Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Liberdade de expressão ou liberdade de manipulação?

A sociedade brasileira encontra-se atualmente em um grande dilema: liberdade de expressão ou liberdade de manipulação? A liberdade de expressão está consagrada como um dos princípios pelos quais um Estado democrático assegura aos cidadãos o direito de manifestar livremente opiniões, ideias e pensamentos. Destarte, a mídia tem encenado um novo/velho papel na sociedade brasileira que se refere à função de formadora de opinião.

Observemos as notícias veiculadas durante as eleições presidenciais em alguns sites de jornais, em algumas emissoras de televisão e algumas revistas ditas como reveladoras da verdade política e social de nosso país. Há também os programas diários, cujos debates políticos entre pesquisadores, chefes de redação e ‘famosos’ jornalistas não expressam existência de divergência entre eles e, por que sempre os convidados pertencem, em sua maioria, ao Rio de Janeiro e a São Paulo? Não estou questionando, enquanto cidadão, a veracidade das notícias e muito menos a liberdade de imprensa, mas sim, a máscara que estão utilizando para disfarçar e empurrar goela abaixo a liberdade de manipulação. Qualquer cidadão pode observar o layout, o tamanho da fonte dos caracteres, a recorrência de notícias negativas e imagens associadas, (des)construídas acerca da candidata à presidência Dilma Rousseff.

Um (in)determinado jornal – uso esse trocadilho porque é um jornal que não assume o afeto político pelo adversário político – recorreu à justiça para ter acesso ao processo de prisão da candidata, referente ao período da ditadura militar no Brasil, sob a justificativa de que o cidadão deve ter acesso ao seu passado político. Ora, então deparamos com os claros princípios da liberdade da imprensa cujo cerne se baliza na liberdade de expressão. Isso é o que me deixa envergonhado, pois a teatralidade deste veículo de comunicação e de outros, que sem dúvida alguma, estamos cansados de saber, está sendo velada pela liberdade de expressão como a mais vulgar liberdade de manipulação. Por que não assumem a sua verdadeira posição política? Seria desconfortável? Perderiam a ‘credibilidade’ de formadores de opinião ou explicitariam o papel de deformadores de opinião? Perderiam os altos lucros embutidos em seu papel sócio-democrático?

Não acreditemos nas verdades globais

Penso que o leitor deste artigo pode estar pensando que estou exercendo com a mesma vulgaridade a não dita, porém escancarada, liberdade de manipulação, mas então imaginemos a seguinte situação: na escola do seu filho, durante as aulas de ‘Atualidades’, o professor sempre leva as notícias destes veículos de comunicação com o intuito de contribuir para a formação de opinião dos discentes. Então, as aulas se pautam em produtos da liberdade de expressão e de conhecimento, enfim, na democracia.

Evidencia-se, desta forma, o papel imaculável da ‘grande mídia’, da verdade absoluta em que se balizam os seus princípios. Todavia, se os pais destes alunos questionarem o professor sobre qual seria a real motivação para furtar de seus discentes a liberdade de conhecimento acerca do passado do outro candidato à presidência, da suposta ligação telefônica para um ministro do Supremo Tribunal Federal, dos supostos atos falhos em relação à posição do mesmo perante a legalização do aborto, da existência de corrupção ou não no ambiente político no qual estava em cargo eletivo etc.; e se o professor dissesse: ‘Prezados pais, o que apresento a seus filhos é a verdade global, universal, democrática e essencial, para que sejam cidadãos exemplares!’

Devemos concordar veemente e passivamente com a resposta, com a metodologia do professor? Em caso de não adesão a estes princípios, provavelmente os pais reclamariam junto à direção escolar e exigiriam uma postura ética do professor. E se, no entanto, a direção reiterasse que os textos fornecidos aos seus alunos são norteados pela liberdade de expressão e princípios éticos? Estaria eliminada qualquer hipótese de questionamento acerca do papel da mídia e da metodologia pedagógica, portanto, não haveria justificativa para transferir o seu filho para outra escola. Afinal, somente a verdade absoluta foi apresentada ao seu filho. Mas e se os pais questionassem a liberdade de manipulação? Esta liberdade está prevista em leis? É esta liberdade que deve nortear as opiniões, ideias e pensamentos? A liberdade de expressão da mídia é sinônima de liberdade de manipulação? Não. Por isso deve ser garantido aos pais o direito de transferirem o seu filho para uma escola em que sejam expostos ideias, opiniões e pensamentos veiculados na mídia, permeados por liberdade de expressão e honestamente amparados pelo verdadeiro posicionamento político da fonte de imprensa e, ainda, sem a existência do ‘esquecimento proposital’ de notícias acerca de ambos os candidatos à presidência da República.

Conclui-se que no cenário midiático brasileiro há uma específica confusão vulgar e estratégica entre liberdade de imprensa e liberdade de manipulação. Situação esta que deixa frustrados e envergonhados os cidadãos brasileiros. Mas ainda há tempo de mudarmos esta realidade, legalidade inventada e deturpada, seja por meio de atitudes, que até pareçam radicais, mas que serão fundamentais: não acreditemos nas verdades ditas globais – veiculadas por estas mídias estrategistas que visam ferozmente aos lucros capitais e à dominação ‘democrática’ – e não sejamos seus clientes e telespectadores, pois ao vivenciarem as consequências das baixas vendas e audiência, além de queda e não conivência para com a circulação de suas notícias quase sempre permeadas pela liberdade de manipulação, à ‘grande mídia’ serão imputados o exercício dos princípios da verdadeira liberdade de expressão e a honestidade quanto ao seu posicionamento político, e não ao favorecimento político. Lutemos pela democracia lato sensu, e não pela democracia manipulada!

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Mestre e doutorando em Análise do Discurso, UFMG