A ‘liberdade de expressão comercial’, mais uma vez, está sob ameaça, na opinião do segmento publicitário brasileiro, segundo as maiores entidades, que o representam. Nesta semana, veicularam nos grandes jornais do país um informe dirigido às autoridades e ao mercado publicitário, no qual afirmam que as potenciais restrições – encabeçadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária): proibição da participação de artistas, limitação das mensagens e alertas aos danos causados pelo consumo em anúncios de bebidas alcoólicas, seriam ilegais, dado que a Anvisa não tem competência para legislar sobre a propaganda.
Esta é a argumentação do informe – assinado pelo Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) e federações do segmento como a Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda).
Como está na Constituição, compete à União legislar sobre publicidade: ‘À lei federal (compete) estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem (…) da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente’ (Art. 220, parágrafo 3º, inciso II); e também que ‘a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso’ (Art. 220, parágrafo 4º).
Riscos à saúde
Quem leu o informe, é capaz de jurar que o setor publicitário está pronto para brigar do ponto de vista da legalidade, pelo cumprimento do texto constitucional. De onde se pode prever uma boa batalha jurídica. No país dos bacharéis, autoridades ligadas ao Ministério da Saúde, Anvisa e outros setores do governo, têm ponto de vista diferente sobre a competência em legislar sobre a publicidade de produtos que afetam a saúde e o meio ambiente.
Os publicitários têm aí a possibilidade de perder mais uma contenda, como na questão da publicidade exterior, em São Paulo, em que prevaleceu a legislação municipal, que decretou a ‘Cidade Limpa’, e acabou com outdoor e letreiro escandaloso e outras manifestações não padronizadas, que poluíam a cidade.
Como se vê, tem-se aí uma boa briga do ponto de vista da comunicação. Afinal, parecem ter esquecido a maior interessada nessas questões: a sociedade.
Afinal, nem precisa de pesquisa para saber que a sociedade não tem informação, nem educação, nem conhecimento sobre a produção e o uso de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e outros produtos que oferecem risco à saúde. Quem não conhece direito um assunto, é facilmente influenciado e demoniza, num piscar de olhos, qualquer coisa. Que o digam os fundamentalismos religiosos, comportamentais e políticos, desde que o mundo é mundo.
Solução duradoura
Portanto, a má reputação desse tipo de produto é historicamente reforçada a partir do desalinhamento das mensagens comerciais, contra as quais a sociedade reage, por meio do Conar, que ao julgar procedente, as coíbe, impedindo sua veiculação, sem que ninguém atue no cerne da questão: é preciso informar, na mídia de massa, que é possível beber de forma responsável, que é possível aspergir agrotóxico de forma responsável.
A solução duradoura, definitiva, ligada à legitimação de produtos potencialmente perigosos para a saúde e para o ambiente deve, obrigatoriamente, fazer uso de duas vertentes de comunicação: aquela que educa o consumidor a se relacionar de maneira responsável com o produto e a outra, que promova a venda e o consumo deste produto.
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Jornalista, professor da ECA-USP e presidente executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)