Leitores de jornal, tanto impresso quanto na internet, têm uma vantagem sobre consumidores de TV. A edição, que é uma hieraquização do conteúdo em nome da boa forma (ou seja, uma das muitas formas de censura), ataca com menor voracidade o jornal do que a televisão. Nesta, o problema de espaço é crítico. Naquele, menor. Reportagens mais detalhadas, análises, artigos de opinião são coisa rara na TV. Refiro-me à TV aberta, obviamente, já que a TV a cabo oferece todo tipo de conteúdo, inclusive CPIs na íntegra e ao vivo.
Acontece que, se a TV aberta se espalhou como um câncer (sim, a analogia é pertinente), alcançando praticamente todas as camadas sociais da população brasileira, a TV a cabo, a internet e, principalmente, os jornais impressos, são ainda itens de luxo, acessíveis apenas à classe média econômica do país. Que, diga-se de passagem, não corresponde à média, mas à minoria (o Brasil é um país bizarro).
Não bastasse isso, acontece um fenômeno perverso com nossa elite (por ‘elite’, entenda-se ‘classe média’): a maioria é analfabeta, como disse o escritor Bernardo Carvalho, em entrevista ao jornal literário Rascunho, de agosto de 2007. O pior tipo de analfabeto, que é o voluntário. Sabe ler, mas não quer. Tem preguiça. Não lê livros nem jornais. A não ser as colunas de fofocas.
É a regra do jogo
Pois bem. Caso tenha chegado até esse quarto parágrafo incólume, você deve ser um integrante da elite alfabetizada, a quem um texto com mais de três sentenças não cansa. Se, além disso, você não for filiado a qualquer partido político, nem eleitor fanático (daqueles que encaram uma eleição como se fosse jogo de futebol em que vale tudo, até roubo de juiz e gol com a mão, desde que favorecendo seu time), e ainda por cima acreditou e votou no Lula alguma vez na vida, então você, como eu, já deve ter formado seu juízo a respeito do mensalão.
Certamente está se perguntando: por que o procurador não incluiu o presidente entre os denunciados? Por que o maior beneficiado pelo esquema, que, sem dúvida, sabia de tudo (quem acredita, sinceramente, espera a chegada do Papai-Noel pela chaminé todo ano), ficou de fora? Simples. Porque, embora todas as evidências apontem para um crime doloso contra a vida da democracia, ele foi absolvido pelos eleitores-jurados. ‘Inocente’, foi o veredicto. Aos leitores-juízes só cabe acatar, nada podemos fazer. Essa é a regra do jogo. E nós temos o péssimo defeito de respeitar leis e normas morais. Caso contrário, desceríamos ao nível dos mensaleiros.
******
Médico, cronista do jornal O Popular (Goiânia, GO), autor de Epitáfio (Nankin Editorial)