Existirá imprensa esportiva no Brasil? Observando o comportamento de boa parte dos jornalistas na cobertura das Olimpíadas, a resposta é um enfático não. Veja-se, por exemplo, o lamentável caso da declaração da jogadora de basquete Janeth, sugerindo entregar o jogo contra a Austrália ainda na fase classificatória (a derrota facilitaria o caminho rumo a uma medalha).
Esta calamidade ética, que deveria ter merecido repúdio vigoroso e punição exemplar, recebeu tratamento adocicado e marginal dos jornalistas, uma anestesia em cima do respeitável público. Em troca de um pedaço de metal dourado, a atleta propôs uma farsa e o fato foi praticamente ignorado, talvez porque tenha sido praticado por uma das ‘nossas’. É a ‘boa malandragem’, a desonestidade por uma ‘boa causa’. Fico imaginando as manchetes se a proposta abjeta tivesse sido feita, por exemplo, por uma australiana. Escândalo! Traição!
Isso cheira muito mal. Quando nosso glorioso Rivaldo simulou ser agredido por um jogador turco na Copa do Mundo de 2002, foi multado pela Fifa. Teria sido muito instrutivo para as novas gerações de jogadores se a CBF o tivesse afastado da Seleção por comportamento antiético. Quando este tipo de cafajestada é absolvido liminarmente, e com o aplauso de formadores de opinião, a mensagem lida pela população é a seguinte: se os graúdos e as celebridades ficam sempre impunes, por que devemos acatar as regras que organizam as relações sociais e os espaços coletivos? É um pulo para a lei da selva. Por trás das omissões, que violam a obrigação que os jornalistas têm de informar, está, não tenho dúvida, um pobre sentimento patrioteiro.
Drama de consciência
Em época de Olimpíadas e de Copa do Mundo, esse veneno contamina quase tudo. Somos assediados por uma espécie de exaltação dos sentidos, em nome de um ‘orgulho nacional’ que ninguém define. Somos levados a exaltar cegamente atletas de ponta como Robert Scheidt, esquecendo convenientemente que o esporte que ele pratica não tem o menor apoio dos meios de comunicação (que, nessas ocasiões, soltam decibéis oportunistas para vender melhor seus espaços publicitários). Afinal de contas, quantas regatas, de todas as que resultaram nos 110 títulos conquistados na carreira de Scheidt, foram transmitidas pela televisão? Quantos jornalistas tomaram a providência elementar de explicar ao público as regras do iatismo? Só na hora do pódio surgem os cafetões do esforço solitário do campeão.
Houve momentos em que a linha de frente da patriotagem ficou muito excitada. Os Galvões & Datenas colaram nos esportes em que os times brasileiros tinham alguma chance de êxito (puro acaso, não é mesmo?). Em nenhum momento se preocuparam com uma análise criteriosa do que acontecia nas quadras e nos campos.
São torcedores profissionais, que deseducam e plantam no imaginário popular uma mentalidade ufanista oca, claramente antiesportiva. Nunca mencionam os fatores estruturais que tornam o Brasil uma potência de quinta categoria na grande maioria dos esportes (independentemente do número de medalhas que vieram nestas Olimpíadas; isso é totalmente irrelevante). Jamais estimulam um pensamento crítico sobre a realidade esportiva nacional.
Na época da ditadura militar, especialmente nos anos 70, muita gente ficava num tremendo drama de consciência: torcer ou não pela Seleção Brasileira de futebol, já que os generais tiravam sua casquinha dos feitos esportivos. O drama hoje se repete: fica quase impossível vibrar quando vigora o mais rasteiro e desqualificado apelo ‘patriótico’. Deu vontade de rasgar os jornais e desligar a televisão.
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Engenheiro químico, Rio de Janeiro