Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Lei dos EUA protege processados em outros países

O presidente Obama assinou uma nova lei que salvaguarda jornalistas americanos contra condenações da Justiça de outros países por coisas que seriam protegidas pela garantias de liberdade de expressão da Constituição americana. O Washington Post nota que um destes jornalistas é Joe Sharkey, alvo de uma ação na Justiça brasileira, impetrada por uma viúva do acidente com o Gol, voo 1907, que não gostou do que ele escreveu – e do que ele não escreveu, também.


Joe Sharkey tem seus desafetos entre jornalistas brasileiras. Ele divergiu da manada de esquerdistas reflexivos que somente descartaram uma teoria que culpava os pilotos americanos quando aparaceu outra teoria para colocar a culpa onde, por necessidade ideológica, só poderia caber.


Pela experiência do passado, teremos logo um release de uma Associação que representa uma pequena fração das famílias das vítimas (mas finge que fala por todas), seguido por comentários na imprensa. O release vai desinformar e os comentaristas vão se mostrar desinformados. Haverá críticas ao ‘desrespeito à soberania brasileira’ e insinuações de que uma lei americana foi necessária para defender Sharkey numa causa em que perderia no mérito.


A petição inicial


Antes disso, vamos fazer jornalismo ao estilo de Sharkey – expondo os fatos, sem papas na língua. E o fato é que a ação contra Joe Sharkey, impetrada na 18ª Vara Civil de Curitiba, é não somente completamente desprovida de mérito, e desamparada de provas, mas sem pé nem cabeça. Os textos do qual o autor reclama na petição inicial nem são os apresentados nas cem páginas de ‘provas’ anexadas.


Os supostos insultos que Joe Sharkey teria dirigido contra o Brasil são, em uns casos, comentários de outras pessoas, em outros blogs. O texto sobre Santos Dumont que feriu o brio da viúva é uma tradução de uma matéria que saiu no Jornal do Brasil no Dia de Aviador. A viúva reclama do insulto ‘banana’, mas, vendo as provas, o autor não foi Joe Sharkey e o alvo não foi Brasil: é algo que senador Demóstenes Torres disse sobre o então ministro Waldir Pires, conforme O Gklobo.


Para facilitar o trabalho de algum jornalista brasileiro que prefira se basear em fatos, e não em boatos – se houver um sequer – publico hoje no meu blog (que focaliza outros crimes de imprensa em curso) um scan da petição inicial, que recebi pelos bons ofícios do dr. Jefferson, do Sindicato de Jornalistas em São Paulo, junto com uma tradução para o inglês.


Os documentos disponíveis


As ‘provas’ anexadas, umas cem páginas, somam mal escaneadas 47 megabytes e seriam tão inconvenientes para postar quanto para ler. Felizmente, o totalidade das ‘provas’ se resume ao documentos disponíveis na internet e seis parágrafos com links permitem acesso direto aos fontes. A ‘lista de documentos’, nas páginas 4 e 5 da notificação recebida por Joe Sharkey, diz que as ‘páginas 1 a 50 do blog do réu’ se encontravam nas fls. 13 a 58 do calhamaço. Só que 58 menos 13 dá 45. Algo está faltando, apesar da numeração sequencial da 18ª Vara. Mas quem quer ver o conteúdo pode encontrá-lo em http://sharkeyonbrazil.blogspot.com, do mais recente até 03/09/2007.


Depois disso, tentei identificar o origem dos documentos. Todos, das fls. 12 a 69 e 75 a 81, são identificados como sendo ‘do blog do réu’. Fls. 12 é, daqui, e fls. 13 à 58 como notado acima.


Mas as fls. 59 a 62 são do blog do Marcelo Ambrósio, no site do Jornal do Brasil   e as fls. 63 a 66 são das páginas 25 a 28 da transcrição da sessão da CPI do Apagão Aéreo da Câmera, de 17/09/2007, em que é lido uma carta da própria autora da ação.


A página 67 é isso, e as fls. 68 e 69 são de Joe – não do blog, mas de sua coluna no New York Times.


As fls. 75 a 78 são, sim, do blog de Joe; aqui, mas as fls. 79 a 81 são de outro blog.


O restante é traduções de inglês para português (muitos vezes de documentos que fizeram o caminho inverso e incluíram links para o português original) e coisas de advogado.


O futuro dos jornalistas brasileiros


A liberdade permite que qualquer um tenha sua opinião. O direto de ter sua própria opinião, porém, não dá o direito de ter seus próprios fatos. A ação contra Joe Sharkey é, de fato, isso que exponho acima e para qual providencia o link.


Se você, jornalista, não quiser ler o que postei, ou desconfiando da minha honestidade ou competência, não quiser verificar os papéis no cartório da 18ª Vara de Curitiba, não posso impedir que você escrever que eu ‘alegava’ tal e vá fazendo seu ensaio baseado no que você acha que os fatos deveriam ser. Mas peço que, fazendo isso, você não alegue que está fazendo jornalismo. Estaria combinando o desejo de opinar com a preguiça de trabalhar, e só.


É assim que foi feito a cobertura do acidente de Gol 1907. Foi contra isso que Joe Sharkey travou sua luta. O que ele fez no caso Gol 1907 foi jornalismo, no sentido pleno, expondo a verdade que as autoridades preferiam esconder. A ação da viúva de Curitiba, infundada, mas nem por isso inconveniente, foi uma tentativa de censura.


A nova lei americana protege Joe Sharkey contra a Justiça brasileira, que permitiu que uma ação fosse impetrada e prosseguiu. Os jornalistas brasileiros que não compraram esta luta – pois Joe defendeu os que a imprensa daqui já tinha escolhidos como os culpados – não contaram com Obama. O precedente deste ação de Curitiba pesa sobre o futuro dos jornalistas brasileiros, e não sobre Joe Sharkey, que fez seu papel e foi embora.

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Formado em Filosofia pela Universidade de Yale e consultor empresarial