O respeito à inteligência e ao nosso conhecimento da realidade, capacidade de observação, análise e compreensão dos fatos que a Folha de S. Paulo demonstra ter por nós, seus leitores históricos – há mais de 30 anos leio praticamente todos os dias – se traduz na forma ridícula como este jornal apresentou o gráfico da pesquisa DataFolha no domingo, 9/4.
Quando um veículo com a credibilidade e a tradição da Folha manipula e adultera de forma tão grotesca uma informação visual, em que qualquer semi-analfabeto percebe a intenção de distorcer a realidade, fico a pensar: o que este jornal e a imprensa não serão capazes de fazer com a informação escrita, da qual nós leitores não temos, na maioria das vezes, como atestar a veracidade? Sinto-me tratado como um idiota.
No gráfico que está no alto da primeira página Lula cresce seis pontos, de 36% para 42%, mas o gráfico mostra como se Lula estivesse caindo. Na linha azul que representa o candidato do PSDB Alckmin, no mesmo intervalo da subida de Lula em seis pontos, o tucano sobe três pontos, mas seu gráfico tenta induzir forte crescimento com um ângulo de inclinação que não guarda absolutamente qualquer proporção. A má-fé fica ainda mais explícita quando vemos que na página 4 o gráfico está perfeito.
Desde aquele domingo fiquei pensando em cancelar a minha assinatura da Folha. Nós, leitores, sabemos que o jornal é competente demais para cometer um erro tão grosseiro. Infelizmente, trata-se de manipulação que desrespeita a nossa capacidade de observação e crítica.
Cedeu à tentação
Fiquei esses dias na dúvida se escreveria ou não para expressar a minha decepção, até porque tenho absoluta certeza que o jornal jamais publicaria uma errata que, para ser honesta de verdade com os leitores e com a própria tradição e importância da Folha na história da imprensa brasileira, deveria trazer o gráfico errado ao lado do gráfico certo, nas proporções corretas, e clara indicação do erro cometido na capa do jornal, na mesma posição em que saiu na edição daquele domingo. Como não foi erro, e sim manipulação estratégica da informação, visível aos milhões de leitores que olham os jornais expostos nas bancas, essa errata não tem nenhuma chance de acontecer.
Mas a minha relação com a Folha é igual à do inteligentíssimo, sábio e justo povo brasileiro com os praticantes do caixa dois – apesar de achar que Lula tem pouca ou muita culpa dos acontecimentos, continua votando em Lula, porque ele de fato fez muito pelos menos favorecidos, enquanto os tucanos só têm discurso, competência mesmo só para fazer privatizações a preço de banana para a nação, e nem tanto para seus cofres dois, como dá para imaginar que aconteceu na Vale do Rio Doce, nas teles – e caixa dois sem deixar vestígios. A não ser os vestidos da Lu Alckmin, a velha propaganda a serviço de um mensalinho versão Alckmin ou os guardados a sete chaves na caverna dos vampiros da saúde do Serra, que doou plasma do nosso sangue como matéria-prima a um laboratório francês. No caso presente, apesar de tudo a Folha continua sendo o melhor jornal, e como diz o slogan, ‘não dá para não ler’.
Continuo a ver a Folha como o melhor jornal do Brasil, mas não mais como o mais isento, pois cedeu à tentação de manipular até informações visuais, como tática em defesa dos interesses políticos e econômicos de seu grupo empresarial. Mesmo assim continua o jornal menos parcial, até pela competência com que busca, dentro de todos esses paradoxos, ser o espaço e o canal para a liberdade de expressão, mantendo o melhor da tradição e do papel que têm os grandes veículos de comunicação do mundo.
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Especialista em análise de pesquisas, diretor de Criação e Planejamento da Vitória Comunicação Estratégica, Belo Horizonte