800 jornalistas afiliados. Foi um belo trabalho trazer a categoria para o sindicato. A reforma do prédio por fora também ajudou muito nesta conquista.
Por que até hoje o piso salarial aqui não ultrapassou os R$ 800, enquanto em alguns estados ele é maior?
D. B. S. – Nós não tivemos mais condições de aumentar o piso devido ao surgimento de novos jornais. Houve uma mudança muito grande nas redações, e com isso surgiu a figura dos estagiários, puxando os salários para baixo. Hoje, quando entramos numa redação, a quantidade de estudantes é grande. Os empresários foram os únicos que saíram ganhando com isso, a qualquer hora eles encontram mão-de-obra. Em 2002 iniciamos um trabalho para tentar tirar das redações as pessoas não-qualificadas, e então surgiu a liminar da juíza Carla Rister, da 2ª Vara Cível Federal de São Paulo, que liberou o mercado de trabalho para todo mundo, fazendo com que a profissão de jornalista estivesse ao alcance de todos. À época era possível encontrar pessoas trabalhando praticamente de graça.
O que mais foi feito em sua administração?
D. B. S. – Trabalhamos e conseguimos trazer para Manaus o 10º Congresso Nacional de Jornalistas, com delegações do Brasil inteiro. Foi neste congresso que surgiu e foi aprovada a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que infelizmente foi mal interpretada no Congresso Nacional, e o projeto praticamente voltou à estaca zero, para ser discutido no meio da categoria.
Como presidente do sindicato, o senhor conseguiu colocar em prática todos os seus projetos, todas as suas promessas de campanha para melhorar a vida dos profissionais de jornalismo?
D. B. S. – Na realidade eu não tive a oportunidade de realizar o meu maior projeto, justamente por causa do desserviço que a juíza federal proporcionou a nossa classe. O meu principal objetivo era beneficiar a categoria com o saneamento do mercado, ou seja, tirar de dentro das empresas aquelas pessoas não-qualificadas. Em Manaus nós não temos empresas de jornal, rádio e televisão, o que temos aqui são extrativistas, que pensam que os jornalistas são seringueiros, para explorar o seu sangue. Eles confundem os jornalistas com objetos descartáveis, que quando não prestam mais podem jogar fora a qualquer hora. Por causa da decisão da juíza, eu praticamente fiquei no sindicato só administrando coisas de rotina, coisas do dia-a-dia.
Como o senhor analisa o ensino de Jornalismo hoje nas faculdades federais e particulares? O que falta melhorar nestes cursos?
D. B. S. – Eu fui professor do curso de Jornalismo na Ufam por muitos anos e cheguei também a conhecer alguns cursos em faculdades americanas. Lá as próprias empresas de comunicação financiam os cursos de Jornalismo. São elas que têm interesse em ter nas redações mão-de-obra qualificada, por isso fazem tudo para que o ensino de Jornalismo seja o melhor possível. Ainda como aluno, o futuro jornalista passa pelas três mídias, rádio, televisão e jornal, exercitando e praticando tudo aquilo com que vai se deparar quando efetivamente chegar ao mercado de trabalho. Aqui no Brasil isso só acontece com a Faculdade Cásper Líbero e a Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) em São Paulo. Na Cásper Líbero os alunos, depois de alguns períodos, têm a sua disposição a TV Gazeta, a Rádio Gazeta, o jornal Gazeta e a Gazeta Esportiva, que é um jornal diário. Os alunos depois de formados chegam ao mercado de trabalho prontos para disputar com todas as condições favoráveis possíveis. Isso acontece também na Faap – foi lá que estudei depois que transferi meu curso para São Paulo. Para mim foi bom, porque enquanto estudava eu também trabalhava nos grandes jornais, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário da Tarde e Diário da Noite, entre outros. Nas faculdades particulares o problema é bem maior. Os alunos só têm a parte teórica e quando chegam ao mercado de trabalho, são um total fracasso, não tem a mínima condição de permanecerem nas redações.
O jornalista Ricardo Noblat tem uma frase num dos seus livros que é muito polemica: ‘Não acreditem nas notícias que estão publicadas em nossos jornais, porque ali só tem mentira’. O que o senhor acha desta afirmação?
D. B. S. – O Ricardo Noblat tem razão. Hoje os textos são tão mal-escritos que uma notícia começa no primeiro parágrafo dizendo que fulano roubou R$ 10 mil, no parágrafo seguinte ele só roubou 7 mil e nos outros a confusão é generalizada, acaba que a gente não entende nada no final. Hoje, para saber das notícias, basta comprar um jornal, porque as matérias publicadas nos outros são iguais às do que você adquiriu. Não existe diferença de um jornal pro outro, não há inovação.
E o futuro do jornalismo local, como o senhor vislumbra esta área sempre tão conturbada?
D. B. S. – O jornalista no Amazonas está virando ‘carrapato de dinossauro’, porque não tem nenhuma inovação, não temos nenhuma esperança quanto a isso. Analise esta situação comigo: você passa quatro anos estudando, investindo em conhecimento, comprando livros até se formar. Depois você é mandado fazer uma pauta sobre a chegada do Papai Noel e do Coelhinho da Páscoa, isso é brincadeira. Para fazer isso não é preciso cursar uma faculdade de Jornalismo, basta fazer aquele curso técnico que uma empresa de comunicação local oferece e pronto. Falta visão crítica a quem está chegando ao mercado de trabalho, porque os que estão há mais tempo nele já se acostumaram com a situação, já estão viciados com o sistema. Todos os jornalistas são pedantes e boçais, não aceitam discutir em hipótese alguma qualquer situação, sempre acham que sabem mais que os outros. Quando acabam de fazer uma matéria entregam o texto aos editores e vão embora sem trocar idéia com os colegas sobre qualquer dúvida que por acaso tiveram. No dia seguinte, lá está um texto cheio de incorreções e besteiras que não têm sentido.
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Estudante de Jornalismo do Centro Universitário Nilton Lins, Manaus (AM)