Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Liberdade para sonegar notícias?

A notícia deveria ser a matéria-prima do jornalismo televisivo. Mas não é isto o que está ocorrendo, apesar da revogação da Lei de Imprensa.

Esta semana, por exemplo, as redes de TV se recusaram a cobrir a manifestação pública noturna feita contra Gilmar Mendes na Praça dos Três poderes por milhares de pessoas. Mesmo não tendo sido vista pelos telejornalistas, a referida manifestação iluminou Brasília (ver aqui).

Os brasileiros foram acostumados a obter informação através da telinha luminosa e a dar crédito aos jornalistas de TV. No âmbito nacional, pode-se dizer que a TV ainda é o único grande meio de comunicação. Com efeito, o telejornalismo alcança muito mais gente do que os jornais e revistas impressos ou que a internet.

Pela TV nós já vimos manifestações contra presidentes, governadores e parlamentares. Mas nunca uma contra um membro do Supremo Tribunal Federal. O fato que a imprensa televisiva se recusou a cobrir é excepcional, portanto, notícia por excelência.

Esta clara sonegação de informação é relevante. A CF/88 prescreve que os cidadãos brasileiros têm direito à informação. De fato, ‘… quando pressionados, os jornalistas dão como certo que trabalham para o interesse público’ (Elementos do Jornalismo, Bill Kovach e Tom Rosentiel). Sendo assim, por que as redes de TV não cobriram a excepcional manifestação contra Gilmar Mendes? Que interesses foram preservados pela omissão? Os interesses privados de Gilmar Mendes ou o interesse público dos cidadãos que custeiam as despesas públicas com o Poder Judiciário que ele preside?

Não é novidade

Bourdieu afirma que os jornalistas de TV ‘…grosso modo, interessam-se pelo excepcional, pelo que é excepcional para eles. O que pode ser banal para outros poderá ser extraordinário para eles ou ao contrário’ (Sobre a Televisão, Pierre Bourdieu). As palavras do francês se ajustam perfeitamente ao incidente.

Ainda segundo Bourdieu, essa ‘…busca interessada, encarniçada, do extra-ordinário pode ter, tanto quanto as instruções diretamente políticas ou as autocensuras inspiradas pelo temor da exclusão, efeitos políticos. Dispondo dessa força excepcional que é a da imagem televisiva, os jornalistas podem produzir efeitos sem equivalentes’ (idem). A omissão da notícia referente à manifestação contra o presidente do STF produziu um claro efeito político. A esmagadora maioria dos cidadãos brasileiros, que poderiam e deveriam saber o que ocorreu em Brasília para poder se posicionar a favor ou contra Gilmar Mendes, foi excluída da arena pública com a ajuda das redes de TV.

Num mundo em que o ceticismo em relação ao jornalismo se tornou uma realidade tão presente, quando as novas tecnologias permitem a qualquer cidadão divulgar suas próprias notícias, ‘… os princípios e a finalidade do jornalismo são definidos por alguma coisa mais elementar – a função exercida pelas notícias na vida das pessoas’ (Elementos do Jornalismo, Bill Kovach e Tom Rosentiel). Neste caso específico, é evidente a função que a sonegação da notícia ocupou na vida dos cidadãos brasileiros. O que não chega a ser uma novidade. O povo brasileiro foi ignorado quando da Proclamação da República, em 1930, em 1937, em 1964 e no princípio da Nova República (apesar das Diretas Já, a dupla Tancredo Neves/Sarney foi eleita no Congresso Nacional).

Impedir a informação

Leão Serva diz que ‘…as notícias não deixam ver a história. Ao contrário, o sistema das notícias encobre a lógica profunda que está por trás da cortina de novidade’ (Jornalismo e Desinformação). Suas palavras são proféticas. Nós não sabemos e provavelmente nunca saberemos quais foram os fatos que levaram à sonegação televisiva da manifestação contra Gilmar Mendes. As notícias corporativas da construção da omissão televisiva jamais serão reveladas.

José Arbex assegura que ‘… a `opinião´ divulgada pela mídia interfere no curso dos acontecimentos, dando a ilusão de que o público foi levado em consideração. Na realidade, os indivíduos permanecem isolados, espalhados pelas mais distintas cidades, regiões, estados e países, sendo virtualmente `unificados´ pela mídia, mas sem terem exercido qualquer interlocução. É a `ágora eletrônica´ que simula a antiga polis, onde tudo se debatia. As megacorporações simulam a ágora que legitimará suas próprias estratégias de dominação e controle’ (Showrnalismo). Em razão da curiosa discrepância entre o espaço que a revogação da Lei de Imprensa ganhou nos meios de comunicação exatamente na semana em que as redes de TV mantiveram os cidadãos desinformados em relação à manifestação contra Gilmar Mendes é impossível deixar de dar razão a Arbex.

Em razão deste episódio sugiro às autoridades que coloquem nas salas Vips dos aeroportos internacionais uma placa com os seguintes dizeres:

‘Bem-vindos à democracia que garante aos cidadãos os direitos à informação, à liberdade de consciência, de participação e manifestação. Democracia em que as redes de TV se encarregam de impedir que as pessoas fiquem informadas para que se possam conduzir os destinos da nação.’

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Advogado, Osasco, SP