Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Lula, o embaixador do Brasil

Primeiro foram os balangandãs e a brejeirice de Carmem Miranda, a pequena
notável, que nos anos de 1940 encantaram a América romântica dos musicais da
Metro e da Fox. Depois foi a vez de Pelé, o camisa 10, tornar-se o rei do
futebol e deslumbrar o mundo com seus dribles e jogadas nos campos da Europa. Já
na era globalizada surge Paulo Coelho, o mago, cujos livros de autoconhecimento
e de simbologias espirituais são traduzidos em mais de 60 idiomas e se vendem
aos milhões até em praças editoriais da Malásia e da Macedônia.


Agora, nesta primeira década do século 21, um novo ícone made in Brazil
vem emergindo na mídia mundial, angariando simpatia e marcando presença nos mais
variados encontros de cúpulas do planeta. Posando ao lado de líderes das mais
diferentes tendências políticas, exibindo trajes típicos dos locais visitados e
presenteando os seus anfitriões com camisas autografadas da seleção brasileira
de futebol, o presidente Lula tem roubado a cena em todos os eventos mundiais
dos quais participa. Seu jeito simples e bonachão amolece qualquer protocolo e
provoca sorrisos e empatia, já que ele é capaz de colocar a nossa tão amada
camisa canarinho tanto nas mãos de Barack Obama quanto na de Dai Bingguo, da
China, e também apoiar um protesto do Greenpeace pela salvação da Amazônia, no
mesmo palco em que é condecorado com o prêmio da Unesco pela busca da
paz.


Uma saída à francesa


Tais procedimentos à margem dos padrões convencionais dos cerimoniais levaram
o presidente dos Estados Unidos a afirmar, em tom de brincadeira, em um encontro
dos países do G-20 (nações em desenvolvimento) em Londres, que Lula é ‘o
político mais popular da Terra’. Para em seguida se valer da expressão This is
the guy
(Este é o cara), deixando os ingleses um tanto confusos, já que o
termo guy também pode ser entendido como bizarro. Mas o presidente dos EUA
não encerrou por aí as suas gentilezas. Dias depois da premiação de Lula,
ocorrida em Paris, Obama se encontrou novamente com o presidente brasileiro,
desta vez na Itália, para as reuniões do G-8 ( países mais ricos) e G-5 (países
emergentes), e pediu a Lula para que este intercedesse junto ao Irã, no sentido
de que aquele país não utilize energia nuclear para fins bélicos. Um pedido meio
esquisito, tratando-se do presidente da mais poderosa nação do mundo e cuja
diplomacia possui outros meios para valer a sua vontade. A solicitação, aliás,
soou mais como uma censura velada ao atual matiz da política exterior brasileira
– que tem priorizado o fomento de relações com países fora do eixo
Europa-Estados Unidos – e uma espécie de recado enviesado para que o Brasil saia
de cima do muro e se posicione mais claramente em relação a uma das principais
dores de cabeça do Ocidente: o Irã nuclear.


Observe-se que as recentes viagens de Lula às nações islâmicas do Cazaquistão
(país que tem a maior reserva de urânio do mundo), Líbia (como convidado de
honra de Muamar Kadafi, há 40 aos no poder, na Cúpula dos Países Africanos) e
emirado de Catar (15% das reservas de gás natural do planeta), local da 2ª
Cúpula América do Sul-Países Árabes, se, de um lado, renderam boas fotos e foram
pródigas na produção de imagens favoráveis à personalidade carismática de nosso
presidente, também ocasionaram alguns fatos constrangedores, como o da sua saída
à francesa no início do banquete em Doha, para evitar ser fotografado ao lado do
companheiro de mesa, o ditador do Sudão, Omar al-Bashir, indiciado dias antes
por ‘crimes de guerra’ pelo Tribunal Penal Internacional de Haia.


O presidente das multidões


Quanto ao público interno, tudo leva a crer que cada vez mais se consolida a
posição de Lula como o presidente das multidões, título análogo ao exibido pelo
cantor carioca Orlando Silva, o cantor das multidões, que brilhou nas décadas de
1940/50. Colabora para isso o jeitão despojado associado a um tempero
linguístico muito pessoal, que não só colore e apimenta as entrevistas e eventos
políticos, como também incorpora o coletivo, dando cara e voz ao cidadão-urbano
de salário achatado – o peão, o operário e o empregado em geral – que, não
obstante a sua classe social se mantém atento e informado sobre o que ocorre no
Brasil.


Uma exposição de 80 fotos (pinçadas de um total de mais de 2 milhões, informa
o jornal O Globo) montada no Rio de Janeiro focaliza esse aspecto da
personalidade de Lula, sempre cercado por uma multidão que quer abraçá-lo ou
cumprimentá-lo como fosse um amigo de longa data ou uma pessoa da família. ‘Há
uma projeção de cada brasileiro na imagem de Lula’, constata o curador da
mostra, Ricardo Van Steen. Opinião que a última pesquisa do Ibope (junho/2009)
confirma, ao atribuir 80% de aprovação à figura do presidente.


Mas, sem dúvida, o maior abre-alas da política social de Lula continua sendo
o programa Bolsa-Família, que oferece mensalmente a 11 milhões de brasileiros
uma ajuda de custo em dinheiro que varia de 60 a 180 reais. Esse projeto de
complementação de renda familiar e redução da pobreza, que pode alçar o
presidente brasileiro à chefia do Banco Mundial em 2011, foi um dos trunfos de
Lula na conquista do prêmio Félix Houphouët-Boigny, da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Uma láurea que o júri
concedeu ao brasileiro ‘por sua atuação na promoção da paz e da igualdade de
direitos’.


Na ocasião foi lembrado que um terço dos premiados até hoje – 23
personalidades mundiais – posteriormente receberam o Nobel da Paz, como os
ex-presidentes Nelson Mandela (África do Sul) e Jimmy Carter (Estados Unidos).
Um caminho, portanto, que Lula já começa a percorrer em sua trajetória de
cidadão do mundo e embaixador honorário do Brasil, por vocação e mérito. Ainda
que muita gente duvide.

******

Jornalista, Rio de Janeiro, RJ