Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Liberdade científica e religiosa

Em ‘Boa escola, ‘mas’ criacionista‘, escrita por Michelson Borges em 11/9/2007 neste OI, é tecida uma crítica à revista por esta ter feito a ressalva, considerada ofensiva. Critica que ela ‘perdeu a chance de publicar uma reportagem neutra e puramente informativa, nos moldes do bom jornalismo’.

Explica que a ‘Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96 estabelece que os alunos devem criticar objetivamente as teorias científicas como construtos humanos de representação aproximada da realidade, e que essas teorias estão sujeitas a revisões e até descarte, e que o ensino médio tem entre suas finalidades habilitar o educando a ser capaz de continuar aprendendo, a ter autonomia intelectual e pensamento crítico’.

O que parece, a priori, é que a revista fez o mesmo trabalho exemplar de realizar a mesma coisa. Dentro dos objetivos pelos quais se pauta um bom jornalismo, um é o de realizar a crítica e ensinar as pessoas a terem uma avaliação pertinente das informações que recebem dos vários segmentos sociais, sejam do governo, partidos políticos, educadores, produtores, comércio, propagandista e industriais. E não poderia deixar de fazê-lo, por motivos óbvios, em relação ao conhecimento científico e religioso. Este último, por sinal, não foi abordado pela revista. No entanto, também se deveria discutir esse aspecto – de uma escola que prega uma religião.

Análise permanente

Assim, nos baseando no alegado direito que o jornalista Michelson Borges faz, com razão, da liberdade científica e da necessidade de se criar neste país uma visão crítica da ciência para os nossos futuros cidadãos, devemos também analisar criticamente este assunto mais a miúdo. Assim como nos garante para a ciência a liberdade, a nossa Constituição Federal, dita Carta Magna por estar acima de todos outros princípios legais, também garante no seu Artigo 5 & VI que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação… Portanto, vemos que o assunto interessou até os nossos legisladores maiores na garantia da liberdade.

Este é o aspecto alegado pelo nosso jornalista ao corretamente defender o espírito crítico a ser desenvolvido pelos alunos: liberdade com que estes devem contar sempre na sua formação pessoal. Mas, assim como se deve dissecar um fêmur de um fóssil – analisar a estratigrafia onde o mesmo foi encontrado, analisar o seu DNA, dosar o carbono 14, comparar com outros fósseis arquivados, verificar a anatomia comparada com as espécies atuais, conferir com achados anteriores, levar a conhecimento da comunidade científica para a devida crítica, repetição de análise permanente, processo sempre constante e crítica sempre refeita –, também as bases de dados daqueles que se propõem a uma explicação alternativa devem sempre ser submetidos com a mesma liberdade e rigorosa avaliação científica, devem ser dissecados em todos os seus aspectos. Como se faz com a base de dados de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, chevalier de Lamarck (1744-1829), como se faz constantemente com os dados do próprio Charles Darwin (1809-1882).

Formação libertadora

Assim, ao levar a pseudo-crítica criacionista aos alunos sem preparo para julgar o que estão lhes enfiando na cabeça, deve esta base ser, com o mesmo rigor e igual liberdade, isentamente esmiuçada perante os mesmos. Deve ser dissecada a fonte alegada das informações infalíveis com o mesmo rigor científico que se usa na ciência frente a estes jovens, como a fonte original da contestação. A Igreja Adventista tem como regra de fé a Bíblia, a Palavra de Deus preservada ao longo dos séculos para a orientação da humanidade no caminho de volta ao Lar, para alcançar a vida eterna. Assim, a Bíblia, de autor desconhecido, que narra a saga do povo judeu, deve ser pesquisada em sua veracidade científica e sua validade religiosa frente à livre informação dos bilhões de seres humanos que não a seguem por considerarem que acharam melhores e mais coerentes explicações para suas vidas em outras alternativas. Por que aceitar como palavra de Deus um livro que diz que apenas o povo judeu era o seu escolhido? Devem as outras visões religiosas ser livremente ensinadas para que os mesmos jovens, que são ensinados a criticar o conhecimento, decidam livremente nas suas vida qual o verdadeiro caminho da salvação, da vida reta, da real verdade contida neste conjunto fantástico de alegações. Afinal, foi com esta liberdade de escolher o novo que, em 1863, se organizou uma estrutura denominacional com o nome de Igreja Adventista do Sétimo Dia. Assim como pela crítica e pela liberdade descobriram o que acham o erro dos outros, devem também estimular os jovens a procurar livremente a sua verdade. Assim como foram mal conduzidos até esta época, optando por um novo caminho, devem deixar que os jovens possam também ter a liberdade de crer, para não cometerem o erro obscurantista do passado da qual julgam que se libertaram.

Mais do que a revista, o nosso jornalista que a critica deve também defender uma educação ‘neutra e puramente informativa’, nos moldes da boa formação libertadora. Esse é que deveria ser o seu anelo profissional, a honestidade do conhecimento acima de tudo.

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Médico, Porto Alegre, RS