Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mais uma vez, a imprensa pisa na bola

Estou ficando bom nisso, daqui a alguns anos aprendo a escrever como um jornalista e aí o ‘bicho vai pegar’. O meu primeiro artigo no Observatório de Imprensa deu o que falar. Muita gente mandou mensagem, algumas a favor e outras muito pelo contrário. Mas o que importa é mexer com os brios dessa gente, cutucar a ferida, para ver se a coisa anda.

Novamente estou diante do teclado para tecer uma crítica ao jornalismo brasileiro. O que me estimulou, desta vez, foi ter expressado minha indignação para alguns amigos sobre uma notícia que deram no programa Balanço Geral, da Record, e me retrucaram:

‘Mas também, isso não é jornalismo! Essa é a nossa imprensa marrom escura, o que você esperava?’

Sinceramente? Esperava que essa gente não tivesse o espaço que tem, mas, no entanto, continuam aí, a todo o vapor! Liberdade é isso, eu digo o que penso para um público de meia dúzia de amigos e eles vomitam o que querem e o que não querem para milhões de brasileiros, usando uma concessão do governo para uma emissora de TV.

Vou contar esse caso, colando abaixo a carta que mandei à Rede Record. Estou mandando na íntegra, e como falo muito, se acharem muito extensa, com respeito ao entendimento, podem resumir…

‘Um absurdo, uma vergonha etc.’

À

Produção do programa Balanço Geral

c/c Secretaria de Educação de Ribeirão Pires

Prof. Rosí Ribeiro de Marco

Senhores:

O Prosedis é uma organização da sociedade civil de interesse público – Oscip que atua em defesa dos interesses educacionais de crianças e adolescentes, zelando pela qualidade de ensino e pela inclusão social de jovens na sociedade produtiva.

Por meio de matéria veiculada no programa Balanço Geral de 06/03/2009, soubemos de um caso ocorrido na cidade de Ribeirão Pires que nos chamou a atenção.

A matéria deixou a impressão de que a secretária de Educação da cidade de Ribeirão Pires agiu de forma negligente e, como afirmou a mãe da aluna em entrevista concedida ao Balanço Geral, teria a diretora da escola, agido com descaso, no que se refere à solicitação não atendida, referente a uma vaga para o 6º ano na escola municipal Engº. Carlos Rohm.

Aproveitando-se da situação, o apresentador do programa, Geraldo Luis, teceu severas críticas à secretária de Educação de Ribeirão Pires, bradando que o seu programa estaria ali, todos os dias, exigindo o direito daquela criança até que a vaga surgisse na escola porque aquilo era um absurdo, uma vergonha etc. etc…

Imparcialidade não é inação

Pois bem:

Gostaríamos de registrar ao programa Balanço Geral que, de posse destas informações, o representante do Prosedis, professor Jair Quadros Jimenez Jr, que, diga-se, defende os interesses legítimos dos estudantes por uma educação de qualidade, entrou em contato com a senhora secretária de Educação de Ribeirão Pires, Profa. Rosí Ribeiro de Marco, solicitando esclarecimentos sobre o fato.

Segundo a senhora secretária, o caso refere-se a uma criança (M.V.S.B) de 10 anos, que é estudante matriculada na Escola estadual Profº Leico Akaishi, registrada sob o número RA N: XXXXX652x-X e que solicitou transferência para a Escola municipal Carlos Rohm, e ainda que, naquele momento, segundo a direção da escola, não haveria a vaga. Portanto, ao que parece, a criança não ficaria sem estudar por falta de vaga, como dava a entender a matéria. O fato é que a aluna não teria a mesma facilidade de acesso, visto que para chegar até a escola estadual, onde está matriculada, demora muito mais do que para ir até a escola municipal, em ambos os casos, caminhando a pé.

A questão aqui, é que não se pode confundir recusa em conceder uma vaga para aluno em idade escolar, que é obrigatória nos termos da legislação, como fez crer a matéria da Record, com transferência de aluno que não está fora da escola, mas, sim, estudando em outra e pleiteando mudança para uma que seja mais próxima de sua residência, como informou a senhora secretária de Educação.

A gravidade da situação:

O Estatuto da Criança e do Adolescente é claro e atribui pena de responsabilidade pelo Art. 54 – VII P 2o., podendo incorrer em processo administrativo contra a autoridade pública que der causa. Portanto, é um assunto extremamente delicado e não pode ser tratado com leviandade nem com apelo de incitação da indignação pública, como bradava o apresentador da Record, sr. Geraldo Luis. Cada caso deveria ser analisado com a necessária imparcialidade pelo jornalismo, até para que se preste um serviço e não um desserviço para a sociedade. Deixo claro que imparcialidade não significa, de modo algum, inação. Ser imparcial é ouvir a todos e estar pronto para buscar as informações, onde quer que esteja a verdade e somente depois deste trabalho, levar à apreciação pública. Eu não fiz Jornalismo e não sei se esta é a missão dos jornalistas, mas na minha área, que é Educação, é assim que se deve agir sempre quando o assunto é o interesse de crianças, adolescentes e jovens.

Vai ficar muito pior

Portanto, faria muito mais e melhor se a matéria verificasse, por exemplo, por quê os ônibus escolares não funcionam para atender aos estudantes de todas as regiões da cidade? A indignação deveria estar no fato da menina caminhar duas horas para chegar a escola. Como é possível andar duas horas a pé para chegar até a escola?

A escola mais próxima, para a qual estava sendo pleiteada a vaga, também é distante, está a uma hora a pé de caminhada, como frisou a reportagem. Mas o mais interessante – e triste – é que ninguém se deu conta de que o problema que parece grave na região é de locomoção e transporte escolar, e não de transferência de alunos de uma escola para outra…

Entramos em contato com a E.E. Leico Acaichi e a diretora nos informou que o transporte não passa pelo bairro (São Caetaninho) onde mora a aluna porque se trata de um bairro distante (mais de 3kms da escola e o atendimento é de até 2 kms da escola) e trata-se ‘apenas’ de uma aluna, o que inviabiliza o deslocamento do veículo…

Este é o fato! Este é o foco! Esta é a notícia! Este é o objeto de atenção e interesse público!

O Estado está envolvido e a municipalidade não pode fazer nada. Com as mudanças que estão sendo propostas pelo Estado, vai ficar muito pior… Isto é que deve ser investigado, pelo amor de Deus! Onde estão os bons jornalistas? Provavelmente acomodados em suas mesas, chefiando equipes de reportagens que fazem da notícia algo tão comum quanto o trânsito nas grandes cidades.

Uma situação contornável

Precisamos de ajuda e não podemos contar com essa imprensa, ‘técnica’, rasa, cheia de mesmices do cotidiano…

Para quem não sabe do que estou falando, aproveitemos a oportunidade:

O real problema, que, como sempre, os jornalistas não estão vendo, é o que está fazendo o governo do Estado, tirando recursos do município por meio de uma estratégia que parece combinar boçalidade com má-fé e se não houver intenção de prejudicar é de uma ingenuidade ímpar na estória da administração pública.

O fato é que numa estratégia sem fundamento, o governo estadual está tomando para si as turmas de alunos do ensino fundamental, antes aos cuidados das prefeituras, e desmontando a estrutura criada em centenas de municípios paulistas para atender a este público. Tanto que o secretário de Educação da capital de São Paulo, Alexandre Schneider, disse que não admitirá este tipo de intervenção, até porque o orçamento da Educação na capital é maior do que de muitos estados brasileiros e a qualidade de ensino da prefeitura de SP dá de dez na do Estado.

Isso tudo está acontecendo debaixo dos olhos de todos os cegos e caolhos que se intitulam rei neste país, inclusive e especialmente da imprensa brasileira. Este e outros fatos poderiam ser extraídos de uma conversa mais aprofundada, uma entrevista mais elaborada e um espaço maior na mídia. Afinal, trata-se dos recursos que levam transporte, material didático, aperfeiçoamento de professores e que vêm da mesma base, ou seja, esta que o governo estadual está tentando usurpar das prefeituras, e isto ninguém vê.

No entanto, e por outro lado, estamos aqui, com todo o respeito que a menina de Ribeirão Pires nos merece, preocupados com a transferência de aluno uma escola para outra, ocupando tempo de televisão para mostrar uma situação perfeitamente contornável no âmbito doméstico da pequena e pacata Ribeirão Pires, em detrimento de buscarmos causas mais profundas para os problemas que afligem as escolas e a educação no Brasil.

O que a sociedade quer saber

Se ao menos fosse resolver o problema da aluna, seríamos os primeiros a defender, mas este definitivamente não é o caso. Eu falei com a diretora da EE, Leico Acaichi, onde a menina estuda, e me confirmaram toda a estória. Realmente, a menina não tem freqüentado as aulas porque é distante, pelo menos 5 kms, e mesmo não sendo duas horas de caminhada, como enfatiza a matéria do Balanço Geral, para uma menina problemas graves de saúde, a distância é muito longa. A diretora da escola me afirmou que o transporte escolar não atende a áreas superiores a 2 kms da unidade escolar, principalmente se for para atender um único caso. Aí está a questão que a matéria, falha, não trouxe para a opinião pública.

Infelizmente, as reportagens jornalísticas estão perdendo o senso investigativo e até o seu papel de contribuir para melhoria da sociedade. Não é atacando, levianamente, pessoas que estão no poder público, acobertadas por uma exacerbada liberdade de expressão, que vamos resolver os problemas.

Claro que, às vezes, é preciso ser contundente. Nós mesmos, aqui no Prosedis, tivemos casos de representação no Ministério Público contra determinadas ações e/ou inações do poder público, mas cada caso deve ser analisado antes de ventilado de forma sensacionalista e sem o objetivo de servir aos interesses da sociedade.

O caso da menina de Ribeirão Pires (M.V.S.B) poderia ter sido tratado pela imprensa de forma conciliatória, buscando alternativas para solução e não o enfrentamento desnecessário com a dirigente da pasta da Educação na cidade.

Se o compromisso da imprensa é com a verdade, é bom que saibam certos jornalistas que a verdadeira informação de interesse não está nas aparências ou nos efeitos imediatos de indignação, mas na profundidade das investigações que trazem à tona as respostas que buscamos para os fenômenos que vivenciamos diariamente em nossa sociedade.

A sociedade queria saber, neste caso, se dar a vaga para a menina resolverá os seus problemas… Pelo que vimos na reportagem, parece que não; queremos saber sobre a falta de condução escolar; as condições gerais de vida das famílias, inclusive como essa menina e outras crianças são tratadas nas suas questões de saúde, que não é apenas dever, mas prioridade do Estado; queremos saber sobre o trabalho da assistência social e promoção humana; queremos saber o que acontece em cidades como esta, onde o que menos importa, até mesmo para a menina desta matéria, é se ela vai ser transferida de escola ou não…

******

Pedagogo e presidente do Prosedis, São Paulo, SP