Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Lenda viva do rádio e da TV

Aos 75 anos de idade e 60 de profissão recém-festejados, Léo Batista é um dos mais antigos locutores esportivos em atividade. Começou a trabalhar na adolescência, no serviço de alto-falantes de Cordeirópolis, interior de São Paulo, onde nasceu em 22 de julho de 1932, e estreou como redator na Rádio Globo, no Rio, para onde se mudou no início da década de 50. Mais tarde transferiu-se para a extinta TV Rio, onde durante 13 anos comandou o Telejornal Pirelli, à época um dos mais prestigiados do país.

Em 1970, ingressou na TV Globo, onde está há 37 anos e só não é mais antigo que o colega Cid Moreira. Na emissora, inaugurou o Hoje, participou do Jornal Nacional, narrou os gols da rodada no Fantástico, e tem microfone cativo no Globo Esporte e no Esporte Espetacular.

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Você começou a trabalhar muito cedo…

Léo Batista – Sim, para ajudar a família, mas primeiramente de garçom, numa pequena pensão que meu pai havia montado.

Quando surgiu o interesse pelo rádio?

LB – Sempre gostei do veículo. Em 1947, estreei ao microfone a convite de um primo, Antônio Beraldo, que inaugurou em Cordeirópolis um serviço de alto-falantes, muito comum nas cidades pequenas. O estúdio ficava numa praça perto do prédio da pensão e eu fui o último a fazer o teste. Li um anúncio, anunciei uma música e, quando vi, estava dando as notícias. Meu primo gostou e disse que eu seria o seu locutor. Achei que ele estava maluco só de pensar em apresentar essa idéia ao meu pai, um italiano queixo-duro que já estava contrariado por eu haver deixado a escola para ser garçom.

Qual foi a reação dele?

LB – A que se esperava, principalmente porque naquela época, gente de rádio, artista, músico, compositor e cantor eram todos mal-vistos, por causa da vida boêmia. A sociedade tinha deles o pior conceito possível. Mas o Beraldo disse ao meu pai as palavras mágicas: ‘Seu Antônio, ele vai trabalhar, mas não é de graça. Vou dar 200 mil réis só para começar. E, se ele conseguir algum anúncio, ainda ganha uma comissão.’ Com dinheiro, meu pai na hora mudou o discurso: ‘Ah, ele vai ganhar um dinheirinho? Aí está bem, mas tem que ser depois do horário do trabalho na pensão.’

Quanto tempo durou essa experiência?

LB – Uns seis meses, até que apareceu em Cordeirópolis um senhor, Domingos Lote Neto. Ele gostou da minha voz e insistiu em me levar para fazer um teste na recém-inaugurada Rádio Clube de Birigui, ‘a pérola do Noroeste’. Fiz e fui contratado. Lá, transmiti futebol, parada de 7 de Setembro e programas de auditório como o Clube da Alegria, em que tive o privilégio de apresentar a Hebe Camargo na festa do primeiro aniversário da emissora.

De lá você veio direto para o Rio?

LB – Andei por mil lugares, até que um tio me mandou procurar um amigo dele, Aristides Figueiredo, que tinha acabado de comprar a Rádio Difusora de Piracicaba. Na época, o XV de Novembro, time local, tinha subido para a primeira divisão do Paulistão e ele buscava um locutor esportivo. Passei a acompanhar e narrar os jogos do antigo campo da Rua Regente (ainda não existia o estádio Barão da Serra Negra). Depois, comecei a ir para o Pacaembu, a Vila Belmiro… Eu era atrevido. Vim até para o Rio transmitir a Copa de 50.

Como foi trabalhar no Maracanã na final da Copa?

LB – Naquele tempo não havia as facilidades de comunicação de hoje. As rádios eram obrigadas a pedir as linhas telefônicas com muita antecedência. Na Copa, cerca de 300 emissoras disputavam essas linhas e a prioridade era das grandes emissoras do país e do exterior. Ou seja, a minha radiozinha lá do interior ficou pra escanteio, e eu não pude transmitir a partida.

Deve ter sido como ficar no banco de reservas…

LB – É, mas depois participei de todas as Copas. Ao vivo ou na retaguarda, atuei também em Olimpíadas, Jogos Pan-Americanos… Não perdi mais nada.

E como aconteceu a mudança para o Rio?

LB – Vim em 1951 com Walter Goulart, o Santo Cristo, que jogou no XV de Piracicaba e, mais tarde, em quase todos os times cariocas. Ele era um grande artilheiro e garantiu que me arranjava um emprego aqui.

A promessa se concretizou?

LB – Quando chegamos, ele me levou à antiga Mayrink Veiga. Só que eu não gostei, a coisa não deu certo. Com pouco dinheiro no bolso, entrei no lendário Café Nice pensando em ir à Rádio Clube do Brasil, falar com o Raul Longras, que me havia sido recomendado. Encontrei o Airton Vieira de Morais, o Sansão, ex-juiz de futebol, que era amigo do Santo Cristo e me incentivou a ir à Rádio Globo, que estava começando a incrementar o noticiário esportivo, com Luiz Mendes, Benjamim Right, Doalcei Camargo e Geraldo Borges. Fui à emissora e me lembrei que lá trabalhava o Raul Brunini, que eu conhecia de nome. Quando me dirigia à recepção, ele apareceu. Eu me apresentei, disse que era locutor e pedi uma chance. Ele perguntou como eu me chamava e respondi ‘Belinaso Neto’ – meu sobrenome verdadeiro, que eu usava na época. Ele então comentou: ‘Vem cá, domingo passado eu estava em Rio Claro. Foi você que transmitiu XV de Piracicaba e Palmeiras, pelo Campeonato Paulista? Cara, você torce demais pro XV, mas é muito bom.’

Seu ingresso na Globo foi imediato?

LB – Não. O Brunini me levou à editoria de Esportes, onde o Luiz Mendes estava fazendo um concurso que já havia selecionado dois locutores, Otávio Nami e o Braga Júnior. Sobrara apenas uma vaga de redator no noticiário Globo no ar. Mendes então me apresentou ao Oto Schneider, diretor de broadcasting, que me mandou escrever uma edição do jornal e chamou o redator encarregado do programa, Rubens Santos. Ele viu o meu trabalho e aprovou minha contratação.

Com um bom salário?

LB – O Oto Schneider disse que só podia me pagar 1.500 cruzeiros, o que só dava para uma refeição por dia, almoço ou jantar. Condução, nem pensar. O Rubens Santos ouviu, se levantou e disse a ele: ‘Você não tem vergonha de oferecer uma miséria ao rapaz? Ele tem talento, é bom. Me disseram que também é locutor, de repente pode até apresentar o noticiário. Dá um aumento pra ele.’

Isso é inédito: ser contratado e receber aumento imediato de salário…

LB – Eu nem tinha sido contratado! O Schneider olhou de um lado a outro, pensou, e me ofereceu 2 mil cruzeiros. Acho que é um caso único na história ser aumentado antes de começar a trabalhar.

Como você ingressou na equipe de Esportes da rádio?

LB – Consegui convencer o José Brasil Campel, que era o braço-direito do Luiz Mendes, a ouvir uma gravação que eu tinha feito em acetato – naquele tempo não havia fitas como as de hoje – de uma narração minha de um jogo de futebol. Enquanto ele ouvia, o Doalcei se aproximou e elogiou a narração. O José Campel, então, me escalou para um jogo de domingo, no Maracanã.

Algum fato marcou esta sua estréia?

LB – Transmiti o jogo preliminar e, ao final, anunciei: ‘Daqui a pouco, sensacional Fla-Flu, sob o comando de Luiz Mendes.’ Entreguei o microfone a ele, que entrou no ar dizendo: ‘Vocês ouviram a narração brilhante do mais jovem locutor contratado da Rádio Globo, Bee, Beni, Beli…’ Foram algumas tentativas sem conseguir pronunciar meu nome. O Mendes engasgou várias vezes, olhava para mim com cara feia, e eu soprando no ouvido dele: ‘Belinaso Neto, Belinaso Neto…’ (risos)

O que aconteceu depois?

LB – À noite, na rádio, um pouco antes de ir para o estúdio e começar a resenha esportiva, o Mendes virou-se para e mim e disse: ‘Paulistinha, com esse nome aí, você está fora. Tem que trocar.’ Reclamei, mas não teve jeito. Lembrei da minha irmã, que tem horror ao nome dela, Leonilda, e que a gente só chama de Nilda. Peguei o ‘Leo’ dela, deixei de lado o João Belinaso Neto, e virei Léo Batista.

Você teve o privilégio de transmitir o primeiro jogo do Garrincha. Lembra da partida?

LB – Foi em 1953, no antigo campo do Botafogo, entre o time da casa e o Bonsucesso. Quase na hora da transmissão, havia uma dúvida em relação ao nome do jogador: Gualicho – que era como se chamava um cavalo que tinha corrido o Grande Prêmio Brasil – ou Garrincha? Para tirar a dúvida, atravessei o campo, fui ao vestiário, onde ele estava se vestindo, e perguntei: ‘Rapaz, como é o seu nome, é Gualicho ou Garrincha?’ E ele respondeu: ‘Pergunta pro seu Santos.’ O Nilton Santos, que vinha se aproximando, confirmou: ‘É Garrincha.’ Naquele dia, apenas um locutor da Rádio Nacional, que era bom mas muito teimoso, fez a transmissão usando Gualicho. Eu dizia para ele o nome certo, mas não adiantou.

Você foi também o primeiro locutor a anunciar a morte do Getúlio?

LB – Fui e provo isso com reportagens da época. Na noite em que o Getúlio se matou, o Lacerda, como era de costume, usava o microfone da Rádio Globo para desancar o presidente. De repente, nosso plantonista no palácio ligou para a redação e começou a gritar: ‘Manda o Lacerda parar, o Getúlio Vargas deu um tiro no peito, se suicidou!’ Foi aquele rebuliço. Cortaram o Lacerda e eu entrei com uma edição extraordinária do Globo no ar, anunciando a morte do presidente.

Por que dizem que o Repórter Esso, com Heron Domingues, deu a notícia primeiro?

LB – O Repórter Esso, da Nacional, era o grande noticiário do rádio na época, mas eles só deram a notícia 15 minutos depois da Globo. O furo foi nosso, mas o Brasil realmente só tomou conhecimento da morte do Getúlio através da Nacional, que naquele tempo já era uma potência, enquanto que a nossa freqüência ainda era pequena, só ia até Nova Iguaçu (risos). A Globo era uma rádio atrevida, mas não era a emissora poderosa de hoje.

Em 1955, você trocou o rádio pela televisão…

LB – A TV Rio ia ser inaugurada. O Luiz Mendes foi convidado para formar uma equipe esportiva e me chamou para ir com ele. Quando anunciei na Rádio Globo que ia sair, o Luiz Brunini disse que me liberava desde que eu arranjasse para a minha vaga um locutor que fosse bom e inteligente e não tivesse vícios. Treinei bastante um colega de colégio e, quando senti que ele estava pronto, deixei-o fazer uma edição do Globo no ar. Esse locutor era o Áureo Ameno, que depois ficou uns 40 anos na emissora.

Que recordações você guarda da TV Rio, onde comandou o Telejornal Pirelli?

LB – Entrei para o canal para cobrir esportes e fui apresentador do programa de boxe, do qual o Mendes era locutor. Mas a minha paixão era fazer um noticiário. O primeiro horário que me deram foi de cinco minutos. Nem máquina de escrever eu tinha. Consegui uma Olivetti com um japonês que tinha um negócio perto da minha casa, no Catete, e até hoje guardo essa máquina como um troféu. Para usar um telefone e apurar as matérias, pedi ao Mendes para puxar uma extensão do ramal dele. Assim, sozinho, comecei a fazer o Informativo 13, que era patrocinado pela Panair do Brasil.

Quanto tempo durou o programa?

LB – A Panair acabou, mas acharam que eu devia continuar porque estávamos ganhando audiência. Então apareceu o Vinho Castelo e o jornal passou para sete minutos. Depois, esse patrocinador saiu, entrou o Rum Montilla e o programa passou para dez minutos. No Globo, a Coluna do Swann deu uma nota elogiando, mas chamou o Informativo de ‘o noticiário etílico da TV Rio’. A coisa cresceu e eu lancei o Telejornal Pirelli, que fez frente ao Repórter Esso. No final, ainda levamos o Heron Domingues para fazer dupla comigo.

Depois você ingressou na TV Globo…

LB – Antes, após sair da TV Rio, passei pela Excelsior. Mas já estava de olho na Globo e resolvi procurar o Walter Clark, com quem eu tinha trabalhado na TV Rio e então era diretor-geral da nova emissora. Quando cheguei lá, ainda não havia uma equipe esportiva formada. O primeiro programa que o Walter me chamou pra fazer, Escalada cultural, nunca foi ao ar. A Copa de 62 tinha começado e, no segundo dia dos jogos, ele entrou correndo na sala e me pediu para quebrar o galho numa transmissão, pois havia um problema técnico e a locução teria que ser feita do estúdio. Na partida, saiu o primeiro gol daquela Copa e a narração foi minha. No mesmo dia aconteceram o seqüestro do presidente da Argentina e um terremoto e o Jornal Nacional ia dar uma edição extraordinária. O Walter me mandou novamente para o estúdio e eu li o noticiário. Quando saí, ele estava conversando com o Boni, que resolveu me contratar.

De lá para cá, são 37 anos de TV Globo, com destaque na programação esportiva…

LB – Pois é. Depois da transmissão do torneio Copa Brasil, atual Copa do Brasil, resolvemos manter o horário e ampliar o leque. Decidimos que, em vez de fazer somente futebol, passaríamos a falar de todas as modalidades esportivas. Aí, o Boni sugeriu o Globo Esporte, que até hoje é o nome do programa. Depois veio o Esporte Espetacular, que foi sofrendo modificações e continua brilhando até hoje.

Você tem participação em quase todos os telejornais da emissora…

LB – No Jornal Nacional, comecei a aparecer para falar de esportes, mas curiosamente, nos últimos tempos, apresentava também o noticiário internacional, enquanto o Cid Moreira e o Sérgio Chapelin liam o futebol. Acho que a emissora lembrou que eu era locutor de notícias gerais desde a TV Rio, jogando nas onze.

Muita gente já deve ter lhe perguntado quando o seu repertório de histórias será reunido em um livro.

LB – É difícil o dia em que pelo menos umas dez pessoas não falam sobre isso. Eu sempre respondo do mesmo jeito: ‘Dá dinheiro? Se não dá, eu não escrevo.’ (risos) Quem sabe, uma hora dessas eu escrevo algumas dessas histórias. Mas são muitas.

Conte uma.

LB – Aconteceu no lançamento do jornal Hoje, em 21 de abril de 1973. Contrataram o Luiz Jatobá para ser o apresentador. Ele entrou no estúdio e, com aquele vozeirão, anunciou: ‘Muito boa tarde. A TV Globo inicia hoje um novo capítulo na sua história e lança um telejornal vespertino. Hoje, 21 de abril, dia de lembrar Joaquim José da Silva Tiradentes.’ Na hora ele mesmo se assustou e emendou: ‘Joaquim José da Silva Tiradentes, o Xavier.’ (risos) Aí o Borjalo entrou correndo no estúdio, gritando: ‘Segue você Léo, segue você!’ Romperam o contrato do Jatobá e eu fiquei um tempo como apresentador do programa.

O que provocou sua saída do Fantástico?

LB – Fiz o programa muitos anos e me tiraram para dar lugar ao Tadeu Schmidt, que é irmão do ex-jogador de basquete Oscar Schmidt. As mudanças acontecem e a TV Globo quis inovar e mudar de estilo, com um apresentador mais jovem. Sinto falta das narrações nas noites de domingo porque eu gostava muito do que fazia. Mas não vou chorar por isso. A direção do Fantástico inaugurou uma fórmula nova. Se vai dar certo ou não, foge da minha competência.

Você pensa em pendurar as chuteiras?

LB – Olha, se arranjarem uma metralhadora, com bala de verdade mesmo, que não falhe, para me dar uma rajada, de repente eu paro de trabalhar. Mas, se não for assim, não paro, não. Estou com 75 anos de idade, completei 60 de profissão – e não encontro nem o termo apropriado para descrever o que sinto por ela. Outro dia fiquei imaginando a hora em que eu não puder mais entrar na emissora e falar com os amigos. Evito pensar nisso. Desejo continuar fazendo o meu trabalho. A não ser que achem que fiquei velho demais, que já estou gagá. (risos) Enquanto Deus me der voz e saúde e a TV Globo quiser, eu continuo.

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Repórter do ABI Online