Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Laura Mattos

‘A Corte de Falências do Distrito Sul de Nova York recusou, na última quinta-feira, o pedido de três fundos de ações que solicitavam que a Justiça dos EUA reorganizasse as dívidas da Globopar.

A ação pretendia que a empresa brasileira fosse enquadrada no capítulo 11 do Código de Falências dos Estados Unidos. A juíza Prudence Carter Beatty, porém, emitiu decisão em favor da Globopar.

Segundo o porta-voz da empresa em Nova York, Joel Weiden, a juíza concordou com a argumentação da companhia, que afirmava que uma corte americana não é o foro adequado para reestruturar suas dívidas. Ainda segundo a juíza, a ação de petição involuntária sob o capítulo 11 movida pelos fundos não conseguira atender a nenhum ‘propósito legítimo’, já que a empresa não possui bens em território americano.

A petição involuntária sob o capítulo 11 do Código de Falências dos EUA é um dispositivo legal segundo o qual um grupo de credores pede a falência da empresa devedora e a intervenção da Justiça para reorganização de dívidas.

Em teoria, os advogados que representam os fundos de ações poderiam recorrer da decisão. Procurado pela Folha, o escritório Fried, Frank Harris Shriver & Jacobson, que representa os credores que entraram com a ação da Corte de Falências do Sul de Nova York, não comentou o caso.

Nota

‘Temos feito progressos significativos nas discussões com nossos grupos de credores em relação a uma programação de pagamentos consensual entre o nosso banco e as nossas dívidas. Esperamos continuar essas discussões e apresentar um plano para eles [os credores] num futuro próximo’, afirmou Ronnie Vaz Moreira, presidente da Globopar, em nota divulgada para a imprensa.

O porta-voz da empresa em Nova York disse que a apresentação da proposta de renegociação das dívidas por parte da Globopar deve ocorrer ainda em março.

Em dezembro de 2003, o gestor de investimentos W.R. Huff Asset Management

entrou com uma ação contra a Globopar na Justiça americana solicitando a renegociação judicial de uma dívida vencida no valor de US$ 94,3 milhões.

À época, a empresa declarou que o W.R. Huff era um fundo ‘abutre’. No jargão do mercado, o termo significa investidores que compram papéis de empresas em dificuldades para obter condições vantajosas de renegociação.’



O Globo

‘Globopar: juíza nega pedido de falência’, copyright O Globo, 21/02/04

‘NOVA YORK. A Corte de Falências de Nova York negou, quinta-feira passada, o pedido de falência da Globo Comunicações e Participações S.A. (Globopar), impetrado por um grupo de credores em 11 de dezembro do ano passado. Segundo a agência Dow Jones, a juíza Prudence Beatty não viu substância no pedido.

O pedido havia sido feito por três empresas, detentoras de US$ 94 milhões em papéis da Globopar. O grupo é formado por um fundo de investimentos controlado pela General Motors (GM), uma instituição de caridade em Nevada e um fundo administrado pela W.R. Huff Asset Management Co. Dos três, a Huff é o maior detentor de papéis da Globopar, com US$ 63,6 milhões, de acordo com a petição.

Segundo a Dow Jones, a juíza disse não acreditar que o contexto permitia a uma corte americana assumir a jurisdição do caso.

— Não acredito que isso sirva aos propósitos da Corte de Falências — disse a juíza.

Não-existência de ativos nos EUA foi fator decisivo

Prudence também afirmou que os queixosos não tinham as qualificações necessárias para fazer tal pedido e que o caso não tinha substância.

O grupo de investidores se queixa de uma dívida de US$ 1,5 bilhão da Globopar que deixou de ser paga no fim de 2002 por causa da desvalorização do real.

Para a juíza, foi crucial o fato de a Globopar não ter ativos nos Estados Unidos. Prudence considerou que seria inútil pedir que os fundos no Brasil fossem enviados aos EUA:

— Nenhuma ordem determinando o envio de ativos ou qualquer porção destes para os EUA seria honrada pelas cortes brasileiras.

Empresa deve apresentar nova proposta mês que vem

A Globopar deve apresentar uma nova proposta para reestruturar sua dívida até o fim de março.

— Estamos satisfeitos. Conseguimos o alívio que buscávamos — disse o advogado da Globopar, Michael Wiles. — Queremos ter discussões produtivas com nossos credores.

Já a advogada dos credores, Bonnie Steingart, disse que vai estudar uma apelação.

A Globopar divulgou ontem uma nota sobre a decisão da Justiça americana.

‘Em 19 de fevereiro o tribunal decidiu a favor da posição da Globopar, alegando que o processo nos Estados Unidos era inadequado, uma vez que a Globopar é uma empresa brasileira e não tem ativos nos EUA. A Corte americana decidiu que o pedido de concordata involuntária não tem nenhum fundamento legítimo e que o caso deveria ser suspenso’, afirma a nota, assinada por Ronnie Vaz Moreira, presidente da empresa.

‘Vejo considerável progresso em nossas discussões com os grupos de credores a respeito de uma reprogramação consensual de nossa dívida bancária e de títulos de crédito. Esperamos dar prosseguimento a essas discussões e apresentar um novo plano no futuro próximo’, diz Moreira.’



GLOBO vs. INTERNACIONALIZAÇÃO
Laura Mattos

‘Globo quer incentivo estatal para produzir’, copyright Folha de S. Paulo, 18/02/04

‘Em encontro com cineastas, a diretora-geral da Globo, Marluce Dias da Silva, defendeu que a TV receba incentivo do governo para produzir ‘conteúdo nacional’.

A declaração foi dada nos dois almoços que a emissora realizou para receber um grupo de mais de 30 representantes da indústria cinematográfica nacional, nos últimos dias 5 e 6, no Projac (central de estúdios da Globo, no Rio). A recepção durou mais de dez horas e incluiu até visita à cidade cenográfica da novela ‘Celebridade’.

Por trás do clima cortês, o convescote teve por objetivo angariar apoio da classe em duas das principais empreitadas políticas da Globo: 1) evitar que o governo obrigue as TVs a exibir cotas mínimas de programação regional e produção independente; 2) impedir a taxação da TV para fomento da indústria cinematográfica.

Esses dois ‘fantasmas’ que assombram a Globo estão sendo debatidos pelo governo federal. Poderiam vir à tona na transformação da Ancine (Agência Nacional do Cinema) em Ancinav (do Audiovisual, incluindo as TVs).

Para organizar os almoços, Marluce contou com a assessoria do veterano Roberto Farias, membro do recém-criado Conselho Superior de Cinema (acima da Ancine) e pai de Maurício Farias, diretor da série global ‘A Grande Família’. Para parte do setor, a Globo defenderá seu nome para a presidência da futura Ancinav.

Quando Marluce defendeu leis de incentivo para que as TVs produzam ‘conteúdo nacional’, Farias disse achar justo fomento até para telenovelas. Farias e Marluce dividiram os cerca de 30 cineastas em dois grupos. Estavam presentes Luiz Carlos Barreto, Cacá Diegues, Sandra Werneck, Lucy Barreto, Walter Lima Jr., Alain Fresnot, Paula Lavigne, Diler Trindade, Hugo Carvana, Gustavo Dahl, Aníbal Massaíni, entre outros.

Eles chegaram ao Projac por volta das 10h. Após um ‘tour’ por estúdios, foi servido um almoço. Das 15h30 às 20h30, aconteceu a reunião com Marluce.

A diretora-geral fez uma longa exposição sobre os investimentos da emissora em produção nacional. Dentre os exemplos, citou a parceria com a produtora O2, de Fernando Meirelles (‘Cidade de Deus’), para a série ‘Cidade dos Homens’. Várias vezes falou em ‘defesa do conteúdo nacional’, afirmou que a Globo faz isso por idealismo, amor ao país. Disse que o Canal Brasil (do qual é sócia) está ‘no vermelho’, mas continuará no ar por exibir produções brasileiras. Tentou convencer o grupo de que a Globo está aberta à produção independente. ‘Falem com o Cadu’, repetia, referindo-se a Carlos Eduardo Rodrigues, diretor da Globo Filmes.

Marluce também disse estar disposta a criar uma campanha ‘Vá ao Cinema’. O tempo todo, fugiu de polêmicas e evitou que a conversa ganhasse ar de debate. Quando Barreto tentou defender as cotas, ela afirmou que a ocasião não era apropriada para essa discussão. A Folha conversou com convidados e excluídos dos dois almoços da Globo e ninguém quis ser identificado. Há os que se animaram com a aproximação com a emissora e os que desconfiam de que seja apenas uma maneira de tentar barrar a Ancinav.’



Laura Mattos

‘É incoerente taxar a TV para apoiar o cinema’’, copyright Folha de S. Paulo, 18/02/04

‘Presente aos almoços com cineastas, Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, afirmou que a iniciativa faz parte de um antigo projeto de Marluce de apoiar a cultura brasileira.

Ele afirmou que a restrição da Globo às cotas é ‘doutrinária e antiga’. ‘Não há um só projeto estabelecendo cotas de regionalização e produção independente que já não seja atendido com sobras pela Globo. Cotas não contribuem para produção de qualidade.’ Sobre a taxação, disse: ‘Consideramos incoerente subtrair de um empresa que produz 2.500 horas de teledramaturgia nacional, oferecida gratuitamente, para subsidiar outra iniciativa privada, esta paga e de alcance menor.’’



Esther Hamburguer

‘O que se vê por trás do nacionalismo na TV’, copyright Folha de S. Paulo, 18/02/04

‘Há uma misteriosa onda nacionalista no ar.

‘Brasil. A gente se vê por aqui’ é o mote de vinhetas da Globo que prestam homenagem a figuras tão diversas como a socialite Eleonora Mendes Caldeira, o ator Luiz Gustavo, políticos e secretários de Estado. A campanha da emissora afirma o papel de suas próprias produções na cultura nacional e se associa a personalidades.

Esse foi o espírito das reportagens especiais exibidas pelo ‘Jornal Nacional’ na semana passada. Ecoou também na palestra de Ariano Suassuna. O escritor se posicionou contra o império do gosto médio e a massificação da cultura. O discurso ortodoxo do mestre contrastou com o contexto em que ele foi proferido: a abertura de um evento televisivo.

O autor de ‘O Auto da Compadecida’, que adaptado para a TV conseguiu sintetizar qualidade de produção e quantidade de público, gerou polêmica entre as estrelas da TV e do cinema que participaram do seminário na PUC de São Paulo. Afinal, por que tanto nacionalismo?

A Folha de domingo trouxe pistas. A ótima reportagem de Elvira Lobato sobre o endividamento das empresas de mídia chama a atenção para negociações em curso entre associações do setor e o BNDES.

Dados comparativos indicam que a dívida da Globo é maior que a de outras emissoras. Empresários afirmam não ter conhecimento da proposta encaminhada pelo setor ao governo. Desconfiado, um dirigente da Record se declara contra soluções que privilegiem uns em detrimento de outros.

Mônica Bergamo, no mesmo dia, informa que a Globo busca a parceria de cineastas contra a taxação de produtos audiovisuais pretendida pelo Ministério da Cultura. Fala-se ainda na luta para garantir a manutenção do limite atual de 30% de participação de capital estrangeiro em empresas de comunicação.

É no que não se vê que aparecem explicações para o que se vê. O que não se vê é uma dívida em moeda estrangeira que provavelmente será alongada e nacionalizada com fundos públicos. O que se vê é a busca de apoios para legitimar a operação. Resta saber como e quanto essas articulações garantirão o desejável fortalecimento e diversificação do cinema e da TV brasileira.’