Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Justiça Eleitoral vê entrevista como campanha política


Leia abaixo a seleção de quinta-feira para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Quinta-feira, 12 de junho de 2008


 


CAMPANHA
Frederico Vasconcelos


Promotoria eleitoral move ação contra Folha


‘A promotoria de Justiça Eleitoral ofereceu representação ao juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo contra a Empresa Folha da Manhã S/A, que edita a Folha, por considerar propaganda eleitoral antecipada a entrevista concedida por Marta Suplicy, pré-candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, aos jornalistas Renata Lo Prete (editora do Painel) e Fernando de Barros e Silva (editor de Brasil), publicada na edição do último dia 4.


Os representantes do Ministério Público entendem que a entrevista jornalística infringiu os artigos 36º da Lei 9.504/97 e 3º da Resolução 22.718 do Tribunal Superior Eleitoral. Esses dispositivos estabelecem que a propaganda eleitoral só é permitida após 5 de julho, e fixam multa, em casos de infração, de R$ 21,3 mil a R$ 53,2 mil.


‘A entrevista publicada não é propaganda, é material jornalístico’, afirma a Folha, em defesa que será protocolada hoje. O jornal sustenta que ‘não tem e nunca teve vínculo com partidos políticos ou candidatos’, e considera a acusação ‘despida de fundamento e lógica’.


O artigo citado na acusação é específico para rádios e TV, não se aplica aos jornais. Não existe regra proibindo jornais de publicar entrevista ou reportagem com quem pretende disputar as eleições.


O jornal argumenta que ‘não há impedimento legal para a publicação de entrevistas com eventuais candidatos a prefeito de São Paulo ou de qualquer cidade do país’. O advogado Luís Francisco Carvalho Filho, que representa o jornal, afirma que a Folha ‘exerceu um direito e um dever: informar’. ‘Qualquer tentativa de embaraçar o livre exercício da atividade jornalística, como no caso concreto, é censura, e censura é inaceitável’, diz Carvalho Filho.


A Constituição assegura, diz a defesa, que ‘nenhuma lei poderá criar dispositivo capaz de criar embaraço à plena liberdade de informação jornalística’. ‘É interesse do leitor saber e é dever do jornal divulgar o pensamento das diversas forças políticas que disputarão o governo da maior cidade do país.’


O advogado Eduardo Muylaert diz que a acusação levanta hipótese que ele rejeitou, várias vezes, ao votar quando atuou como juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo: ‘Em matéria de imprensa, prevalece o princípio constitucional da liberdade. Não se poderia impedir o jornal de criticar ou divulgar opiniões favoráveis a candidatos sem grave atentado à democracia’.


Muylaert diz que a Folha poderia, se quisesse, até apoiar qualquer candidato.


O advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, diz que ‘a promotoria é capaz, mas, nesse caso, se equivoca’. Segundo Rollo, ‘todo jornal tem o direito de manifestar sua opinião -ao contrário do rádio e da televisão’.


Rollo diz que ‘o jornal tem o direito de escolher, por motivos jornalísticos, os entrevistados entre aqueles mais bem situados nas pesquisas’.


O presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Sérgio Murillo de Andrade, diz que o rigor da Justiça Eleitoral ‘acaba resvalando no direito constitucional da liberdade de imprensa’. ‘É censura, sim, e isso prejudica o cidadão, que ficaria sem conhecer os candidatos se houvesse apenas a propaganda eleitoral que, como o próprio nome diz, não é jornalismo’, afirma Andrade.


Procurado, o promotor Eduardo Rheingantz, um dos autores da ação, afirmou: ‘Entendemos que a entrevista foi uma infração à norma que proíbe a propaganda eleitoral antecipada’.’


 


 


LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
Kenneth Maxwell


A arma carregada


‘ENTRE OS documentos secretos obtidos pelo jornal ‘Valor’ nos termos da Lei de Liberdade de Informações dos EUA, além do telegrama sobre Dilma Rousseff, que discuti na semana passada, há outra mensagem digna de nota: um telex da secretária de Estado Condoleezza Rice à Embaixada dos EUA em Brasília, fornecendo um relato detalhado de seu encontro com José Dirceu em 3 de março de 2005. A intenção era de que todo o texto fosse censurado. No entanto, ele foi liberado na íntegra, inadvertidamente, e está disponível como documento E 144 em www.valoronline.com.br/PDF/20050307Washington.pdf.


Em uma discussão privada, sem a presença de assessores, Dirceu e Rice trataram da Venezuela. ‘Em resposta ao comentário da secretária de que o Brasil precisa enviar uma mensagem franca ao presidente venezuelano Chávez, Dirceu afirmou que Lula já havia aconselhado Chávez a ser mais cauteloso em sua retórica (dizendo a Chávez que ele estava ‘brincando com uma arma carregada’) e que deveria se concentrar em prioridades econômicas e sociais. Ele acrescentou que o Brasil não acreditava que Chávez estivesse apoiando as Farc’.


Bem, nesta semana, Chávez, tardiamente, decidiu acatar o conselho de Lula. Isso aconteceu provavelmente como resultado da discreta ameaça da Colômbia quanto à liberação dos detalhes completos de outro conjunto de documentos secretos: aqueles que foram encontrados em laptops das Farc depois que a Colômbia atacou e matou Raúl Reyes, um dos comandantes da organização, em uma incursão aérea e de comandos ao território equatoriano, em abril. Não parece haver dúvida de que as informações obtidas pelos colombianos nesses laptops sobre o apoio financeiro e militar da Venezuela às Farc são corretas, a despeito das continuadas negativas venezuelanas.


Mas uma coisa fica clara: nesta semana, Chávez recuou dramaticamente de seu papel como partidário político proeminente da idéia de que as Farc deveriam ser reconhecidas como força legítima. Em resposta à queda de diversos comandantes das Farc e à morte de seu veterano líder Maruel Marulanda, bem como à captura, por tropas colombianas e em território da Colômbia, de um oficial da guarda nacional venezuelana que carregava 40 mil cartuchos de fuzis de assalto AK-47 destinados às Farc, Chávez diz agora que as Farc deveriam abandonar a guerrilha.


A posição menos beligerante de Chávez oferece o potencial de um resultado diplomático muito positivo: a libertação dos reféns que sofrem há tanto tempo nas mãos das Farc, entre os quais Ingrid Betancourt. É uma esperança.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.


Tradução de PAULO MIGLIACCI’


 


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Neo-realismo americano


‘George W. Bush, na última visita oficial à Europa, lamenta no ‘Times’ de Londres deixar para o mundo a imagem, ‘você sabe, não de um homem de paz’.


Já a secretária de Estado, Condoleezza Rice, escreve na ‘Foreign Affairs’ um longo ensaio, que o site adiantou ontem, sobre as ‘lições dos últimos oito anos’ de diplomacia dos EUA, ‘Realismo americano para um novo mundo’. Abre dizendo que a relação com ‘as grandes potências’, referindo-se a Rússia e China, e com ‘as potências emergentes’ Índia e Brasil foi a diretriz que ‘nos guiou consistentemente’. Que os EUA formaram ‘relações maiores e profundas’ com a Índia e a Brasil. Que ‘o sucesso do Brasil ao usar a democracia e o mercado para enfrentar séculos de desigualdade social tem ressonância global’. E por aí vai, sobre as ‘grandes democracias multi-étnicas’. Ecoou no ‘Times of India’ e outros por lá, já ontem.


‘GIMME A BUD’


Nas manchetes dos sites de ‘WSJ’ (com o título acima, ‘me dá uma Bud’, e a foto acima), ‘FT’ e outros, a confirmação da oferta da InBev, que é ‘sediada na Bélgica’ mas tem ‘administração brasileira’, pela Anheuser-Busch, produtora da cerveja Budweiser, dada como símbolo americano.


OBAMA TAMBÉM


Ecoou por aqui a manchete do chileno ‘El Mercurio’ de ontem, uma entrevista com Barack Obama publicada, na verdade, dias antes no ‘El Nuevo Herald’, de Miami. Ele confirma que, eleito, ‘iniciaria conversas com os inimigos em Cuba e Venezuela’ e focaria a atenção na América Latina, assim que deixasse o Iraque. ‘Quero unir-me a países como o Brasil para buscar formas mais limpas de energia.’


ARGENTINA E O LÍDER


Sob o título ‘A liderança do Brasil favorece a Argentina’, o artigo de um professor de relações internacionais, no ‘Clarín’, diz que ‘a influência do vizinho na política global pode facilitar maior margem de manobra na região e nas relações com Washington’.


BRASIL: COMO JOGAR


A nova ‘BusinessWeek’ traz longa reportagem sobre investimento, ‘Jogando no boom do Brasil’. Aborda a Petrobras, Vale e fundos como BlackRock e Fidelity. ‘De qualquer maneira que você cortar, o Brasil deve continuar crescendo por muitos anos.’


A REVANCHE DO SUL


O ‘Le Monde’, ontem no editorial ‘A revanche do Sul’, saudou o crescimento dos emergentes, Brasil incluído. Diz que ‘uma página se vira sobre a revolução industrial, que estabeleceu a supremacia da Europa e da América por dois séculos’. Mas agora, avisa o jornal francês, ‘em resposta, o Sul precisa assumir as suas novas responsabilidades’.


MILIONÁRIOS BRICS


O ‘Financial Times’ adiantou ontem em seu site que, segundo o Barclays Wealth, ‘as economias Bric de Brasil, Rússia, Índia e China vão testemunhar grandes aumentos em suas populações de milionários na próxima década’ -e até concorrer pela ponta com EUA e demais, no segmento.


EUA CONTRA-ATACAM?


Mas uma análise no ‘FT’ sublinha que os emergentes não estão mais ‘descolados’ dos EUA e agora reagem a cada ameaça de elevação dos juros pelo Fed. E um artigo de Fareed Zakaria, autor de ‘O Mundo Pós-Americano’, já prevê que ‘a economia dos EUA pode surpreender este ano’, no ‘Washington Post’.


‘CONDIÇÃO ANÁLOGA’


Na manchete do baiano ‘A Tarde’ de ontem, o resgate de Gabriela de Jesus Silva, 25, ‘que contou viver em regime de escravidão desde os 11 anos em uma casa de classe média, no bairro de Itapuã’. A polícia foi até lá depois da denúncia, por vizinhos, de ‘freqüentes torturas’. Não recebia salário. O site do jornal reproduz, em áudio, o depoimento da jovem’


 


 


TECNOLOGIA
Toni Sciarretta e Julio Wiziack


Apple acerta detalhes da estréia do iTunes no país


‘Cinco anos depois de seu lançamento nos EUA, a Apple acerta detalhes para trazer o iTunes, a sua loja virtual ao Brasil. O site venderá música, vídeos e filmes em reais no país. O preço de cada música deverá ficar em torno de R$ 2.


A loja virtual da Apple tem em seu catálogo cerca de 6 milhões de músicas digitalizadas, incluindo álbuns brasileiros, e já vende mais do que a própria loja física do Wal Mart, o maior varejista do mundo.


O mercado brasileiro de música digital ainda está engatinhando, mas movimentou no ano passado R$ 24,5 milhões -8% da receita do setor fonográfico no país. Curiosamente, a venda de música digital no Brasil é maior pelo celular do que pela internet. No ano passado, dos R$ 24,5 milhões movimentados, R$ 18,54 milhões foram por meio de celular, que tem custo e impostos maiores.


As negociações, que envolveram gravadoras e operadoras de cartões nacionais e estrangeiras, esbarraram em inúmeras dificuldades e altos custos.


Uma delas foi a bilhetagem por meio dos cartões nacionais. Hoje, o brasileiro pode comprar pelo iTunes, mas deve ter um cartão emitido no exterior.


Como a venda de música envolve valores muito baixos e inúmeras transações, as operadoras de cartão queriam cobrar um percentual considerado alto demais pela Apple, que não abria mão de vender música com um preço internacional. Também pediam um valor mínimo por venda, entre R$ 10 e R$ 20, mas a Apple descartou mudar seu modelo ne negócio.


Outro problema dizia respeito aos direitos autorais. Diferentemente de outros países, a venda de música no Brasil precisa de uma autorização prévia de três partes: os artistas compositores e intérpretes, o editor responsável e a gravadora, o que dificultava o negócio. Por conta disso, chegou-se a especular que o iTunes começasse no Brasil apenas com o material internacional e os álbuns brasileiros com lançamento simultâneo no exterior. A questão também foi superada.


Segundo Gian Uccello, gerente de Novos Negócios da Warner, todos os lançamentos brasileiros da gravadora têm uma versão internacional, que fica disponível para venda on-line em todo o mundo. Uccello citou como o exemplo o caso de ‘Dois Lados’, novo single do cantor Frejat, que já é vendido pelo iTunes antes mesmo do lançamento do CD no Brasil, previsto para agosto. A Apple não comentou o caso.’


 


 


TELEVISÃO
Daniel Castro


Juiz nega liminar à Globo contra ‘Pantanal’


‘A Globo tentou na tarde de segunda, via o autor Benedito Rui Barbosa, impedir a estréia da reprise de ‘Pantanal’ no SBT. Barbosa entrou com um pedido de liminar na Justiça de Osasco (Grande SP, sede do SBT), mas não obteve sucesso.


Segundo Barbosa, os advogados foram contratados e pagos pela Globo. A emissora nega.


A Globo decidiu lutar contra a reprise de ‘Pantanal’ porque, há dois anos, comprou os roteiros originais, o que lhe dá o direito de fazer um remake.


O SBT argumenta que detém os direitos de reprise da novela porque comprou as fitas originais de ‘Pantanal’ da produtora paulista JPO, que por sua vez as adquiriu em leilão da massa falida da extinta TV Manchete.


A Justiça de Osasco negou a liminar porque, uma vez que Barbosa declarou na petição desconhecer se o SBT tinha ou não o direito de exibir a novela, impedir a emissora de fazê-lo poderia mascarar censura.


A negativa a Barbosa foi como um banho frio para a Globo. A emissora ainda estuda medidas judiciais contra o SBT, mas, reservadamente, seus executivos admitiam ontem que a emissora teria menos chances na Justiça do que o novelista.


A avaliação leva em consideração outra ação movida por Barbosa, em que ele tentou impedir a venda de ‘Pantanal’ pela massa falida. Em sentença de outubro de 2007, a Justiça reconheceu o direito da Manchete sobre os originais da obra.


PELADA ESCURA Já não mais tratado como ‘arma secreta’, o segundo capítulo de ‘Pantanal’ marcou dez pontos no Ibope da Grande SP. Tirou audiência principalmente da Globo. No horário, em relação à terça-feira anterior, a Globo perdeu 2,7 pontos, a Record, 1,3, e a Band, 1,1.


ASSIM NÃO O SBT está fazendo chamadas para ‘Pantanal’ nos infantis ‘Bom Dia & Cia.’ e ‘Chaves’. Ontem, convocava crianças para, após ‘A Favorita’, na Globo’, mudarem de canal para ver ‘Pantanal’. Com mulheres seminuas, a novela da Manchete não é programa para criança.


NINGUÉM MERECE A Record está anunciando o CD do romântico Roberto Justus como ‘o melhor presente de Dia dos Namorados’…


MISTÉRIO Ex-diretor de programação da Band, Rogério Gallo voltou a circular pela emissora.


FIDELIDADE As novelas da Record caíram um pouco em relação à semana passada. Mas ‘A Favorita’, da Globo, ainda não passou dos 35, o que indica que tem um público fiel, aquele noveleiro que gosta de novelão.


PIXEL A Globosat lança em julho o canal Megapix, sua versão do TNT. Voltado aos pacotes mais básicos, terá filmes não-inéditos, dublados e com intervalos.


GEOPOLÍTICA A Equavisa, rede do Equador, virou a mais importante parceira da Globo na América Latina. Até 2011, terá 880 horas de novelas globais.’


 


 


Folha de S. Paulo


Culinária guia história em programa


‘Contar um pouco da história de um país por outro viés que não o das guerras, matanças e puxadas de tapete é, no mínimo, interessante. Se o país em questão for a Argentina e o viés for a comida, tanto melhor.


É esse o fio condutor de ‘Estirpe de Churrasqueiros’, episódio inédito do programa ‘História à La Carte’ exibido hoje à noite pelo canal pago The History Channel.


A idéia é boa, mas o resultado, irregular. É evidente que a figura do gaúcho, a relação dele com as estâncias (o equivalente argentino às nossas fazendas), a importância dos rebanhos (não à toa o país é reconhecido pela alta qualidade de sua carne) e a própria parrilla dizem muito sobre a formação da identidade argentina.


Porém, o fato de o microdocumentário apresentar uma visão meio estreita sobre o que é a culinária argentina, que obviamente não se faz apenas de parrilla, chimichurri, erva-mate, doce de leite e milanesa, depõe contra ele. Fica a impressão de que o típico sempre prevalece sobre o cotidiano. E as encenações romanceadas, como a da provável origem do doce de leite, destoam do conjunto e são desnecessárias.


O embasamento histórico dado pelos historiadores e antropólogos que participam do episódio e as belas imagens de Buenos Aires são o ponto alto e salvam o programa.


HISTÓRIA À LA CARTE – ESTIRPE DE CHURRASQUEIROS


Quando: hoje, às 22h; livre


Onde: The History Channel’


 


 


LIVROS
Folha de S. Paulo


Britânico anuncia morte da indústria fonográfica em livro


‘Maestros gananciosos, gravadoras míopes, cachês multimilionários: há pelo menos uma década, o crítico britânico Norman Lebrecht vem listando esses fatores como responsáveis pelo que ele enxerga como crise da música clássica.


Agora, chegou a vez de Lebrecht anunciar a morte não da música clássica em si, mas da indústria fonográfica, em ‘Maestros, Obras-Primas & Loucura’, que está sendo lançado no Brasil pela Record.


Além do título provocativo, o livro traz a habitual mistura de fofocas sexuais, detalhes de bastidores, anedotas e informações interessantes que vêm sendo a marca de Lebrecht desde ‘When the Music Stops’ (Simon & Schuster, 1996), livro em que ele pela primeira vez chamou a atenção para as dificuldades enfrentadas pela música de concerto, depois da euforia gerada pelo ‘boom’ da substituição dos LPs pelos CDs, no final dos anos 80.


Se, em ‘O Mito do Maestro’ (Civilização Brasileira, 2002), Lebrecht faz uma espécie de ‘história crítica’ da regência, procurando demonstrar como os egos inflados dos maestros teriam contribuído para um inflacionamento irreal dos custos de produção da música erudita, em ‘Maestros, Obras-Primas & Loucura’ ele procura aplicar o mesmo método à indústria fonográfica. Ou seja: o britânico se propõe a contar a história da indústria fonográfica. Mas não como um narrador distante, e sim como um investigador em busca das causas daquilo que ele vê como o irreversível fracasso deste ramo dos negócios.


A história de cada grande gravadora clássica (bem como dos pequenos selos que tiveram algum peso no desenvolvimento da indústria) é dissecada em detalhes que talvez não interessem ao leitor comum, como nomes de diretores, detalhamento de sua vida privada (com destaque para escândalos sexuais, hábitos de consumo extravagantes ou gosto por drogas, quando é o caso) e explicação das políticas que cada um deles fez sua empresa conduzir.


Estão lá o sucesso fonográfico de Luciano Pavarotti, antes e depois dos Três Tenores, bem como o sucesso do selo de discos baratos Naxos e as ameaças da internet ao formato do CD.


O livro tem o vilão favorito de Lebrecht, o maestro Herbert von Karajan, novamente no papel do ex-nazista que teria arruinado a música clássica para construir um império de fama, poder e dinheiro.


No terreno da regência, o ‘mocinho’, por seu turno, seria outro maestro, o húngaro Georg Solti, cuja gravação histórica da tetralogia do ‘Anel do Nibelungo’, de Wagner, pelo selo Decca, é contada de maneira meticulosa. O ‘crossover’, em geral, é condenado de maneira enfática. Lebrecht tem sido, antes de tudo, um polemista, e só assim é possível dar valor a seus textos. Se levado excessivamente a sério (como talvez seja sua pretensão), pode irritar, e não pouco -como na estéril discussão que tentou levantar em 2006, ano dos 250 anos de nascimento de Mozart, em que tentou comprovar, com argumentos ralos e pueris, que o compositor nascido em Salzburgo não merecia ser festejado como grande gênio da música.


Para o colecionador de discos, especialmente saborosas são as listas que Lebrecht inclui ao fim da obra, com as melhores e piores gravações eruditas de todos os tempos. Ao se assumir como arbitrária e subjetiva como toda listagem deste caráter, ela confere leveza à apreciação de um livro que não deve ser lido como mais do que é.


MAESTROS, OBRAS-PRIMAS & LOUCURA


Autor: Norman Lebrecht


Editora: Record


Quanto: R$ 47 (350 págs)


Avaliação: bom’


 


 


CULTURA
Silvana Arantes


Sayad suspeita de boicote do MinC


‘O secretário de Cultura de São Paulo, João Sayad, suspeita de boicote do Ministério da Cultura (MinC) ao Estado.


O boicote estaria configurado em negativa que Sayad considera ‘ilegal e discricionária’ a projetos de instituições do Estado, como a TV Cultura, inscritos na Lei Rouanet.


Instrumento federal de incentivo à cultura, a Lei Rouanet permite que empresas destinem parte de seu Imposto de Renda devido à realização de projetos culturais, desde que esses sejam previamente aprovados pelo MinC.


‘Aparentemente, o MinC está brecando os projetos de incentivo fiscal de organizações sociais que trabalham para o Estado [de SP]’, afirma Sayad à Folha, citando, além da TV Cultura, a Osesp e a Pinacoteca do Estado.


As organizações sociais são figuras jurídicas que gerem entidades culturais e em nome delas captam recursos; neste caso, Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), Associação dos Amigos da Pinacoteca e Fundação Osesp.


‘Brecha da lei’


A desconfiança do secretário se acentuou a partir da seguinte declaração do ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, à revista ‘Carta Capital’: ‘A meu ver, São Paulo está trabalhando na brecha da lei. Estou consultando o governo sobre o assunto, mas, por ora, cortamos parte da captação da TV Cultura’.


Sayad afirma: ‘Achamos isso ilegal. É uma discricionariedade do ministério’. O secretário diz que pediu às administrações da TV Cultura, da Osesp e da Pinacoteca ‘para irem ao ministério ver o que está acontecendo’. Ele ressalta que elas ‘pedem esses recursos [de patrocínio federal] absolutamente dentro da lei e conseguem apoio de empresas porque têm desempenho muito bom’.


Ferreira nega o boicote e afirma que há ‘uma imprecisão’ em sua declaração publicada na ‘Carta Capital’ sobre a suspensão de recursos à TV Cultura.


‘Ninguém cortou nada. O que houve é que eles [os representantes da TV Cultura] pediram enquadramento [do projeto cultural] no artigo 18 [da lei, que permite a determinados projetos terem 100% de seu orçamento financiado pela renúncia fiscal; em outros casos, há limite para o uso de dinheiro de incentivo fiscal]. Não pudemos autorizar isso, porque estamos mais rigorosos nas avaliações, atendendo a uma manifestação do TCU (Tribunal de Contas da União), até que a lei seja mudada’, afirma Ferreira.


A mudança que o MinC pretende fazer na Lei Rouanet é outro ponto de atrito entre Sayad e Ferreira. ‘Há no MinC proposta para mudar a lei que não sabemos qual é’, critica Sayad. ‘Sayad tem dado declarações absolutamente especulativas de que vamos acabar com a renúncia fiscal. A cada vez, liguei para ele e esclareci que não. Não me parece que ele esteja querendo criar um conflito, mas está, reiteradamente, dizendo algo que não existe’, retruca Ferreira.


O ministro interino reafirma sua avaliação de que a administração paulista faz uso de ‘uma brecha da lei’ para financiar projetos ‘de estruturas permanentes que, em princípio, deveriam ser financiadas pelo governo do Estado’.


Sayad diz que ‘isso é falso’. Ele avalia que ‘a lei permite que o contribuinte coloque o dinheiro onde quiser. São todos projetos que necessitam de apoio. Estamos falando de uma TV pública, como a TV que eles pretendem fazer, que oferece programação para todo o país’.


O secretário diz achar que o imbróglio com o MinC ‘não é uma questão partidária’, mas que Ferreira expressa ‘uma visão errada de que a cultura é questão estadual’ e desconsidera o alcance além-fronteiras das expressões artísticas.


‘Toca aqui, ouve lá’


‘A Osesp, que tem 90% de seu orçamento financiado pelo Estado, beneficia o Brasil inteiro. Toca aqui, ouve lá. A Pinacoteca não exige passaporte de paulista para [o público] entrar. E os quadros paulistas não são nem melhores nem piores do que os mineiros, os pernambucanos, os capixabas’, afirma.


Para Ferreira, ‘está havendo um açodamento do secretário. Talvez ele deva fazer a consulta [ao MinC]. Vai ver que todas [as organizações sociais de São Paulo citadas] captaram’.’


 


 


CUBA
Flávia Marreiro


Novela brasileira influencia movimento gay em Cuba


‘Uma garrafa de rum, uma Coca-Cola genérica, copinhos de plástico reutilizáveis e a brisa embalavam a noite quente no Malecón, o intenso calçadão à beira do mar em Havana.


Quatro homens gays falavam do momento ‘sair do armário’, agora com chancela oficial, de Cuba, que envolve da filha de Raúl Castro às novelas brasileiras que são sucesso na ilha.


Se a cena gay cresce desenvolta em bares, festas e shows semiclandestinos facilmente descobertos por turistas, o quarteto defendia ali a importância dos discursos públicos recentes a favor da diversidade sexual para quem tem a vida e o trabalho, em grande parte, controlados pelo Estado.


Não é pouco, levando em conta que as paradas gays ainda são clandestinas, por exemplo, na Rússia e em Israel.


‘Aqui, como em muitos lugares, todo mundo casava buscando uma plumagem social. Mas tudo começou a mudar com ‘Morango e Chocolate’. Foi a força motriz’, diz o técnico em comunicações Mario, 43, citando o clássico do cinema cubano de 1993, que conta a história de um gay apaixonado por um defensor da revolução. ‘Mas digo uma coisa: as novelas brasileiras também.’


A influência da dramaturgia brasileira na questão é dita até no jornal oficial ‘Juventud Rebelde’, que passou a publicar textos contra o preconceito.


Se ‘Vale Tudo’ (1989) já entrou para a história da ilha ao batizar os restaurantes privados de ‘paladares’ (o nome do negócio da personagem de Regina Duarte na novela), agora os rapazes citam os casais gays em ‘Mulheres Apaixonadas’, atualmente sendo exibida na ilha, e ‘Suave Veneno’, que acabou há pouco por lá.


‘Nas novelas cubanas também já se fala disso. No mês passado estreou ‘Pó ao Vento’, que tem um gay’, falou o mais novo do quarteto, um porteiro de 23 anos.


Vale a pena sintonizar os canais estatais e assistir ao noticiário oficial, conferir a dublagem dos artistas globais e rever algum capítulo de seriado americano.


Da tela à vida


Em 17 de maio, Cuba fez a primeira jornada oficial contra a homofobia. Um dia inteiro de eventos, com discursos de escritores premiados nacionalmente, dirigentes do regime e um grande show de transformistas, num cenário com uma bandeira de Cuba feita de luzes. A festa ganhou elogios de ativistas brasileiros, que gostaram da união de shows com debates.


‘Pedi a palavra naquele dia. Estava emocionado. Todo mundo veio falar comigo depois’, disse Danilo Rivera, 54, usando rímel e lápis de olho, metalúrgico da cidade de Matanzas, numa das cadeiras de balanço do Cenesex (Centro de Educação Sexual), comandado por ninguém menos que Mariela Castro, 46, filha de Raúl, e epicentro das mudanças recentes do tema em Cuba.


‘Nos anos 70, eu tive de deixar de ser professor, que era a coisa que sempre quis fazer na vida, porque gays não poderiam estar nas escolas’, disse Rivera, que fez questão de desenrolar uma fotografia sua, na qual aparece montado, de vestido azul brilhante, no show que faz de vez em quando em Matanzas. ‘Mariela tem sido importante.’


É também o que acha o quarteto do Malecón. ‘Ela foi ao Parlamento falar de respeito. É um papel decisivo’, diz o infectologista de 53 anos, bebericando rum. A filha de Raúl propôs uma lei reconhecendo a união civil entre pessoas do mesmo sexo e anunciou na semana passada que o Estado pagará cirurgias de mudança de sexo.


Mas, dos eventos e novelas às ruas, há caminho a percorrer. Mario não foi ao evento de Mariela porque sabia que passaria na TV. ‘Não queria piadas no trabalho. Mas isso é uma coisa de todo lugar. Depende de cada um, de se expor ou não.’


A polícia também resiste às diretrizes mais abertas aos temas e ainda é comum que acabe com festas não autorizadas ou intimide gays e travestis pedindo identificação.


Foi o que aconteceu naquela noite no calçadão com o quarteto, embora o oficial só tenha cobrado os documentos dos dois negros da rodinha. ‘Isso é outro problema aqui. Outro preconceito. Tomara que mude também’, disse o caçula.’


 


 


Priscila Pastre-Rossi


Para Dirceu, desbloqueio é imprescindível


‘Colega de Fidel Castro, 81, o ex-deputado e ex-ministro da Casa Civil (cassado em 2005, após suspeitas de envolvimento no esquema do mensalão) José Dirceu, 62, não passa muito tempo sem ir a Cuba, para onde foi depois de ter sido preso pela ditadura militar.


Boa parte do período do exílio na ilha-de 1969 a 1979- ele passou no Brasil, vivendo clandestinamente. Mas os anos vividos em Cuba foram o bastante para conhecer pessoalmente o ditador Fidel Castro, estudar e trabalhar. Dirceu passou meses em treinamento militar, foi funcionário de gráfica e projetista de cinema em Havana.


Os detalhes da sua história em Cuba, ele guarda para revelar em um livro, ainda só nos planos. Em entrevista à Folha, avalia a transição do poder para Raúl Castro e indica lugares emblemáticos na ilha.


FOLHA – Do tempo que o senhor morou em Havana, poderia citar um lugar marcante e que não deve ficar de fora de um roteiro na cidade?


JOSÉ DIRCEU – Sem dúvida, o hotel Nacional [www.hotelnacional-cuba.com; fundado em 1930 e, há dez anos, declarado monumento nacional]. É um dos prédios mais bonitos de Havana e fica bem no centro.


Vale fazer uma refeição lá. Eu ia pouco porque a minha vida não permitia, eu não tinha tempo. Outra coisa que não pode faltar é passear no Malecón, pelas ruas de Havana Velha, que têm muitos lugares intocados. Pelo menos para quem gosta da história de Havana…


Ainda mais agora, que ela está todinha restaurada pela Habaguanex [estatal ligada ao patrimônio histórico da cidade, que vem transformando prédios antigos em hotéis, restaurantes e lojas]. Hoje, Havana tem quase 20 hotéis e vários resorts. Mudou completamente.


FOLHA – As agências de turismo colocam cada vez mais Cuba em destaque. Seria uma ‘corrida a Cuba’ de quem acha que o socialismo pode acabar na ilha? Um clima de ‘preciso ver antes que acabe?’


DIRCEU – Acho que não. O que existe é um interesse natural tanto de quem apóia quanto de quem não apóia o sistema implantado no país. Mas acho que é mais um interesse histórico.


O lugar está intocado há 50 anos. É uma coisa maravilhosa.


Você tem lá cidades históricas, como Santiago de Cuba -que acho tão maravilhosa quanto Salvador-, praias como Varadero. E não é uma viagem cara. Há hotéis em várias categorias de preço. Há turismo de pesca, passeio de barco, ecológico… E é bem organizado. Tem hotel de quatro, cinco estrelas, como em qualquer país do mundo.


FOLHA – O senhor fez uma relação entre Santiago de Cuba e Salvador. Há muito em comum nas culturas brasileira e cubana?


DIRCEU – Tenho um amigo baiano que brinca que Santiago de Cuba faz parte da Bahia! Nós temos a mesma origem afro. Os cubanos foram colonizados pelos espanhóis. Nós, pelos portugueses. Mas acredito que essa identidade étnica, racial, é muito forte. A comida cubana é uma mistura da mineira com a baiana. Ué… É arroz com feijão, é carne de porco, é mandioca…


É a nossa comida. É o frango que nós comemos, a cabidela. E tem a macumba, né? O candomblé. A ‘santeria’, como eles chamam. Se um dia você vir fotos dos guerrilheiros, pode observar: todos traziam amuletos.


FOLHA – Há liberdade religiosa?


DIRCEU – Total. Cuba soube preservar sua identidade cultural.


FOLHA – Qual é a sua bebida preferida em Cuba? Mojito ou daiquiri?


DIRCEU – (Rindo) Pouca gente sabe disso, mas até os 35 anos eu quase não bebia nada. Mas a bebida que eu aprecio até hoje é o rum. Falando nisso, os hotéis de Cuba preparam muita caipirinha. Só não pode falar ‘pinga’ porque lá tem outro significado (risos) [é sinônimo de pênis].


Mas pode pedir pra preparar com cachaça, aguardente, que eles sabem o que é. Tem uma cachaça razoável que é produzida lá. Na minha última visita a Cuba, como o bar estava sem ‘erva buena’ [hortelã, para o mojito], experimentei a caipirinha. Essa nossa identidade cultural é muito forte. Eles têm uma paixão pelo Brasil.


FOLHA – Quando vai para Havana, onde gosta de se hospedar?


DIRCEU – O ideal é mesmo o hotel Nacional, mas também indico o Meliá Havana [www.solmelia.com]. Agora, tem uns hotéis de oito, dez quartos, em uns prédios antigos, com pátio espanhol, bem lá dentro de Havana Velha, que valem a pena.


FOLHA – Um bom passeio deve ter quantos dias, no mínimo?


DIRCEU – Três dias em Havana e três em Varadero. Ah, vale conhecer Santiago também.


FOLHA – Em uma entrevista à ‘Playboy’ em 1985, Fidel já dizia que seu sucessor seria o irmão Raúl. A transição ocorreu no tempo certo? DIRCEU – Veja bem, o Fidel já tinha passado o governo para o Raúl desde que ele caiu [referindo-se à queda que Fidel sofreu em 2004, quando quebrou um dos ossos do joelho esquerdo e feriu um braço]. Agora ele passou pela segunda vez.


FOLHA – Qual será o maior desafio?


DIRCEU – A idéia dos Estados Unidos de dominar Cuba é real, é um fato, entendeu? Os EUA fazem represália a países e empresas que façam negócios com Cuba e impedem investimentos em energia, gás e petróleo.


Então, a primeira coisa que importa para Cuba é manter a independência. Depois vêm as reformas. É preciso liberar o mercado agrícola, melhorar os salários, permitir a prestação de serviços por particulares e o trabalho autônomo. Isso tudo vai ter reflexo no turismo e na prestação de serviços. E tem outra coisa… Esse congresso GLS foi muito importante [referindo-se a uma espécie de ‘parada gay’ promovida em Havana no último mês de maio]. Imagina o avanço que isso representa para uma sociedade que era tão machista.


FOLHA – Abrir mais o país ao continente ameaça o modelo socialista?


DIRCEU – Se vai dar para manter o regime ou não, não se pode dizer. A minha avaliação é que quanto mais eles mudarem, mais eles vão poder manter as coisas boas que eles conquistaram: uma sociedade igualitária, segurança social com baixíssima violência e baixíssima miséria. Tudo isso apesar da escassez. A sociedade tem dificuldades de acesso a bens e insumos.


FOLHA – Em seu blog, o senhor ressalta esses pontos e outros que considera conquistas do governo cubano. Em resposta, a maioria dos seus leitores postam comentários anticastristas. A que o senhor acha que se deve essa antipatia?


DIRCEU – Muitas pessoas desconhecem as conquistas da revolução. É evidente que a nossa experiência com a democracia resiste ao fato de Cuba ter um partido único e a falta de eleições. Mas não se pode esquecer das conquistas sociais. Não estou dizendo que Cuba não seja um país deficitário. Tem problemas, não ignoro isso.


FOLHA – E qual é o maior problema?


DIRCEU – A estatização dos serviços, na década de 60, foi um grande erro. Devia ter trabalho autônomo em Cuba. As opções eram poucas no cenário da Guerra Fria, mas esse problema deveria ter sido revisto.


FOLHA – Qual é o papel do Brasil nessa fase de transição de Cuba?


DIRCEU – Acho que o Brasil tem um papel muito importante, com a Argentina e a Venezuela, para investir, aumentar o comércio, negociar. E os EUA têm de suspender o bloqueio. Porque não há nenhuma razão para ele existir. Tem de voltar a migração legal e liberar as remessas de recursos. O Partido Democrata tem isso como política oficial. Todo mundo está investindo em Cuba. Só os americanos que não. Você sabe que Cuba já compra US$ 500 mil dos EUA por ano. É uma legislação especial, uma linha de crédito, mas também é para dar vazão ao excesso de produção.


A maioria não quer mais o embargo, nem a maior parte dos cubanos nos EUA. Eles querem separar as questões políticas da questão das relações.


FOLHA – O senhor esteve com Fidel antes de ele ficar doente. Como é sua relação com ele?


DIRCEU – Minha relação com Fidel começou por meio do Guevara [referindo-se ao intelectual e fundador do Instituto de Cinema Cubano Alfredo Guevara], que não tem nada a ver com o Che. Eu e Guevara nos conhecemos em 68, no Brasil, e ele me esperou em Cuba. Também já encontrei Fidel como integrante do governo e como dirigente do PT. Sou um devedor, jamais vou deixar de ser solidário e de apoiar Cuba.


FOLHA – Poderia nos contar seu momento mais marcante naquele país? DIRCEU – Um dos momentos mais importantes foi a visita do presidente Lula, que acompanhei como ministro-chefe da Casa Civil [lembrando da ida do presidente à ilha em 2003, quando a equipe foi recebida por Fidel no aeroporto]. Saiu na imprensa que eu até chorei.


Me emocionei pela recordação e memória de meus companheiros que morreram, por eles não estarem lá para ver.


FOLHA – Atualmente o senhor vai lá a passeio ou para algum trabalho?


DIRCEU – Não fico muito tempo sem ir a Cuba. Mas agora vou mais para passear. Estive lá recentemente com o Fernando Morais, para pesquisar. Pensamos em fazer uma biografia. Mas ainda não sabemos no que vai resultar ao certo.’


 


 


 


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O Estado de S. Paulo


Quinta-feira, 12 de junho de 2008


 


ELEITORAL
O Estado de S. Paulo


TSE alerta eleitores para e-mails falsos


‘O Tribunal Superior Eleitoral informou que e-mails falsos estão sendo enviados em seu nome comunicando o cancelamento de títulos eleitorais e pedindo a atualização de dados cadastrais. O TSE avisou que não envia e-mails, nem autoriza nenhuma instituição a fazê-lo, e lembrou que mensagens desse tipo devem ser apagadas, pois podem ter vírus. O tribunal contou ainda que desde terça-feira disponibiliza em seu site na internet o Sistema de Candidaturas Módulo Externo, por meio do qual partidos podem pedir o registro de seus candidatos a prefeito e vereador.’


 


 


LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
Felipe Recondo


Governo defende no STF sigilo de documentos


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou na segunda-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF) argumentos para evitar a derrubada da lei que permite ao governo manter sob sigilo documentos históricos da época da ditadura ou que poderiam colocar o país em situação diplomática delicada.


O documento, preparado pela Consultoria-Geral da União, visa a rebater os argumentos do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que pediu ao STF que julgue a lei inconstitucional e determine a suspensão imediata do sigilo desses papéis.


No ofício avalizado por Lula, o governo alega que o interesse de brasileiros nos documentos como forma de esclarecer a história do país, como sugere o procurador, não se compara aos interesses do Estado e da sociedade por segurança, que obrigariam o Executivo a manter esses dados sob sigilo durante determinado período.


Além disso, o governo rebate o argumento de Souza de que o Executivo não teria ‘poder discriminatório’ para decidir sobre o sigilo dos documentos. De acordo com o procurador, isso atentaria contra direitos fundamentais do cidadão protegidos pela Constituição.


Na defesa encaminhada ao Supremo, o governo responde que, se deixasse esse poder nas mãos do Legislativo e de seus 594 parlamentares, o que deveria ser segredo certamente acabaria revelado por deputados ou senadores. Acrescenta ainda que somente o Executivo, que conhece os documentos, pode dizer o que deve ou não ser mantido em segredo para não colocar em risco a segurança nacional.


Esses argumentos serão analisados pela ministra do STF Ellen Grace, encarregada de relatar a ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo procurador.


Depois de encaminhado esse ofício pelo presidente Lula, o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, deverá se manifestar sobre o assunto. Somente depois disso e após a conclusão do voto da ministra a ação será julgada pelo plenário do Supremo.


Apesar dessa posição, o governo discute internamente uma proposta a ser encaminhada ao Congresso Nacional nos próximos meses para acabar com o sigilo eterno desses documentos. Seria definido um prazo único para que fossem mantidos em sigilo. Depois desse prazo, todos os papéis seriam abertos à consulta pública.


Pela legislação atual, o acesso aos documentos sigilosos que ponham em risco a segurança da sociedade e do Estado pode ser restrito por 30 anos renováveis por mais 30, a contar da data da produção do material. Os documentos que possam atingir a honra e a imagem de pessoas podem ficar em segredo por até 100 anos. Vencidos esses prazos, uma comissão do governo pode decidir manter o sigilo caso entenda que a revelação do conteúdo ponha em risco a soberania, a integridade territorial nacional ou as relações internacionais do País.’


 


 


TERROR
O Estado de S. Paulo


Documentos revelam estrutura da Al-Qaeda


‘A emissora americana CNN revelou ontem ter tido acesso a vários documentos da Al-Qaeda apreendidos pelo Exército dos EUA no Iraque em 2006, que dão uma oportunidade única para os serviços de inteligência entenderem como opera o grupo terrorista.


A série de documentos foi apreendida 18 meses após a morte do militante Faris Abu Azzam, em Anbar.


Para o diretor de inteligência militar dos EUA no Iraque, tenente-coronel Tim Albers, ‘a Al-Qaeda está lutando para manter-se relevante’.


Apesar do aumento da segurança no Iraque, os documentos mostram que o grupo ainda se mantém bem estruturado. ‘Fiquei surpreso quando vi o grau de detalhes dos documentos, com relatórios de gastos, por exemplo. A Al-Qaeda no Iraque é uma rede bem estabelecida’, disse o almirante Patrick Driscoll, porta-voz do Exército americano em Bagdá.


Entre os documentos apreendidos estão folhas de pagamentos para brigadas de militantes. Além disso, militares americanos descobriram formulários de inscrição para iraquianos interessados em entrar para a Al-Qaeda. O grupo também tinha listas de pessoas mortas em atentados, reféns e as respectivas sentenças dadas pela Al-Qaeda (na maioria das vezes, execuções), além de números de telefones de iraquianos que tinham colaborado com o Exército americano.’


 


 


TV POR ASSINATURA
O Estado de S. Paulo


Lei da TV paga pode sair sem cota de conteúdo


‘A possibilidade de retirar todo o capítulo que cria um sistema de cotas para a programação nacional e para a produção independente nos pacotes da TV paga começa a ganhar corpo na votação do projeto de lei que estabelece novas regras para o setor. O substitutivo do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) já recebeu sete destaques para votação em separado, e três deles propõem a eliminação das cotas. A votação do projeto foi novamente adiada ontem, e uma nova sessão foi convocada para a quarta-feira.’


 


 


TECNOLOGIA
Renato Cruz


Vivo anuncia que também vai vender o iPhone no Brasil


‘O consumidor brasileiro terá duas opções para comprar o iPhone, da Apple. A Vivo, maior empresa de celulares do País, anunciou ontem que a Telefônica, uma de suas controladoras, fechou um acordo para distribuir o aparelho em 15 países, sendo 11 da América Latina, incluindo o Brasil. A concorrente Claro, da mexicana América Móvil, também tem um acordo para vender o iPhone no Brasil, anunciado mês passado.


Deve haver agora uma corrida para ver quem traz o iPhone primeiro. A Vivo prometeu o aparelho ‘para os próximos meses’ e a Claro, para ‘até o fim do ano’. A Telefônica lançou o iPhone no Reino Unido em dezembro, por meio de sua subsidiária O2, e em março na Irlanda. Segundo a companhia, os usuários do aparelho têm garantido receita média mensal 30% superior aos clientes com outros aparelhos


‘Temos verificado um consistente aumento da utilização de dados em nossa base’, afirmou o presidente da Vivo, Roberto Lima, em comunicado. ‘A introdução do iPhone será um estímulo adicional importante para o acesso a esses serviços.’ Segundo a Vivo, sua receita com dados e serviços de valor adicionado cresceu 47% no primeiro trimestre, comparada com o mesmo período do ano passado.


Na segunda-feira, Steve Jobs, presidente da Apple, anunciou nos Estados Unidos o lançamento de uma nova versão do iPhone, com conexão mais rápida em tecnologia celular de terceira geração (3G). O aparelho também é mais barato (com metade do preço da versão original) e vem equipado com sistema de localização via satélite (GPS, na sigla em inglês).


A queda do preço deve ajudar a massificar o iPhone, que vinha sendo visto até agora como um aparelho caro. A Apple também lançou um pacote de serviços que torna o equipamento mais atraente para o público corporativo, colocando mais pressão em concorrentes como a Research In Motion (RIM), que fabrica o Blackberry, e a Nokia.


Um novo serviço, chamado MobileMe, irá enviar automaticamente mensagens de correio eletrônico e outras informações para os iPhones, assim como faz o servidor de e-mail Exchange, da Microsoft. O serviço, que será cobrado, também oferecerá aplicações de internet para oferecer ao aparelho recursos mais parecidos com os do computador de mesa.


O iPhone 3G chegará ao mercado em 11 de julho. É essa a data para os Estados Unidos, para a Espanha (sede da Telefônica) e para o México (sede da América Móvil), entre outros países, mas não para o Brasil. A primeira versão do iPhone nunca foi vendida na Espanha. A Telefónica não chegou a um acordo para vender o iPhone no México, mas continua tentando, disse um porta-voz da empresa à agência Dow Jones.


Os acordos internacionais, sem cláusula de exclusividade, fazem parte da estratégia da Apple de atingir a marca de 10 milhões de iPhones vendidos em 2008. Nos Estados Unidos, existe um contratos de exclusividade com a AT&T. Os únicos grandes mercados mundiais que ainda não contam com acordos de distribuição são a Rússia e a China.


Apesar de ainda não ter distribuição oficial, é fácil comprar um iPhone no Brasil. Na internet, ele tem preços a partir de R$ 1,3 mil. Lojas na Rua Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, vendem o aparelho. Também existem empresas especializadas em desbloquear o iPhone importado e que vendem assistência (não oficial) ao usuários brasileiros.


A América Móvil, dona da Claro, e a Telefónica, que possui metade da Vivo, brigam pelo domínio do mercado latino-americano de telefonia celular. O grupo mexicano tem 159 milhões de usuários na região, e o espanhol, 102 milhões.’


 


 


TELEVISÃO
Etienne Jacintho


Cultura se une a RTP


‘A TV Cultura fará um programa em parceria com Portugal. O presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Markun, contou ao Estado que a atração se chama Iguais Diferentes e é uma co-produção da TV Cultura com a RTP. ‘A idéia é fazer 13 programas de 30 minutos, que serão semanais, mostrando as semelhanças e as diferenças entre Brasil e Portugal’, fala Markun. ‘A previsão é de que o programa entre no ar já no segundo semestre.’


A TV Cultura vai colocar no ar amanhã, às 20h30, outro fruto de um intercâmbio, mas com países da América Latina. O programa Tal e Qual, realizado em parceria com a Televisão América Latina (Tal), organização que articula o intercâmbio de conteúdos entre canais de televisão, produtores independentes e instituições culturais de 20 países da região.


Apresentado pelo cubano radicado no Brasil, Amaury Wilson, Tal e Qual exibirá documentários, reportagens, curtas e animações, produzidos nos países latino-americanos. O programa de estréia trará três documentários: o argentino Peluquería LaEpoca; Cinema Alcazar, da Nicarágua; e o panamenho Panamá Gay.’


 


 


DITADURA
Luiz Carlos Merten e Felipe Recondo


Docudrama recupera heroísmo do operário Manoel Fiel Filho


‘Domingo, por volta das 16 horas. Céu parcialmente encoberto na zona leste de São Paulo. No cemitério da Quarta Parada, no Tatuapé, três mulheres de preto descem por uma alameda depois de depositar rosas vermelhas num túmulo. De um praticável, montado em outra alameda, elas são filmadas – pois se trata de uma filmagem – pelo diretor que mantém um olho no monitor e outro no cronômetro, enquanto se ouve de fundo (e alto) Elis Regina soltar a voz nos versos de O Bêbado e a Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, que virou hino da anistia (e da campanha pela volta dos exilados políticos). Há um clima de profunda emoção na coisa toda, e o próprio repórter do Estado viaja em suas lembranças, voltando a uma fase sombria da vida brasileira. Mas para as três mulheres é pior.


São a mulher, Thereza de Lourdes Fiel, e as duas filhas, Márcia e Aparecida, de Manoel Fiel Filho, o metalúrgico que, no início de 1976, foi preso na fábrica em que trabalhava – Metal Arte -, acusado de distribuir aos colegas o jornal A Voz Operária, um impresso clandestino do Partido Comunista Brasileiro. Levado para o porão do DOI-Codi, em São Paulo, foi torturado e, em poucas horas, estava morto. Ele foi o 39º morto – entre as vítimas oficialmente reconhecidas – pelo regime militar, mas seu caso foi classificado como suicídio. Foi o ‘suicídio’ de Manoel Fiel Filho, 84 dias após outra morte em circunstâncias idênticas, a do jornalista Vladimir Herzog, na mesma carceragem, que levou o então presidente Ernesto Geisel a colocar um ponto final nos porões da ditadura, para coibir o que já virara uma anarquia militar – Geisel demitiu seu ministro do Exército, o general Sylvio Frota, e o comandante do 2º Exército, Ednardo D’Ávilla Mello. As duas demissões, sumárias e desonrosas, aceleraram o processo de distensão política ‘lenta e gradual’ que o presidente iria colocar em prática.


A morte de Manoel Fiel Filho faz parte da história brasileira. ‘Meu marido foi um mártir’, diz a viúva, até hoje inconformada com o tratamento de segunda classe que este verdadeiro herói brasileiro recebe na mídia. O caso de Vladimir Herzog repercutiu muito mais e, até hoje, a cada aniversário de morte do ex-diretor de jornalismo da TV Cultura, a família Fiel sente-se discriminada, porque, ao falar de Herzog, ninguém se lembra de Manoel Fiel Filho e, quando falam de seu sacrifício nos porões da ditadura, a história é sempre pretexto para que se volte a falar de Herzog. É um pouco essa injustiça que o jornalista e diretor Jorge Oliveira quer corrigir em seu documentário. Alagoano como Fiel Filho, não é tanto a sua origem, mas a indignação que movimenta Oliveira, que está colocando dinheiro do próprio bolso na realização do filme.


É outra coisa que o revolta. ‘Inscrevi o filme na Petrobrás e não ganhei nada. Não houve interesse da comissão que avaliava os projetos em recuperar a história de um herói brasileiro, mas ‘eles’ (a comissão) colocaram dinheiro da Petrobrás num filme como Meu Nome Não É Johnny. Depois de ver o Johnny quase quis virar traficante. Muito instrutivo’, ele provoca. Jornalista e marqueteiro político, sediado em Brasília, Oliveira é o primeiro a rir de seu currículo, porque ele fez a campanha de Renan Calheiros, por exemplo. Dado o rumo que tomou a história do político, não é uma grande recomendação, mas do marketing político ele saltou para o cinema, realizando documentários sobre Carlos Drummond de Andrade, entre outras personalidades da vida cultural do País, ou então outro, encomendado por Leonel Brizola, sobre o governo de Fernando Collor de Mello em Alagoas, que o ex-governador do Rio pretendia usar como trunfo no segundo turno, mas aí Luiz Inácio Lula da Silva foi para a segunda fase da eleição de 1989, houve aquele tal debate na Globo e… Você conhece a história.


‘Meu filme não é sobre Manoel Fiel Filho. Uso o caso dele, que me parece exemplar, para falar de um quadro muito mais amplo – o envolvimento da CIA, isto é, dos norte-americanos, na repressão política montada no Cone Sul, nos anos 70’, explica o diretor. É, de novo, a história de Operação Condor e ele gostou do documentário de Roberto Mader. Seu filme vai ser diferente – um misto de documentário e realidade reconstituída, aquilo que se chama de ‘docudrama’. O título veio de uma frase do brasilianista Jordan Young, entrevistado por Oliveira em Washington. Oliveira perguntou a Young o que diria a Manoel Fiel Filho, sobre o envolvimento do seu governo na máquina de tortura e morte montada na América do Sul, há mais de 30 anos. A resposta dele virou título do filme de Jorge Oliveira. Sorry, Mr. Fiel. Perdão, Mr. Fiel.


Para a mulher e as filhas do ex-metalúrgico Fiel, não é fácil debruçar-se sobre uma fase tão dolorosa da vida de todas. ‘Somos espiritualistas kardecistas e sabemos que só os ossos de meu pai estão aqui neste cemitério’, diz Márcia, que tinha 16 anos, na época. Para ela, Manoel está hoje em outra esfera da vida espiritual, mas o uso que o diretor faz de O Bêbado e a Equilibrista, ajustando o final de seu filme – parte filmado em Brasília, parte no Tatuapé – à duração da música, amolece qualquer coração. ‘Já choramos todas as nossas lágrimas’, Aparecida acrescenta. ‘Mas a emoção ainda é muito forte.’ Aparecida tinha 19 anos e já estava casada – grávida – na época. No cemitério da Quarta Parada, o diretor usa o cronômetro para marcar o tempo da música, sobre as imagens de mãe e filha que depositam as rosas no túmulo de Manoel Fiel Filho. A derradeira imagem do filme será justamente a das rosas vermelhas, pousadas sobre a lápide.


A música tem quase 4 minutos – 3min40 – e os dois minutos iniciais foram gravados no Pólo de Cinema de Sobradinho, próximo a Brasília. Foi lá que Oliveira reconstituiu a cela do DOI-Codi em que o corpo de Manoel, interpretado pelo ator Roberto de Martin, é encontrado no chão, repleto de hematomas e enforcado com a própria meia de náilon azul. O filme é em preto-e-branco, com alguns detalhes coloridos, como a rosa vermelha da última cena. No estúdio em Brasília, o macacão de Manoel também tem cor – azul -, mas o restante da cena foi feito em preto-e-branco, o que permite ao diretor fazer a fusão de uma tarja na cela com o preto dos vestidos das três mulheres no cemitério. ‘É um filme tenso, uma luz crua’, define o diretor. A cena de tortura foi a mais difícil. ‘Ficou um clima pesado’, diz o diretor, que gravou – com equipamento digital – durante duas semanas. ‘Fiquei mal’, acrescentou o ator De Martin.


Embora a última cena tenha sido feita no domingo passado, Oliveira ainda colhe depoimentos essenciais para o quadro amplo que pretende traçar. Na segunda-feiora, ele entrevistou, em São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ainda aguarda o sinal verde para entrevistar, em Brasília, o presidente Lula. Oliveira anuncia que quer cobrar do presidente seus recentes elogios a governos militares. ‘Manoel era metalúrgico como ele e tem gente que agora acusa o presidente de traição aos companheiros que caíram.’ Oliveira espera poder estrear seu filme no Festival de Brasília, em novembro. Antes disso, é provável que Perdão, Mr. Fiel ganhe mais algum destaque na mídia por um detalhe que não é irrelevante. A injustiça em relação a Manoel Fiel Filho é tão grande que, até quando a União se dispôs a indenizar familiares e vítimas do regime militar, a viúva do operário recebeu uma das menores indenizações que foram pagas pelo Estado. Thereza de Lourdes Fiel está recorrendo da decisão. O dinheiro não vai remediar o sofrimento de 32 anos de dona Thereza, mas é uma questão de Justiça e ela vai brigar pelo que lhe é de direito. O mais incrível foi o que o diretor descobriu ao investigar o assunto. Manoel Fiel Filho foi preso por engano. A polícia política procurava um agente cujo codinome era Fiori. Na confusão dos nomes, Manoel foi preso – e morto. Mas seu sacrifício não foi em vão. A distensão de Geisel deve muito à dor da família Fiel.’


 


 


 


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