Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Leitor, quem dá a ordem é você!

Em tempos de bancário, um colega foi designado para um setor onde havia um descalabro – entre outras coisas, um arquivo onde todos metiam as mãos. O resultado era sempre o caos de nada se achar. Ao chegar e colocar o tal arquivo pela enésima vez na ordem, e ouvir quase religiosamente a inépcia da sua manutenção, surpreendi-me vendo-o sentado à mesa, envolto em seus afazeres, e um baita aviso acima do nefando arquivo: ‘Colega, quem dá a ordem é você!’ Olhei algumas vezes entre o aviso e o olhar sorrateiro sobre os óculos e a ironia no sorriso, e entendi prontamente. Lição para toda vida. Como pode, em poucas palavras, alguém resumir tanto um caos e apresentar uma solução tão simples! Tínhamos a capacidade de organizar, desorganizar, ordenar e contra-ordenar e não sabíamos.

Argumentar em alguns sítios na internet, tanto de esquerdopatas como direitopatas, é um verdadeiro caos de consciência. O que se vê é muita gente desorganizando, achando e não encontrando e, sobretudo, ordenando o que não podem. Caberia um vírus intrometido, com olhinhos maliciosos, a acenar com um banner: ‘Internauta, quem dá a ordem é você!’

Quando, na época FHC, procuradores de plantão levantaram acusações contra os postos situacionistas, e pareciam mais preocupados em participar da festa e dos holofotes do que cumprir e fazer valer as instituições, lançando torpedos acusatórios a torto e a direito, deveriam ter comparecido a uma salinha qualquer ao encontro de óculos baixos e sorriso irônico e ler bem alto o cartaz: ‘Procurador, quem dá a ordem é você!’

Para onde foi todo mundo?

Empresários se queixam de terem de se valer de expedientes para conseguir alguma coisa de produtivo para suas empresas, reclamam de impostos altos, não enxergam que os expedientes, digamos, extra-negócios, é que, na verdade, alimentam todo o processo como um moto-contínuo. Preferem reclamar da vida ao invés de abrir uma salinha nas suas federações, colocarem uns óculos e um sorriso irônico e lerem com atenção e em voz alta: ‘Empresário, quem dá a ordem é você!’

A classe média, acuada pelos seguidos assaltos e balas perdidas, procura os culpados, como a desagregação familiar, a incapacidade dos governos, a corrupção da polícia e o poder dos traficantes, mas, assim como os empresários que se queixam da corrupção, também não enxergam que quem usa droga e pode pagar por ela é quem alimenta o poder de traficantes. Talvez precise de óculos e sorriso irônico, sob a claque de malabaristas nos sinais, com uma faixa indicativa: ‘Classe média, quem dá a ordem é você!’

Na sucessão de casos em que algumas figuras são acusadas, como aquele assessor do FHC, do assessor do Lula, do Ibsen Pinheiro, do Alceni Guerra, a imprensa fomentou a acusação, mas quando a inocência se fez clara, para onde foi todo mundo? Saíram rapidamente. Não leram a contracapa presumível de qualquer órgão de imprensa, talvez porque os óculos caíram e o sorriso sumiu: ‘Jornalista, quem dá a ordem é você!’

Discursos metafóricos

A ambição de lucros, seja de empresa aérea ou terrestre, é a mesma coisa. Qual a diferença entre voar com aparelhos defeituosos na busca do maior número de passageiros e jornais e revistas que querem vender em maior número? Nenhuma. No final, sempre se pode culpar o piloto ou o repórter. Os dois podem ser despedidos. Um da vida, o outro da profissão.

Nesse tempo de reality shows, todos querem dar a sua espiadinha nas investigações, não importa se a nudez é apenas uma ida ao chuveiro, ou antever um possível culpado. As reputações, bem… Afinal, investigar é caminhar para a verdade ou criar provas para a teoria da hora?

Mas, e a sociedade? Nós, brasileiros comuns? Produto fora da validade, empresas que não prestam os serviços a contento, governos pressionados por interesses pessoais, parlamentares que buscam o palco fácil das CPIs, imprensa que não informa, mas deforma e argumenta por nós. ‘Brasileiro, quem dá a ordem é você!’

E, principalmente, um presidente que, do alto de sua popularidade, deveria pelo menos ler os discursos que lhe são feitos. São mais seguros, mais corretos. Ou então, colocar-se mais para discussões. Aferir os óculos, abandonar os discursos metafóricos e mostrar quem é o presidente: ‘Lula, quem dá a ordem é você!’

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Aposentado, Juiz de Fora, MG