Entre 13 e 29 de julho, o Brasil sediará a 15ª edição dos Jogos Pan-americanos, no Rio de Janeiro. A competição contará com 42 países que disputarão 33 modalidades esportivas. O país se mostra mobilizado e eufórico com a realização de tal evento nas terras tupiniquins. Há um clima de auto-afirmação transbordante, a organização dos Jogos seria uma mostra da capacidade brasileira, um retrato de nossa competência, um exemplo de grandeza que se faz ver em cada gota de suor derramada pelos atletas.
Guardo ressalvas quanto ao Pan do Rio de Janeiro. Em primeiro lugar, os Jogos Pan-americanos são uma competição esvaziada, de pouca relevância para o ambiente esportivo mundial. A começar pelo fato de a América do Sul não possuir tradição sólida em esportes como atletismo, natação, ciclismo ou handebol, por exemplo. Não há aqui atletas de ponta em diversas modalidades. Não há tradição também na América Central, excetuando-se Cuba, potência esportiva, sim, mas um ou dois degraus abaixo dos gigantes.
Resta o norte, de onde os Estados Unidos, habituados ao alto do pódio, não enviarão a sua equipe principal, formada por diversos recordistas mundiais, ou seja, competirão com um time B. Desconheço quais atletas do Canadá virão, porém, de qualquer maneira, o Canadá também não é lá essas coisas: foi o 24° colocado no quadro de medalhas nas Olimpíadas de Atenas.
Heróis vingadores
Não discuto aqui o porquê deste atraso esportivo, apenas constato que a região, noves fora dois países, é irrelevante no quadro mundial dos chamados ‘esportes especializados’, alcunha dada pela imprensa – que classifica assim todas as modalidades esportivas com menor apelo junto ao público. Uma medalha de ouro ganha num Pan gera menos reconhecimento que uma medalha de ouro ganha numa etapa de um campeonato mundial, como os de natação ou de ginástica. Isso é fato.
Incomoda também o carnaval que a mídia realiza em torno dos Jogos. Três grandes emissoras de TV que compraram os direitos de transmissão – Globo, Band e Record – iniciaram uma lavagem cerebral em suas audiências. São programas, chamadas nos intervalos, matérias veiculadas em todos seus telejornais, assim como em rádios e revistas de sua propriedade. Uma massificação extrema do Pan, com uma cobertura predominantemente positiva. Óbvio, pois ninguém desvaloriza seu produto de venda. Atletas são apresentados como possíveis heróis, vingadores do esfomeado e raquítico povo brasileiro, reconstrutores da moral nacional. Infelizmente, a mídia não deveria seguir esse caminho, mas essa é outra discussão.
Desapropriação das favelas
A mídia não atentou, ou fingiu não atentar, para fatos que saltam às vistas no planejamento e execução do Pan. A começar pelos gastos com as obras de infra-estrutura, inicialmente orçadas em R$ 800 milhões – o que já é demais – e que já ultrapassaram a casa dos R$ 3 bilhões. Não houve uma averiguação profunda por parte dos veículos de comunicação sobre o porquê dessa discrepância entre estimativa e execução, com o agravante de que boa parte desse valor fluiu dos cofres públicos, o que exala um cheirinho desagradável, um odor que remete à prática já bastante utilizada pela classe política nacional…
Seguindo, um investimento de R$ 3 bilhões numa competição esportiva, seja ela qual for, é exagero para um país que possui um investimento global presumido para 2007 de aproximadamente R$ 28 bilhões. Isso, sem mencionar que a maioria das obras encontram-se atrasadas, gerando desconfiança quanto a estarem adequadamente prontas quando da realização da competição.
Outra falha da cobertura midiática é a inexistência de pautas que relatem os transtornos provocados pela execução das obras. Por exemplo, 542 casas que circundam a Vila do Pan já foram demarcadas com tinta para demolição, antes mesmo que um acordo de desapropriação fosse fechado, o que caracteriza a expulsão dos moradores por parte do Estado. A alegação da Prefeitura foi de que as residências se encontravam em área de risco. Então, por favor, iniciem já a desapropriação de todos os barracos das favelas cariocas, pois a maioria deles está em situação de risco.
Comodidade, desleixo e interesse
Transtorna também a poeira levantada pelos canteiros de obras, que geram problemas respiratórios como asma, bronquite, sinusite e alergias nos moradores vizinhos. Uma mulher passou a arcar com R$ 75 mensais para a compra de vacina anti-alérgica para sua filha.
Outra se viu obrigada a providenciar a mudança de sua mãe de um local vizinho às obras do Estádio João Havelange, devido ao agravamento de uma bronquite. São fatos isolados, mas que, se analisados em conjunto, podem refletir o tamanho de desorganização que alicerça a logística e o planejamento dos Jogos. Há como se evitar tais transtornos: bastaria que tudo fosse feito com competência, preparo e inteligência.
Absurdo maior, vários canteiros de obras abrigam focos de mosquitos da dengue. Um dos funcionários contraiu a doença duas vezes e afirma que foi devido aos focos do mosquito presentes em lajes e reservatórios de água das obras. Inacreditável: os governos, estadual e federal, gastam milhões conscientizando a população sobre os riscos e as maneiras de se evitar a proliferação da doença, enquanto obras sob sua responsabilidade se transformam em criadouro e disseminador da dengue. Coisas de Brasil, que, infelizmente, não atraíram a atenção da grande mídia por comodidade, desleixo e interesse na realização de um Pan limpo e perfumado.
Tudo muito normal
Para finalizar, uma notícia que condensa tudo que foi dito: a pista de patinação de velocidade construída para o Pan não seguirá os padrões oficiais, sendo feita de um piso incomum para tal competição, além de não trazer uma inclinação de 15° em suas curvas, exigência seguida em todo mundo. Motivo de vergonha ou embaraço? Nada disso. Segundo o técnico da equipe brasileira, agora as nossas chances aumentaram, pois os atletas terão mais tempo para treinar no local que as equipes estrangeiras, o que lhes conferirá uma maior adaptação às peculiaridades da pista. Se não é possível levar o ouro pela competência, que seja através de fatores externos à excelência esportiva.
Estes são alguns argumentos pelos quais justifico minha discordância com os Jogos. E o argumento de que uma competição como essa deixa marcas positivas para a imagem da cidade do Rio, e conseqüentemente do Brasil, além de gerar uma infra-estrutura que poderá ser aproveitada posteriormente, me causam dúvidas. Para tal, é necessário dispor de um plano bem elaborado, que contemple os mínimos detalhes e englobe um largo horizonte temporal, coisa que aparentemente a organização desse Pan não se preocupou em buscar. Normal, muito normal em se tratando de Brasil.
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Estudante de Jornalismo, Belo Horizonte, MG