Outro dia, ouvindo o programa Caminhos Alternativos, da rádio CBN, percebi o quanto a técnica da boa entrevista vem sendo negligenciada entre os coleguinhas. Caminhos Alternativos é um bom programa, que ouço regularmente, até porque aborda questões que não entram na pauta convencional por preconceito ou receio de desmoralização do veículo. Algo como: ‘Melhor não tratar disso aí porque vão achar que nós somos um bando de bichos-grilos e os anunciantes vão dar o fora.’
Louve-se, portanto, a coragem da CBN em lançar e manter um programa como Caminhos Alternativos. Mas, nem tanto ao mar nem tanto à terra. Não é pelo fato de tratar de temas estranhos à pauta habitual que repórteres devem, necessariamente, abrir mão de sua principal arma diante do entrevistado: a contestação, o contra-argumento, a contraposição de fatos ou informações, o contraditório.
Já escrevi e repito que entrevista não é interrogatório. Repórter algum tem o direito de ir pra cima do entrevistado de arma em punho, exigindo respostas. Todo mundo tem o sagrado direito de responder ou não responder. A menos que seja uma figura pública, que deva explicações dos seus atos à comunidade a que serve, ninguém tem a obrigação de responder a coisa alguma. Se nem nos interrogatórios existe tal obrigação, quanto mais numa entrevista jornalística… O que não isenta os jornalistas de perguntarem o que precisa ser perguntado e assim colocar-se como olho e ouvido da opinião pública diante do entrevistado. Isso vale para qualquer entrevistado, desde os detentores de mandatos, os juízes, os especialistas em nanotecnologia e os vendedores de hortaliças.
Durante a última campanha presidencial, diariamente os repórteres estavam diante dos candidatos. Mas pareciam interessados em apenas ouvir o que tinham a dizer, e não em perguntar o que precisava ser perguntado. Posso estar enganado, mas quando Serra lançou aquela bobagem de dar décimo-terceiro para os beneficiários do Bolsa-Família não soube de qualquer repórter que tivesse simplesmente contraditado o candidato com o argumento de que décimo-terceiro se dá a assalariado. Bolsa-família é um benefício, e não salário. Serra seguiu defendendo a bobagem. Nossos bravos coleguinhas seguiram acompanhando o candidato, fazendo festinhas pelas feiras onde tomava cafezinho, pelas caminhadas onde sofria ataques aéreos de bolinhas de papel e seguia o baile. O mesmo acontecia com Dilma, que apresentava diariamente um Brasil irreal na TV, edulcorado e maravilhoso, onde jorrava leite e mel. E não vi quem argumentasse com a realidade, segundo a qual os índices de desenvolvimento e de civilização no Brasil ainda nos situam em patamares baixíssimos em relação ao resto do mundo. E lá ia seguindo o baile.
Deixem que vá cuidar da vida
No Caminhos Alternativos, tive um exemplo concreto dessa atitude bovina que vimos perigosa e acomodadamente assumindo. Uma especialista em alimentação natureba era a entrevistada do dia. Discorria sobre o tema, mostrando as vantagens deste ou daquele alimento quanto, de repente, foi indagada sobre a laranja, ao que respondeu dizendo tratar-se de verdadeiro veneno para os rins, e que, portanto, precisava ser evitada. Até aí morreu Neves, é a opinião dela e ninguém tem nada com isso. Ou tem? Claro que tem. Se considerarmos a produção mundial de laranjas, vamos verificar que a fruta é uma das mais consumidas do mundo. Neste ponto do artigo, tenho uma vontade danada de ir ao Google verificar quantas toneladas/ano chegam ao mercado em todo o planeta, mas vou me conter na tentativa de me colocar no lugar das jornalistas do programa. Que tinham a obrigação de simplesmente perguntar a ela alguma coisa próxima de: ‘Mas, escuta, fulana: no mundo inteiro se toma suco de laranja. Se fosse mesmo veneno para os rins uma boa parcela da humanidade já teria ido pro beleléu, não lhe parece?’ Talvez para não constranger a entrevistada, nós, ouvintes da CBN perdemos a chance de ouvir da especialista uma resposta à indagação que deve ter passado pela cabeça de todo mundo que a ouviu falar mal da laranja.
É apenas um exemplo. Mas serve para demonstrar que independente do programa em que se insere o convidado, jornalista existe pra perguntar. Normalmente, jornalista é chato por perguntar ‘o que não deve’ e por bisbilhotar onde nunca antes na história deste país alguém bisbilhotou. Agora, deixem que vá cuidar da vida. Preciso repor o estoque de minhas laranjas senão vou ter de sair sábado de manhã para o supermercado. E corro o risco de perder mais uma edição de Caminhos Alternativos, da rádio que toca notícia, um ótimo programa, com as minhas queridas colegas Fabíola Cidral e Petrea Chaves.
******
Jornalista e professor