‘Um dos principais objetivos do jornalismo é a informação exclusiva. Um jornal deve ser, antes de tudo, bem informado. Embora não deva ser o único critério usado para avaliar um veículo ou um profissional, o furo (como se diz no jargão das Redações) bem dado contribui para a credibilidade de um jornal.
A disputa pelo furo é tão acirrada entre os meios de comunicação que criou algumas deformações. Uma delas é ignorar ou subestimar a importância de uma notícia se ela originalmente tiver sido publicada em um jornal concorrente.
Nesta semana, a Folha comportou-se diferentemente desse figurino. Na quinta-feira, ela, bem como o resto da imprensa paulista, levou um grande furo. ‘O Diário de S. Paulo’ deu, com exclusividade, a seguinte manchete: ‘Documento apontava vencedores da licitação do lixo já em fevereiro’.
O jornal informava que um consultor gaúcho registrara em cartório, em fevereiro, os nomes dos grupos que ganharam, na terça-feira, a maior concorrência para coleta, transporte e tratamento de lixo do país, de R$ 10,33 bilhões. Era um indício de fraude.
Na sexta-feira, a Folha também deu manchete para o assunto, coincidentemente com um documento também registrado em cartório, mas duas semanas atrás. Os documentos da Folha e do ‘Diário’ são diferentes, mas acertam igualmente os nomes dos ganhadores.
O uso de recursos como esse para tentar comprovar arranjos e fraudes em concorrências públicas não é novo. O caso mais famoso foi iniciativa de Janio de Freitas, colunista da Folha, em 1987, quando fez publicar nos classificados do jornal, codificado, o resultado da concorrência para a construção da ferrovia Norte-Sul: ‘Concorrência da Ferrovia Norte-Sul foi uma farsa’. O resultado foi, então, anulado.
Se a Folha tinha o registro em cartório dos vencedores da licitação do lixo de São Paulo há 15 dias, por que o jornal não divulgou a informação na quinta, como fez o ‘Diário’?
Suzana Singer, secretária de Redação da área de Edição, responde: ‘Não demos na quinta por precaução. Não sabíamos que o ‘Diário’ também tinha informação semelhante. O nosso material não estava bom na noite de quarta. Era necessário ouvir melhor o outro lado [as explicações dos nomes citados pela reportagem], era necessário que o material fosse lido com cuidado por um dos nossos advogados e era necessário melhorar o texto da reportagem. Não queríamos correr o risco de publicar algo malfeito. Foi excesso de prudência, mas foi correto’.
E por que deu destaque de manchete para uma informação que o ‘Diário’ já tinha veiculado e, portanto, já não era uma completa novidade? Resposta de Suzana Singer: ‘O caso é importante demais pelo tamanho da licitação, de R$ 10 bilhões, e por envolver recursos públicos. Além disso, avaliamos que o material da Folha era mais rico, tinha mais informações’.
A Folha teria a mesma prudência se soubesse que o ‘Diário’ tinha informação semelhante?’
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‘A compra da Embratel’, copyright Folha de S. Paulo, 2/5/04
‘A Folha publicou no domingo passado sua reportagem de maior impacto do ano. Baseado em análises de documentos apreendidos legalmente pela polícia de São Paulo na presidência e na vice-presidência da Telefônica, o jornal informou que as três principais empresas de telefonia do país, reunidas num consórcio para comprar a Embratel, pretendiam recuperar seus investimentos no negócio aumentando ‘até o teto’ suas tarifas.
Os documentos recolhidos pela polícia permitiram que o jornal desse a seguinte manchete: ‘Teles negociam compra da Embratel para subir preços’. Esse tipo de reportagem, que envolve empresas privadas e disputas por mercados, costuma gerar imediatamente reclamações e pedidos de esclarecimentos. Desta vez, isso não ocorreu. Na noite de quinta-feira, a assessoria de comunicação da Telefônica encaminhou para o ombudsman um documento intitulado ‘Argumentário sobre noticiário da Folha de S. Paulo’, com duas reclamações.
A primeira é relativa à reportagem ‘Redação de lei vai ser investigada’, de 27 de abril, na página B4 da edição que circula em São Paulo. Segundo a Telefônica, a notícia levanta a suspeita de suposta interferência do presidente do Grupo Telefônica na redação de decreto de junho de 2003, que acabou com a indexação para o reajuste das tarifas telefônicas. A empresa argumenta, com razão, que o decreto foi discutido em reunião das teles com o presidente em junho do ano passado e foi amplamente noticiado pela imprensa.
A segunda reclamação diz respeito ao texto ‘Documento apreendido traz raio-X do Cade’, publicado na quarta-feira na página B6 do caderno Dinheiro. A reportagem revela que, entre os papéis analisados, foi encontrado um ‘roteiro de orientação do lobby das três teles fixas’. Um relatório da Telefônica detalhava os perfis políticos de integrantes de órgãos controladores e reguladores do sistema de telecomunicações. Caso conseguisse comprar a Embratel, o consórcio das três teles precisaria da autorização desses órgãos.
Segundo a assessoria de comunicação da Telefônica, a ‘reportagem tenta travestir de ilegitimidade uma prática comum nas empresas e órgãos públicos (e até na própria imprensa), como os perfis de deputados ou ministros, sempre que se inicia um novo governo ou uma nova legislatura. A Folha, porém, na reportagem em questão, tenta caracterizar essa prática rotineira e legítima em instrumento de pressão contra os órgãos de defesa da concorrência -o que é absurdo’.
Nesse caso, discordo da assessoria da Telefônica. As informações publicadas adquiriram interesse jornalístico porque fazem parte de um contexto maior de disputa por mercado. O fato de o levantamento de perfis ser um trabalho rotineiro na empresa não significa que não deva ser notícia.
A Folha já havia publicado essas reclamações no seu ‘Painel do Leitor’ de sexta-feira, mas sem resposta do jornal. Perguntei à Secretaria de Redação se a falta de respostas significava que o jornal admitia os erros e obtive a seguinte resposta da secretária de Redação Suzana Singer: ‘Decidimos não responder à carta da Telefônica porque ela não contradiz nenhuma informação publicada. São apenas interpretações diferentes sobre o material apreendido’.’
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‘Frase do leitor’, copyright Folha de S. Paulo, 2/5/04
‘‘O jornal tem de surpreender o leitor. Nenhum jornal tem feito isso atualmente’ –
Márcio Paula Moraes, 36 comerciante, de São Bernardo do Campo (SP), por e-mail’
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‘Notas’, copyright Folha de S. Paulo, 2/5/04
TV Globo na Amazônia – A Direção de Jornalismo da Rede Globo informa, a propósito da coluna de domingo passado sobre a cobertura jornalística da Amazônia (‘O Brasil desconhece o Brasil’), que conta hoje, na região Norte, com os serviços de 305 profissionais contratados por emissoras afiliadas. Informou também que o repórter que enviou de Brasília para acompanhar, em Porto Velho, a Operação Mamoré, da PF, não cobriu a rebelião no presídio Urso Branco.
Conferência anual de ombudsmans – Começa hoje em St. Petersburg, na Flórida (Estados Unidos), a conferência anual de ombudsmans de jornais filiados à ONO (sigla em inglês para a organização de ombudsmans de meios de comunicação). Está prevista a participação de representantes de 11 países. Estarei fora ao longo da próxima semana para participar da conferência. Não será feita, portanto, a crítica interna diária da Folha nem a coluna do próximo domingo.’