Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ladeira abaixo, de mãos dadas

O seqüestro mais longo da história do país. Motivo: passional. Dois jovens. Negociação tensa. Final trágico. Elementos perfeitos para uma novela, certo? Pois parece que foi exatamente assim que a imprensa brasileira tratou o caso de Santo André.

Foram tantos absurdos que fica difícil enumerar. A entrevista ao vivo do seqüestrador em programa de fofoca; o Big Brother instalado 24 horas em frente à casa; os pedidos de ‘não faça isso, desista’ em rede nacional.

Rodrigo Pimentel, ex-comandante do Bope, disse que a atuação da imprensa foi desastrosa e extremamente prejudicial. Segundo ele, um dos argumentos mais comuns do negociador é tentar convencer o seqüestrador de que aquele crime é pequeno, que o fato de ser réu primário ajuda muito, que até aquele momento ele não tinha feito nada de tão grave com a menina. Mas o circo da imprensa contradisse todos esses argumentos. Lindemberg sabia que estava em rede nacional e, por isso, sua atitude já havia tomado grandes proporções.

Preço alto

A polícia de São Paulo contribuiu muito para a ação desmedida da imprensa, é verdade. Permitir o retorno da amiga ao apartamento e as entrevistas com seqüestrador foram só alguns exemplos do amadorismo da equipe. Isso sem falar da ingenuidade ao estourar a bomba: será que eles não imaginaram que haveria obstáculos atrás da porta? E que, se não fosse aberto o buraco, as meninas correriam sério risco? Não teria sido mais fácil aproveitar os instantes de sono, de distração de um seqüestrador sem experiência?

Que azar. Logo neste caso, em que a polícia e a imprensa trabalharam juntinhos, o resultado foi tão desastroso. Talvez seja isso: quando a imprensa realmente enxergar que o papel de investigação pertence à polícia e quando esta fizer questão de menos holofotes, algo pode mudar. Enquanto isso, pessoas inocentes pagam o preço. Alto.

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ