À TV Câmara, sábado (9/9) à noite, ao ser entrevistado a respeito de seu livro Do golpe ao Planalto, Ricardo Kotscho defendeu o resgate da reportagem para que os jornais saiam da mesmice. Não foi a primeira vez que ele disse isso: o leitor está cansado de Brasília, do conluio entre jornalistas e políticos (“Uns precisam dos outros”) e está carente de notícias do Brasil real.
Kostcho está fazendo justamente isso. Uma vez por mês, com imagens de Hélio Campos Melo, mostra-nos esse Brasil real no Globo. Suas reportagens provocam imediata reação. Não apenas isso, elas consertam situações. Em Santa Cruz de Minas, o menor município brasileiro, a polícia foi aplaudida nas ruas depois de prender os traficantes que abasteciam a juventude local e favoreciam crimes de assassinato. Isso, depois da publicação de duas páginas especiais expondo o drama da cidade.
O jornalista lembrou seus tempos de O Estado de S.Paulo, em pleno regime militar apoiado pela própria imprensa e a elite brasileira. Mas ressalvou: “Em 1968, o jornal mudou e passou a combater o arbítrio”. Kotscho explicou que durante muito tempo, nas décadas de 60 e 70, a direção e a produção do jornal mandaram seus repórteres para os sertões brasileiros. E eles escreveram o que viram, sem se preocupar com a censura instalada nas redações. Mostraram a vida dos índios, a disputa de terras, o ouro dos garimpos, cidadezinhas pobres do Vale do Ribeira, do Pontal do Paranapanema, do Vale do Jequetinhonha, da Amazônia etc. Deram muito banho de jornalismo, especialmente no noticiário oficialesco da televisão, à época. “Os censores não tiravam os olhos do noticiário político”, disse, rindo. Enquanto os censores se preocupavam com as declarações feitas em Brasília, o Estadão desnudava as bases, ou os pilares do povão.
Internet, a fonte
Os participantes do programa instigaram Kotscho a falar sobre o papel da imprensa e o governo Lula. Ele foi secretário de imprensa do presidente nos dois primeiros anos de mandato do atual presidente da República. Falou das fofocas, das intrigas, do colunismo político (“A imprensa brasileira tem, hoje, mais colunas do que a Grécia”) que busca desmistificar números e estatísticas, e da disputa para quem ver quem bate mais no governo. Concluiu que, nesse balaio de informações e contra-informações, houve falta de equilíbrio e de sensatez de jornais e revistas.
Não entro no mérito desse debate sobre excessos, embora seja antigo aliado do papel da imprensa vigilante. E sei que Kotscho conquistou aquele cargo de secretário de imprensa, sem nunca ter se filiado a partido algum durante sua trajetória profissional, iniciada em 1964, ano do golpe militar que derrubou João Belchior Marques Goulart da presidência. Conquistou por competência e mérito.
Avô e pai feliz, Kotscho retornou a São Paulo. Ali, dedica à família todo aquele tempo que dela tomou, durante as longas jornadas na redação e nas viagens pelo país e pelo mundo, a serviço do Estadão, do Jornal do Brasil, da Folha de S.Paulo e outros órgãos aos quais ofereceu o seu talento. Talento, inclusive, para se considerar um dinossauro nas redações que chefiou. “Não deu certo. Minha frustração foi grande, depois de ver longas reuniões de pauta e, em seguida, os repórteres correrem para a internet”. Traduzindo: Kotscho crê e defende que repórter tem que pôr os pés na rua, ou na estrada.
“Colocação perfeita”
Quando pediu um cinzeiro à produção do programa, preocupei-me. “Tem gente que já está tossindo aí, antes de eu começar a fumar o cigarrinho”, ele brincou. Mas é preocupante o fumo entre jornalistas. Fumo e outras drogas “sociais ou anti-sociais”. Pelo menos fez melhor que o ministro Ciro Gomes. Este, ao ser solicitado a apagar o cigarro numa sala cheia de gente, lá na Câmara dos Deputados, olhou para a funcionária e declarou: “Ela está querendo seus dez minutos de notoriedade”.
Jovens que hoje começam na profissão querem mais de Kostcho. Vamos sugá-lo por mais um tempo, com certeza. Gente que o acompanha há mais tempo quer vê-lo mais vezes resgatando o Brasil real nas páginas dos nossos diários, e assim, fazer a diferença entre o que Brasília informa e o que ainda o leitor não pôde folhear, por critérios de absoluta “falta de espaço”. Ou de visão editorial.
Ainda sobre o cigarro, perdão, Kotscho, é apenas uma observação pessoal. Ortega y Gasset e tantos outros disseram um dia, aqui na terra, que o homem é a soma de seus atos. Bem, na imprensa povoada de Brasília e menos de Brasil, com raras e honrosas exceções, vamos dar um (mais um) viva à reportagem!
Em tempo – Frase do entrevistado de Beto Almeida, na TV Senado, também no sábado à noite: “Você fez uma colocação perfeita”.
Sem comentários.
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Repórter de Região em O Diário do Norte do Paraná (Maringá, PR)