Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Maioridade penal e os cadernos infantis dos jornais

Em julho de 2013 o jornal O Globo mandava para o paredão seu já esquálido caderno infantil. Para quem acompanhava, impotente, à crescente privação que o Globinho vinha sofrendo, foi um mero tiro de misericórdia. Raquítico como estava, o jornalzão considerou mais adequado fuzilá-lo que recuperá-lo.

Alertaríamos num artigo publicado no mês seguinte (Observatório da Imprensa, edição 758, ver aqui) que a aparente banalidade desse ato não poderia ser compreendida como circunscrita a mais uma decisão editorial, e sim, a uma definitiva tomada de posição perante a formação de quem, em poucos anos, estará governando o país e nossas instituições: as crianças de hoje.

Agora é a vez da federalização da decisão: a edição de sábado (4/5) da Folhinha, caderno infanto-juvenil da Folha de S.Paulo, vem reduzida como terceira e quarta capas da Ilustrada. Simbioticamente ligadas à primeira folha deste caderno, o leitor não teria dificuldades em encontrar esse esconderijo da Folhinha, pois a chamada se encontra na foto de capa. Acima de homens armados passando indiferentes ao lado de um corpo abandonado está em negrito “inclui Folhinha”.

A matéria principal do jornalzinho é intitulada roteiro de sangue, sobre um clássico da minha geração, O Escaravelho do Diabo, que vai virar filme. Traz uma entrevista com o ator e diretor Marcos Caruso que, acertadamente, propõe que se converse com as crianças sobre todos temas atuais: “Tudo é pesado hoje em dia. A criança não está mais com os olhos vendados.” A coerência com a capa da Ilustrada fora proposital?

Um golpe no corpo editorial

A criança nunca esteve com os olhos vendados, é a única correção que faço. O olhar das crianças de cada tempo e lugar estão abertos não apenas ao presente onde se encontram, mas ao que lhes chega de legado do passado. E o que lhes espera mais à frente, pois são seres do futuro. Daí a importância de sua formação em tempo integral, diuturnamente.

Seres sensíveis por natureza e necessidade, apreendem tudo que seus sentidos físicos e emocionais podem alcançar. Estão em constante criação e recriação de hipóteses para a interpretação do mundo e de si mesmos, que opera na relação que mantêm com os adultos que lhe exercem a função de cuidadores. Daí a importância, entre outras formas de repercutir notícias, do jornal diário lido pelos pais como facilitador das leituras de mundo.

Testemunhar o desaparecimento dos cadernos infantis não é surpresa, pois é uma marca do nosso voraz tempo presente: sem planejamento de futuro, sem relações estáveis. Mas é motivo de tristeza e preocupação para quem lida com a formação de crianças. Para onde essa decisão editorial de corte vai levar os públicos leitores que pretende ter no futuro?

Por isso esse extermínio foi um golpe no próprio corpo editorial institucional dos jornais. A tarefa agora é sensibilizar os atuais dirigentes dos jornalzões para que esse panorama se modifique. É possível dar maior consistência a esses cadernos infanto-juvenis, para que possam ter seu valor mais claramente percebido, por adultos e crianças.

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Holmes Antonio Vieira Martins é professor, médico pediatra e psiquiatra e editor