Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mario Lima Cavalcanti

‘Quando o assunto é jornalismo online no Brasil, é preciso sairmos do eixo Sudeste-Sul para ver como anda a cena nas outras regiões. Sempre admirei o cenário de Internet em estados como Bahia e Pernambuco, que estão em constante evolução e, em se tratando de JOL, de igual para igual com Rio e São Paulo.

Mas foi no Tocantins que encontrei uma pessoa com muita garra e força de vontade para o ensino de JOL. A jornalista Ana Maria Negreiros ministra na Fundação Universidade de Gurupi (UNIRG), em Gurupi, duas cadeiras, sendo uma delas a de jornalismo online. Um bom método de ensino e a sua preocupação – e a do resto do corpo docente – em realmente preparar o aluno para o mercado de trabalho, acabam se tornando o diferencial. Em conversa via MSN – com direito a Webcam – Ana Maria contou como é sua rotina de ensino de JOL e o que pensa sobre o mercado.

JOL – Fale um pouco sobre a UNIRG e (por que não?) sobre a cidade.

Ana – Gurupi fica há 250 km de Palmas. A UNIRG – Fundação Universidade de Gurupi tem como mantenedor o município. Seu trabalho está voltado para o fomento social. O aluno da UNIRG mora na região de Gurupi, não exatamente na cidade – alguns há 100 km inclusive. A maioria é de classe baixa e média, raras exceções são de classe alta. São pessoas que se interessam pelo que fazem, para tentar mudar de vida. A UNIRG oferece toda estrutura necessária. Em junho, por exemplo, vamos disponibilizar o material dos meninos de áudio e vídeo. Os acadêmicos do quarto período possuem o programa de rádio RADIAÇÃO (cujo site vai ao ar em junho).

JOL – Quando se deu seu primeiro contato com JOL?

Ana – Na faculdade, enquanto estudante. Apesar da UNITINS, onde me formei, não oferecer na época a disciplina de JOL. Foi mais curiosidade, principalmente a leitura – sou meio autodidata.

JOL – Há quanto tempo você ministra aulas na UNIRG? Como foi sua ida para essa universidade?

Ana – Comecei na UNIRG no início de setembro de 2003. Fui apresentada à instituição por uma amiga – que é radialista – e me convidou para fazer uma banca. Fiz e passei. Logo, a coordenação da comunicação convidou-me para assumir duas cadeiras. A cadeira de jornalismo online – para qual havia feito a banca – e introdução ao jornalismo, política e ideologia.

JOL – Como é a sua rotina e o seu método de ensino na UNIRG?

Ana – Não sou uma professora tradicionalista, busco aliar a teoria e a prática. Então minhas aulas são divididas em dois momentos: um teórico – na sala de aula – e o outro prático – na redação da instituição. No caso do Jornalismo Online trabalhamos com experimentos. Os meninos precisam criar o projeto de um site, planejando desde o seu conteúdo até seu layout.

JOL – O que você procura passar para seus alunos em termos de JOL e conteúdo? Tenta-se mostrar para eles as possibilidades, as características naturais da Internet?

Ana – No final do semestre cada acadêmico – individualmente – entrega ao conselho editorial do curso o projeto de um site de conteúdo e o estudo da viabilidade econômico-financeira desse site. Em primeiro lugar dou uma situada na questão digital – a maioria dos alunos é formada por pessoas que não possuem computador em casa, e sentem dificuldades – de todos os tipos – com a informática. Então já incentivo um curso básico, mostrando para eles o quanto é importante que o jornalista tenha domínio dessa nova mídia – enfocando sempre o mercado de trabalho. Após isso, baseio minha disciplina em três pilares: 1. planejamento estratégico – quem é meu público-alvo e qual linha vou adotar; 2. como será construído baseando navegabilidade, interatividade e a maneira como o conteúdo será disponibilizado – de acordo as teorias comunicacionais; 3. simulação da redação online, onde os acadêmicos do jornalismo cumprem um horário estipulado por escala – que é formada através de sorteio, junto com nosso assistente Gustavo Brito – acadêmico de Publicidade. Semanalmente duas equipes cuidam do material que eles estão testando, que é o site da comunicação social da Unirg – que funciona como um portal destinado à comunidade acadêmica. Nesse portal – denominemos assim – estão as páginas do jornalismo e da publicidade, com todo o material didático das disciplinas disponibilizado para que o aluno tenha acesso antecipadamente à aula preparada pelo professor. Tem o calhau no jornalismo e o brifando na publicidade, que é um chat para que eles troquem informações sobre os trabalhos e outras temáticas e ainda o jornal aconTECENDO. O manual de redação da disciplina para o conteúdo exige textos curtos, uso de outros recursos como áudio e vídeo, além do hipertexto. A linguagem adotada é a nossa boa linguagem jornalística: textos curtos, claros e objetivos que buscam o leitor-modelo.

JOL – O manual de redação foi criado por você mesma?

Ana – Está sendo desenvolvido pelos estudantes e pelo o conselho editorial. Não trabalhamos, em nenhum momento, de forma individualizada. O acadêmico participa ativamente das decisões, e eu como professora conselheira tenho outros cinco colegas do conselho editorial que trabalham comigo. Nosso trabalho é em equipe. Na verdade, coordenamos o trabalho dos acadêmicos. No caso da nossa página, ela possui falhas, erros horrorizantes. O trabalho de março é que eles consigam detectar e corrigir essas falhas. Se conseguirem vou ficar muito feliz, já que meu objetivo está sendo atingido. Trabalhamos por metas na Unirg. Em fevereiro a meta foi colocar o aconTECENDO no ar e prepará-los para atuar em tempo real. Em março é a correção da home e a largada para o concurso do novo layout da home. Já em abril é o uso de programas como o flash. Nosso princípio é o que site seja funcional. O manual de redação está em fase de desenvolvimento. Sua versão (digamos que praticamente acabada) só ficará pronta quando a experimentação tiver sido aprovada, em eleição, por todo o curso. Esse manual está em teste, já que a linguagem que adotamos pode ser mudada conforme a sugestão do aluno. O rascunho que está em vigor é meu sim. Vale dizer que nosso curso está online, ao ponto que nosso material está disponível na Internet para nossos alunos, porque temos muita gente que mora em outra cidade e não tem condição de ficar o dia todo na Unirg. Além disso, os alunos obrigatoriamente têm que estar lendo e se reciclando, já que precisam elaborar as apostilas para disponibilização. Outra coisa é que o aluno não precisa sair de casa para trabalhar. Eu os oriento através do Messenger.

JOL – Sua cadeira acompanha alunos de qual período?

Ana – São acadêmicos do quinto período.

JOL – Como você analisa a cena de jornalismo online no Tocantins?

Ana – Essa experiência é a primeira de um curso de jornalismo do Tocantins. Nenhum outro trabalha com JOL e olha que são três. Ainda está engatinhando. Nossos profissionais estão começando a descobrir esse universo, mas falta qualificação. Não temos cursos – nem mesmo oficinas – para reciclagem. Quem ama o JOL, como eu, tem que procurar em outros estados, já que o desenvolvimento da área está centrado nas regiões Sul/Sudeste, exceto a Bahia que é um exemplo e o principal pólo de estudo. Os melhores sites de conteúdo do Tocantins são os institucionais e a maioria não foi desenvolvida por profissionais do Estado. São raríssimas as exceções: profissionais – jornalistas que trabalham com a mídia digital – não participa do planejamento do site de conteúdo – o que deveria ser obrigatório. Exemplo: se a empresa X vai desenvolver um site de conteúdo, contrata-se um jornalista para planejar e um webdesign para executar, mas aqui não, o webdesign planeja, cria, é um faz tudo, e o site sai com problemas seríssimos. Falta a percepção de que o webjornalista não é aquele que redige e apura notícias para a net, mas aquele que planeja, edita, apura, e, principalmente, dá pitacos na net. Eu espero que a Unirg jogue no mercado o profissional polivalente. O JOL no Tocantins – no caso dos jornais – é uma segunda opção de fazer a leitura da versão impressa. Não tem nenhum diferencial, nenhum atrativo.

JOL – O que você acha do atual ensino de JOL nas universidades brasileiras?

Ana – o ensino nas universidades está muito longe de ser o ideal. Várias universidades correram para colocar o JOL na sua grade, e se preocuparam em ensinar o profissional a ser um redator para o mundo online. Universidades em que a avaliação é feita por quem publica mais textos. Esse não é o método ideal. Mas eu também ainda não encontrei o ideal. Todo dia estou em busca e acredito que no cotidiano, e com muita dedicação, com muito estudo sobre o assunto, os pesquisadores da área e eu, inclusive, vamos descobrir qual o método. Essa maneira que estamos fazendo na Unirg é uma opção, que só vamos ver sua validação quando nosso acadêmico estiver no mercado, porque o que vemos hoje são profissionais deficientes. Mas Mario, eu tenho uma filosofia de que a universidade é responsável por 30% da formação do acadêmico, os outros 70% dependem dele – do interesse em buscar a aprendizagem através de leituras e dedicação. A universidade brasileira, que é a melhor no ensino de JOL, é a UFBA. Ela, em breve, vai descobrir a melhor forma de trabalharmos o JOL – até porque ela é única que tem se dedicado a este estudo.

JOL – O que as universidades poderiam fazer para melhorar o ensino de JOL?

Ana – Acho que depende de um estudo aprofundado, quem sabe até da formação de um grupo de professores de várias instituições estudando juntos como fazer para conseguirmos melhorar, porque hoje são projetos isolados, e ainda não se chegou ao ideal. E, principalmente, o incentivo à criação de novos grupos de pesquisa científica na área.’



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‘Fim de jogo, início de cobertura’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 2/03/04


‘Brigas em frente ao estádio Maracanã após os jogos já é algo comum no cotidiano dos cariocas. A idéia da jornalista Cristina Dissat, de cobrir relatando do seu apartamento o que acontece na frente do estádio após o término das partidas reforça a utilidade dos weblogs como veículo noticioso.


Uma das sócias da Informed, empresa de produção de conteúdo para sites, Cristina conta, em entrevista via MSN, como funciona o weblog fimdejogo – hospedado no Blog-se – e dá sua opinião sobre esse modelo de cobertura.


Jornalismo Online – Como surgiu a idéia do fimdejogo?


Cristina Dissat – De uns meses para cá venho observando que as brigas do lado de fora do estádio vêm tendo um comportamento repetitivo. Elas não acontecem logo depois que o jogo acaba. Em geral, as brigas feias começam uns 15 ou 20 minutos depois, quando algumas torcidas organizadas começam a sair. Isso é um comportamento diferente de alguns anos para cá, pois fui sempre uma frequentadora assídua do Maracanã, na época de Zico, Júnior e Raul. Eu olhava aquele confronto e ficava nervosa demais. Passei a ficar observando a saída dos torcedores para tentar avisar a polícia onde eles estavam. Fiz isso inúmeras vezes. Em algumas ocasiões eu descia antes do final do jogo para prevenir os policiais quais eram os pontos-chaves. A vista do meu apartamento no 8º andar é privilegiada e facilita a localização dos brigões. Cheguei até a ligar para repórteres amigos que cobrem esportes para ajudar a divulgar essa informação e facilitar a ação dos policiais. Mesmo assim eu continuava nervosa como se pudesse fazer mais alguma coisa. Em um desses jogos resolvi sentar no computador e montei o blog. Minutos depois da confusão começar. Foi um alívio. Achei que de alguma forma eu faria com que as pessoas soubessem e, em algum momento, essa informação serviria.


Jornalismo Online – Após qual jogo você decidiu montar o blog? Há quanto tempo está no ar?


Cristina Dissat – Foi no dia 1º de fevereiro, em um Fla Flu. Se não me perdi, já cobri uns 4 ou 5 jogos. Alguns foram apenas registro, porque com o estádio meio vazio, tudo fica mais tranquilo.


Jornalismo Online – Entendo. Eu achei a linguagem do fimdejogo bastante parecida com a do rádio. A intenção era essa mesma ou o formato se deu naturalmente?


Cristina Dissat – Foi naturalmente. Aliás, algumas pessoas acharam um pouco dramático em algumas ocasiões. Acho que é sim, pois escrevo no momento em que vejo a correria, as brigas. Não há como não se envolver emocionalmente com o que estamos vendo naquele momento. Acho que tive sorte na hora de escolher o nome do blog. Não sei se as pessoas pensam nisso. O interessante é que envolvi a família inteira, porque às vezes não dá para ver e escrever ao mesmo tempo e ainda fotografar. Meus filhos da janela vão dando dicas e meu marido, que é fotógrafo, se empolgou tanto que acabou parando dentro da Geral do Maracanã para fotografar.


Jornalismo Online – (risos). Ao ver o fimdejogo, lembrei do Salam Pax, que, de dentro da sua casa, no Bagdá, contava seu ponto de vista da guerra no Iraque. Essa visão privilegiada é essencial para esse modelo de cobertura.


Cristina Dissat – Também pensei nisso na hora. Uso inclusive essa explicação para contar para algumas pessoas sobre o que é o fimdejogo. Acho que outro detalhe interessante é que venho recebendo comentários de diversos lugares. Um colega de Porto Alegre disse que vai repetir a idéia por lá. Procuro aproveitar também minha época de torcedora fanática. Tenho vivência de estádio e isso ajuda a entender o que acontece. Na medida do possível tenho procurado ser imparcial na hora de enviar as mensagens. Só não consegui no último Fla Flu. Outro fator que acho agradar é a inclusão de fotos na hora que as coisas acontecem. Não sei se você notou mas os posts têm diferença de 10 minutos, ou menos às vezes. Outro detalhe é a preocupação com o título. Precisa ser alguma coisa interessante, emocionante ou até engraçada.


Jornalismo Online – É um formato que está se conhecendo. Acho que a natureza do veículo pede isso sim. Você considera esse modelo um nicho?


Cristina Dissat – Acho, mas ainda tenho dúvidas se a maioria das pessoas encara isso dessa forma. Eu não gostava muito de blogs, pois precisava ver uma real utilidade do que apenas sair contando um pouco da vida de cada um.


Jornalismo Online – Quando você diz pessoas, se refere aos leitores ou aos colegas?


Cristina Dissat – Colegas.


Cristina Dissat – Acho que o blog funciona muito bem, quando se torna um serviço.


Jornalismo Online – Sim, essa real utilidade vem crescendo cada vez mais. Considero o ano passado como o ano que consolidou essa maneira de se usar blog. Basta ver a quantidade de edições online de jornais que acataram a idéia.


Cristina Dissat – Com certeza. Eles têm servido até para disponibilizar oportunidades de emprego.


Jornalismo Online – Um canal online de informação seguindo essa metodologia não corre o risco de cometer erros? Hoje em dia os leitores estão preferindo uma informação mais apurada e correta do que a instantaneidade, a pressa, a euforia em colocar uma informação no ar que fez muitos veículos online cometerem erros grosseiros. Como essa situação poderia ser evitada?


Cristina Dissat – Tudo é possível. A vantagem do fimdejogo é que estou vendo, ou seja, a probalidade de errar passa a ser questão de ponto de vista e não do fato. Muito erros nos sites de notícias acontecem quando o repórter não está no local. Ele relata o que soube e não o que viu. Eu lembro quando um prédio começou a rachar aqui no Largo do Machado [onde Cristina trabalha]. Em um site eu vi que a varanda estava caindo. Eu olhava da janela do escritório e via que era exagero. Parece aquela brincadeira de telefone sem fio. No caso do fimdejogo eu vou relatando tudo o que estamos vendo na janela. Quando perco o campo de visão eu aviso.


Jornalismo Online – Seria essa então sua maior dificuldade, um campo de visão limitado? Ou teriam outras dificuldades?


Cristina Dissat – Só isso. Estou fazendo contato com amigos (inclusive dos meus filhos) que morem nas imediações. Assim amplio o campo de visão. Na próxima quarta-feira vou conseguir transmitir melhor ainda, porque meu marido e meus filhos irão ao jogo.


Jornalismo Online – Na época da guerra contra os Talibãs já se falava num modelo ‘ideal’ de cobertura usando videorepórteres com videofones ou laptops com celulares. Bases móveis para coberturas de grandes acontecimentos. O que você pensa desses formatos?


Cristina Dissat – Acho que é uma alternativa. Já ouvi o Nachibin falar sobre isso. Por um lado é enxugar a equipe, mas por outro você tem um ganho na informação que transmite. Algumas atividades não poderiam ser realizadas por limitação de verbas. Apesar de achar que cada profissional tem sua área de atuação e precisa respeitar a dos demais, aumentar o seu conhecimento (até técnico) pode ser o elemento chave dentro de uma equipe.


Jornalismo Online – Em alguns casos um repórter concentrando tudo, digo, a parte de filmagem, foto e envio das informações para a redação através dessas tecnologia citadas pode vir a se tornar, dependendo do caso, algo mais viável, em termos de cobertura. Obviamente teria que ser um profissional com conhecimentos dessas funções.


Cristina Dissat – Acho que isso não deve ser considerado como uma atividade constante e sim de emergência. Se você sabe lidar com tecnologia e precisa usar desse conhecimento em casos especiais não vejo problema. Por exemplo, se sei usar bem uma câmera fotográfica, vou usar, mas não vou querer substituir o trabalho de um bom fotógrafo. No fimdejogo quem faz as fotos é o Celso Pupo, porém quando saímos de carro para ver o movimento e ele estava dirigindo eu precisei fotografar. Sei fazer isso, mas não com a técnica que ele tem.


Jornalismo Online – O que você tem a dizer para os colegas que desejam montar em suas cidades um veículo com esse modelo?


Cristina Dissat – Escolham um bom nome, tenham uma rotina (na medida do possível) e principalmente contem a verdade. Não dá para enganar os internautas.’




CINEMA & MÍDIA
Antonio Brasil

‘A morte do cinema de verdade’, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 27/02/04

‘Os nossos heróis não deveriam morrer jamais. Esta semana fui surpreendido com a notícia do trágico acidente com Jean Rouch nas estradas do Niger. Aos 86 anos, ele ainda estava em plena atividade e tinha participado de uma mostra de seus filmes no Niger. Para mim e para toda uma geração de cinéfilos, Jean Rouch não era somente um grande cineasta e documentarista. Ele representava uma nova proposta de ver o mundo e produzir cinema de verdade. O mestre francês também era um produtor de imagens, um cineasta-cinegrafista.

Ao contrário da maioria dos diretores de cinema, Jean Rouch não tinha medo de enfrentar as câmeras. Ele sabia fotografar muito bem e foi responsável por uma revolução na técnica cinematográfica. Entre inúmeras ousadias, Jean Rouch criou uma nova linguagem audiovisual ao libertar a câmera do seu próprio imobilismo, de sua própria prisão.

A lenda da câmera na mão

Diz a lenda, que um dia, ao filmar um de seus primeiros documentários no Niger, Jean Rouch atravessava um rio e por acidente, perdeu um equipamento fundamental para suas filmagens; o tripé de câmera. Ele não se intimidou. Decidiu filmar tudo com a câmera na mão. O cinema nunca mais seria o mesmo. Como tantas outras, essa ‘lenda’ pode não ser verdadeira, mas é muito significativa. As pequenas câmeras disponíveis nos anos 60 ainda eram reféns da linguagem cinematográfica hollywoodiana. Lugar de câmera era presa ao tripé. Jean Rouch se rebelou contra os limites da imagem e criou um cinema novo. Como nas lendas, num passe de mágica, Jean Rouch estabelecia uma novo estilo de documentários, mais livres e participativos. Longe do tripé, o cineasta-antropólogo se aproximava de seus personagens e ao criar o cinema-verdade encontrou a ‘verdade’ do cinema.

Cinema de guerrilha

Em outros países como o Brasil, jovens diretores de cinema também embarcavam nessa Nouvelle Vague. Eles aperfeiçoaram essa nova linguagem cinematográfica com jeito de cinema novo. O que era lenda se tornaria lema: uma idéia na cabeça e uma câmera na mão. Ao fazer escola, Jean Rouch se encarregou de mostrar que as novas tecnologias de sua época, as pequenas câmeras de 16mm acopladas a gravadores portáteis com som sincronizado poderiam revelar um mundo novo. Para toda uma geração de cineastas, principalmente em países do terceiro mundo, sua influência é fundamental e inegável. Jean Rouch mostrava os caminhos de um cinema novo, um cinema de guerrilha.

Os filmes do cineasta francês foram recebidos em diversos países com ares de libertação. A estética do cinema passou a ter uma identidade nacional e não era mais refém da técnica cinematográfica ou dos limites ideológicos. Seus filmes demonstravam que uma revolução era possível nas imagens e na política. Ao contrário das ameaças, a nova tecnologia poderia ser pluralista e libertaria. Seus filmes retratavam uma África mais humana, menos exótica e mais próxima do olhar de um cineasta-etnógrafo ou um cineasta-cinegrafista. Jean Rouch abandonou o seu olhar estrangeiro, buscou uma nova identidade e se declarou Moi, un noir. Em seus filmes, ele se tornaria um híbrido mecânico, extensão de sua própria câmera. Abandonou o tripé para se aproximar de seus personagens e criou uma nova realidade para o cinema.

Vertov e o Cinema-Olho

Jean Rouch foi o criador de um estilo muito especial de documentários etnográficos, o Cinema Verite, cinema-verdade, ou para mim, o cinema de verdade. Seu olhar antropológico redescobriria as próprias origens do cinema. O sucesso junto ao público e a crítica confirmaria o resgate de um legado histórico importante. Jean Rouch representava o lado prático e contemporâneo das propostas teóricas de outros grandes cineastas do passado como Dziga Vertov. Algumas dessas propostas eram tão utópicas como a própria busca da verdade. Elas incluíam os preceitos de um novo Cinema-Olho de observação mais mecânica, objetiva e menos humana, subjetiva. A verdade de Vertov encontraria muitas resistências em uma União Soviética revolucionaria durante os anos 20. O cinema de ficção de Eisenstein se encarregaria de exilar o cinema verdade de Vertov.

Essas propostas para um cinema mais verdadeiro ressurgiriam na técnica e no olhar de Jean Rouch e no cinema revolucionário dos anos 60. O cinema redescobria o poder da política e da realidade. As novas tecnologias utilizadas pelo cineasta francês – câmeras mais leves, econômicas e ágeis – permitiriam comprovar as propostas de um cinema Pravda (verdade, em russo). Pela primeira vez, a produção de documentários teria condições de enfrentar as imposições, o imperialismo e o monopólio da ficção sobre a realidade. O cinema documentarista tinha decidido lutar novamente pelo seu espaço e pelo seu público. As novas tecnologias ainda prescindiam de um ‘mago’, alguém que desenvolvesse uma nova linguagem cinematográfica mais apropriada para os novos documentários, alguém que soubesse utilizar as novas tecnologias com ousadia e criatividade.

A utopia do cinema-verdade

Os primeiros filmes de Jean Rouch confirmavam a relevância de filmes já esquecidos do passado como ‘Homem com uma Câmera’ de Dziga Vertov. Nesse clássico da história do cinema de vanguarda, o principal herói é um mero trabalhador, um cinegrafista que vive em busca de imagens do dia-a-dia de uma grande cidade. Em sua primeira fase, o cinema-verdade de Jean Rouch reinventava o cinema do passado, se libertava do tripé, mas ainda era refém dos limites da tal ‘verdade’. Alguns anos mais tarde, Jean Rouch iria se reinventar e revolucionar novamente os filmes documentários. Insatisfeito com os limites da verdade ou da realidade, ele iria criar novas formas de confundir o cinema documentário com a linguagem de ficção. De uma certa forma, Jean Rouch seria um precursor dos ‘reality shows’ das nossas TVs. A verdade e a ficção seriam simplesmente instrumentos para a recriação da realidade no cinema. O cinema-verdade era uma utopia.

De qualquer forma, sempre adorei os filmes de Jean Rouch. Ainda muito jovem, sonhava com uma oportunidade de conhecê-lo e, quem sabe, um dia, poderia trabalhar com o mestre. Em comum, tínhamos a paixão pela cinematografia e pela Antropologia. Uma outra paixão, o jornalismo, impediria a realização desse sonho. Ao ser transferido para a Europa pela TV Globo nos anos 70, tive o cuidado de levar uma carta de recomendação e apresentação de um amigo da Embaixada Francesa para o meu ‘ídolo’. Na época, eu deveria trabalhar em Londres e Paris com correspondentes diversos e tentaria um contato com o grande cineasta francês. Quanta inocência. Jamais pude encontrar o velho Rouch, entregar a minha carta de recomendação ou, quem sabe, receber um convite para participar de um de seus filmes. Eu bem que tentei. Nascia a cobertura internacional da televisão brasileira. As viagens constantes, muitas matérias para serem produzidas em diversos países e a falta de oportunidade cobraram um preço muito alto aos meus sonhos de juventude. Jamais entreguei a minha carta de recomendação ou como preferia pensar, a minha carta de ‘alforria’ para o pai do cinema-verdade. Ainda pude encontrar com o velho cineasta no Brasil em um dos inúmeros festivais que fazia questão de prestigiar. Fiz questão de cumprimentá-lo, mas não tive mais coragem de pedir uma oportunidade. De qualquer maneira, já era muito tarde.

Continuei apaixonado pelo cinema de verdade de Jean Rouch. Em cinqüenta anos de carreira, ele produziu cerca de 120 filmes excelentes. Creio que a sua obra anda meio esquecida e pode até ser considerada ultrapassada e ‘fora de moda’. A tal verdade, provavelmente também sofre do mesmo mal. Muitos dos nossos leitores jamais ouviram falar de Jean Rouch. Mas alguns cinéfilos ‘veteranos’ e certamente alguns dos meus ex-alunos já devem ter assistido ou pelo menos ouvido falar de filmes clássicos como Moi – un Noir, Les maitre fous, La Chasse au Lion a l’arc, Jaguar e tantos outros.

Cocorico, M. Poulet

Mas hoje queria lembrar de um filme bem menos conhecido do velho Rouch. Por ironia, também se passa nas temíveis estradas dos desertos do Niger e tem como herói um ‘automóvel’. Trata-se de Cocorico, M. Poulet. A tradução é meio óbvia. Apesar de pouco conhecido, é o meu filme favorito do mestre francês. Não é considerado um documentário clássico no estilo ‘verdade’… Mas é uma obra-prima do cinema de verdade. Não importa muito se é um documentário ou ficção. É um dos filmes mais divertidos da cinematografia de Jean Rouch. Cocorico mostra a vida dos caçadores de galinhas selvagens em áreas inóspitas e desérticas do Niger.

Trata-se de uma prática milenar, tradicional das populações locais que Jean Rouch tanto admirava e que conhecia tão bem. Os caçadores do Niger adaptaram um outra nova tecnologia estrangeira, o automóvel a sua própria cultura. Ao contrário de outros filmes clássicos de Jean Rouch, o herói principal de Cocorico não é um ‘nativo’, mas sim, um carrinho maravilhoso, o Citroen 2CV, o fusquinha francês. Em países como o Niger ou o Brasil, podemos enfrentar as novas tecnologias importadas, expulsá-las de nossas vidas e culturas ou adaptá-las as nossas culturas e aos nossos objetivos sociais. É uma questão de criatividade. Nesse caso, uma dupla de ‘caçadores’ locais se utiliza do velho carrinho francês, caindo aos pedaços, para manter a própria cultura. Muito pobres, sem peças de reposição ou conhecimentos sofisticados de mecânica, eles ‘embarcam’ na tecnologia para enfrentarem grandes aventuras. O filme é uma verdadeira saga de homens e de máquina contra tudo e todos. Em seus melhores momentos, Jean Rouch descreve com suas imagens como os seus ‘heróis’ montam e desmontam o tal fusquinha francês para atravessar rios e enfrentar os perigos de caminhos sem estradas no belíssimo deserto do Niger. As situações são muito semelhantes a um outro país que conhecemos bem.

Mas nem tudo são só ‘gracinhas’ divertidas em Cocorico. O filme também consegue ser muito sarcástico e irônico com a cumplicidade entre as tribos locais e a colonização estrangeira. Na longa jornada dos caçadores de galinhas selvagens pelo interior do Niger, nos deparamos com diversas formas de ‘choques’ culturais e ambientais. Em um dos momentos mais divertidos, os velhos de uma tribo local exploram, enganam e ‘enrolam’ os antropólogos estrangeiros que buscam o conhecimento ‘primitivo’ a qualquer custo. É hilário! Em se tratando de um antropólogo-cineasta, ou cineasta-antropólogo, a crítica aos procedimentos ‘científicos’ de uma velha Antropologia européia, é ao mesmo tempo cruel e verdadeira. Jean Rouch produz um ótimo cinema, diverte, faz a sua crítica e não perde a viagem.

Jean Rouch se livra da verdade

O pai do cinema-verdade não se livrou somente do tripé e da verdade. Ele também se libertou das restrições e limites do cinema e da Antropologia para produzir bons filmes. Não satisfeito com esses limites, Jean Rouch se reinventou. Um dia, passou a criar ou dirigir a sua própria realidade. Ao invés de documentar o mundo, passou a fazer o seu próprio cinema. Ele passou a contar boas histórias ‘quase’ verdadeiras com personagens de verdade. Explico. Os caçadores de galinhas dos desertos do Niger em Cocorico eram atores amadores. Eles estavam atuando no filme como personagens de suas próprias vidas. A verdade fez uma concessão à ficção. Os caçadores de galinhas aprendiam a fazer um novo cinema. Sob a direção de Jean Rouch, o Maitre Fou, o mestre louco, eles se tornavam ‘atores’ de uma nova verdade. Para os ‘fundamentalistas’ do cinema documentário, essa nova fase de Jean Rouch foi considerada um verdadeira traição ou ‘sacrilégio’. Uma concessão imperdoável a ‘irrealidade’ da ficção. Jean Rouch teria ultrapassado os limites do cinema documentário.

Mas para Jean Rouch, o que importava era produzir um bom cinema. Os limites do seu próprio estilo de cinema-verdade deveriam ser simplesmente ultrapassados. O cinema era um só. Tanto faz se chamamos de documentário, ficção ou cinema-verdade. Jean Rouch se livrou da tal ‘verdade’ para fazer cinema.

Para os mais jovens, recomendo uma visita urgente às videotecas de museus e universidades ou locadoras especializadas. Os filmes de Jean Rouch pode não ser ‘verdadeiros’ mas são ‘imperdíveis’. Eles provam que não devemos ser reféns da tecnologia. Qualquer jovem com uma câmera de VHS pode produzir uma obra-prima do cinema. Mais importante do que a câmera na mão, é a idéia na cabeça. Apesar do tempo, e das limitações técnicas, os filmes do velho Rouch ainda ensinam aos jovens que cinema de verdade é simplesmente saber contar uma boa história.’



A PAIXÃO DE CRISTO
Paulo Sotero

‘A fé desafiadora de Mel Gibson’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/02/04

‘Raras vezes um filme provocou tanta controvérsia antes de entrar em cartaz. A polêmica em torno de A Paixão de Cristo, uma ensangüentada versão das 12 últimas horas da vida de Jesus que começa a ser exibida hoje em 2 mil salas nos EUA (ao Brasil, chega no mês que vem, antes da Páscoa), é alimentada em parte pela fé religiosa do seu produtor e diretor, o ator australiano Mel Gibson. Católico tradicionalista, Gibson integra a corrente ortodoxa que rejeita as mudanças litúrgicas introduzida pelo Concílio Vaticano II, nos anos 60, como a celebração da missa nas línguas nacionais dos fiéis e a exclusão da oração final em que os católicos do mundo inteiro pediam semanalmente a Deus ‘pela conversão dos pérfidos judeus’.

De acordo com as poucas pessoas que assistiram ao filme, o foco da história, adaptada para a tela pelo próprio Gibson, é o papel dos líderes do templo judeu de Jerusalém durante o julgamento e a condenação de Jesus. O sumo sacerdote Caiafás aparece como o principal instigador da morte de Cristo, enquanto o governador romano da Judéia, Pôncio Pilatos, é apresentado como um sujeito simpático que, relutantemente, rende-se ao clamor da turba que pede a crucificação de Jesus. As cenas de violência contra o condenado na Via Dolorosa e no Calvário são tão gráficas que o filme recebeu a classificação R, de restrito para menores de 17 anos.

‘Eu queria fazer um filme chocante, extremo, que mexesse com o espectador e o filme tem esse efeito sobre as pessoas, de fazê-las ver a enormidade do sacrifício (de Jesus), ver que alguém tenha suportado aquilo e, ainda assim, responder com amor e perdão à dor extrema, ao sacrifício e ao ridículo’, disse ele, na semana passada, numa entrevista ao programa Primetime, da rede ABC, que atraiu 17,5 milhões de espectadores. (O recorde continua a ser a audiência de 45 milhões pessoas que assistiram à entrevista de Mônica Lewinsky, a ex-namorada do presidente Bill Clinton, também à rede ABC, seguida por uma mais recente, de Michael Jackson à CBS, depois que ele foi acusado de molestar sexualmente menores.) A mensagem da Paixão de Gibson encontrou terreno fértil na América de George W. Bush. Dezenas de congregações cristãs conservadoras, não apenas católicas, se mobilizaram para vender bilhetes com antecedência. Em Nova York, Washington, Boston, Chicago e outros grandes centros os ingressos para os primeiros 15 dias estão esgotados desde a semana passada.

‘Não creio que tenha havido um filme que gerou trocas de acusações tão inflamadas antes de as pessoas o assistirem’, disse na semana passada ao Washington Post o reverendo Christopher Leighton, um ministro presbiteriano que dirige o Instituto de Estudos Cristãos e Judaicos em Baltimore. Leighton condenou os meios de comunicação por apresentar o debate sobre o filme de uma forma que aguça o fervor dos cristãos fundamentalistas das igrejas evangélicas e causa temor entre os judeus.

A controvérsia, no entanto, faz parte da estratégia de marketing de A Paixão de Cristo, que, segundo alguns analistas, poderá atingir os US$ 30 milhões em bilhetes vendidos na primeira semana, um cifra notável para um filme que custou US$ 25 milhões, que não tem atores consagrados e é falado em latim e aramaico, com um mínimo de subtítulos.

Em discussões que teve com as poucas platéias selecionadas para ver o filme antes do lançamento, Gibson afirmou que seu épico sobre as horas finais de Cristo é uma ‘versão exata’ dos fatos tais como eles foram retratados nos quatro evangelhos do Novo Testamento e pelas visões e testemunhos místicos de Maria Agreda, uma freira que viveu no século 17 na Espanha, e Anne Catherine Emmerich, uma religiosa francesa do século 18. Como, no entanto, nenhum dos evangelistas foi contemporâneo dos fatos da vida de Jesus que relataram (exceto o primo, João), suas versões deixam margem para a imaginação.

Uma das passagens mais fortes da versão do filme exibida para testar a reação da platéia retoma o tema da responsabilidade dos judeus pela morte de Cristo. Trata-se de uma frase do Evangelho segundo São Mateus, na qual a multidão pede que Jesus seja pregado na cruz gritando: ‘Seu sangue estará em nós e nos nossos filhos.’

Gibson refutou todas as acusações de anti-semitismo que lhe foram lançadas nas últimas semanas. O crítico de cinema Harry Knowles, que viu o filme com uma platéia de agnósticos, escreveu que ‘se você estiver à procura de anti-semitismo no filme, encontrará’. Mas ele considerou uma simplificação reduzir a mensagem de A Paixão a um ataque aos judeus como assassinos de Cristo. ‘A mensagem é sobre um cara que recebe o maior castigo (corporal) que você já viu na vida e como ele não pede vingança e reza pelo perdão aos que o punem. Eu sou um liberal radical e acho que compreendo a mensagem do filme melhor do que os conservadores’, afirmou Knowles.

Sophie Hoffman, que preside o Conselho das Comunidades Judaicas da área metropolitana de Washington, disse estar mais preocupada com o efeito que o filme poderá ter na Europa, no Oriente Médio e na Ásia, ‘onde o anti-semitismo tem aumentado de forma dramática e assustadora’. De fato, as críticas mais pesadas a Gibson têm partido de comentaristas do outro lado do Atlântico e de Israel. Em Hollywood, onde os grandes estúdios são dominados por judeus, especula-se se A Paixão terá implicações negativas para a carreira de Gibson, o que também alimenta a controvérsia.

Certamente não ajudam a diminuir a polêmica – e o marketing do filme – as declarações que Hutton Gibson, o pai de Mel, fez na semana passada, na Austrália, sobre ‘o exagero’ da versão histórica do Holocausto dos judeus europeus pelo regime nazista de Adolf Hitler durante a 2.ª Guerra Mundial.

‘Talvez nem tudo (sobre o Holocausto) seja ficção, mas a maior parte é’, disse Hutton Gibson ao jornal The Australian. ‘Você sabe o trabalho que dá para livrar-se de um cadáver? Para cremá-lo? Leva um litro de gasolina e 20 minutos. Seis milhões? Eles (os alemães) não tinham gás suficiente para (matar) tantos. Foi por isso (pela falta de energia) que eles perderam a guerra.’ Mel Gibson, que havia se desassociado de comentários semelhantes feitos por seu pai, desta vez se recusou a censurá-lo. ‘Atrocidades aconteceram. A guerra é horrível. A 2.ª Guerra Mundial matou dezenas de milhões de pessoas. Algumas delas eram judeus em campos de concentração’, disse o ator e diretor ao New York Times.’



Maureen Dowd

‘Paixão e estupidez’, copyright O Globo, 27/02/04

‘Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem. Mel Gibson e George W. Bush estão cortejando a intolerância em nome da santidade.

O produtor de filmes quer promover ‘A paixão de Cristo’ e o presidente quer evitar a paixão dos gays. Abrindo em duas telas: a estigmatização de ‘W’ como estratégia política e a stigmata de Gibson como estratégia de marketing.

A ‘Paixão’ não é um filme-pipoca. Falado em latim e aramaico, são duas sangrentas horas ocupadas por Jesus sendo esfolado por romanos brutais sob comando de judeus sem coração. Talvez adequadamente para uma produção que licenciou uma joalheria a vender colares de pregos por US$ 12,99 (o que virá depois, tiaras de coroa de espinhos?), a ‘Paixão’ tem a violência de um faroeste de Sergio Leone. Dá até para chamá-lo de crucificação-espaguete.

Leon Wieseltier desdenhou do filme considerando-o ‘repulsivo, uma fantasia masoquista’ que usa ‘imagens classicamente anti-semitas’.

A mensagem do filme, como pregou Jesus, é que você deve amar não apenas quem o ama, mas principalmente aqueles que o odeiam. Logo, presume-se que você deve sair do cinema repleto de pensamentos caridosos em relação ao próximo. Mas este é um filme de Mel Gibson, então você sai do cinema querendo chutar os dentes de alguém.

Em ‘Coração valente’ e ‘O patriota’, seus outros épicos que manipularam emocionalmente fatos históricos, você sai da sala querendo cravar um machado no crânio do inglês mais próximo. Agora, você quer chutar a cara de alguns judeus e romanos. E já que os romanos se dissolveram na História…

Como Gibson, Bush está estimulando a intolerância ao falar de causa sagrada. No início, o pastor-em-chefe resistiu aos conservadores que pediam uma proibição do casamento gay. Pediu, como Jesus falou no roteiro de Gibson (e também conhecido como Evangelho): ‘afastai de mim este cálice’. Mas sob pressão da direita cristã, apanhou o cálice e tomou – buscando um precedente para codificar a discriminação na Constituição, um documento que no passado recebeu emendas para corrigir discriminações ao conceder cidadania total a negros, mulheres e jovens.

Se o presidente está realmente preocupado em preservar a santidade do casamento, por que não tornar o divórcio ilegal e apedrejar os adúlteros? Nossos soldados estão sendo mortos no Iraque; Osama está livre; empregos estão minguando; o déficit atingiu proporções bíblicas. E o presidente está preocupado com Marte e casamento?

Quando os Bush estão em dificuldades, procuram um bicho-papão politicamente vantajoso. Como disse Max von Sydow, personagem de ‘Hannah e suas irmãs’, de Woody Allen, enquanto assistia a um pastor de TV pedindo dinheiro: ‘Se Jesus voltasse e visse o que é feito em seu nome, não pararia de vomitar’. MAUREEN DOWD é colunista do ‘New York Times’’



TV BANDEIRANTES
Daniel Castro

‘Ao vivo, Band exibe 1ª intervenção de Mattos’, copyright Folha de S. Paulo, 28/02/04

‘Como nos ‘reality shows’, a Band irá mostrar ao vivo a primeira grande intervenção da diretora artística, Marlene Mattos (ex-Globo), em sua programação.

Durante a semana que vem, a emissora irá exibir todas as mudanças que irão ocorrer no programa feminino ‘Dia a Dia’, apresentado por Vivianne Romanelli das 8h30 às 12h.

Na segunda-feira, Vivianne terá seu cabelo cortado ao vivo. Na terça, o estilista Marcelo Sommer irá mudar o guarda-roupa da apresentadora. O programa irá mostrar Sommer escolhendo roupas para Vivianne em sua loja.

Na quarta-feira, Vivianne terá aulas com a fonoaudióloga Angela Castro (ex-’Fama’, da Globo). A apresentadora, que veio do canal de vendas Shoptime, fala rápido demais porque estava acostumada a vender eletrodomésticos em menos de 30 segundos. Por último, na quinta-feira, o arquiteto João Armentano irá redecorar e mudar as cores do cenário do ‘Dia Dia’ durante o programa.

O programa todo reformulado, com novos quadros e consultores, irá ao ar a partir do dia 8. ‘Queremos mostrar uma Vivianne moderna e atual’, diz Karla Rafea (ex-’Caldeirão do Huck’), chefe de redação do ‘Dia Dia’.

OUTRO CANAL

Invasão

A Record começa hoje a ocupar 1.000 dos cerca de 6.300 outdoors da Grande São Paulo com a campanha de lançamento da novela ‘Metamorphoses’, que estréia dia 14, um domingo. Segundo a emissora, é a maior campanha em outdoor já realizada no país. E a primeira cota de patrocínio da novela foi vendida para as Casas Bahia.

Gogó

Galvão Bueno, que ainda se recupera de cirurgias em seu braço esquerdo após cair de um cavalo, em 17 de janeiro, irá narrar o primeiro GP de Fórmula 1 do ano, o da Austrália, na madrugada do próximo domingo. Mas não irá viajar. Fará o trabalho diretamente dos estúdios da Globo.

Fogão

A Rede TV! vai lançar em março um programa de culinária, das 11h às 11h45, que tem o título provisório de ‘Sabor e Saúde’. Assim, o feminino de variedades ‘Bom Dia Mulher’ ficará mais curto e não terá mais receitas. Outra novidade da Rede TV! em março será um programa infantil, das 8h às 9h.

Maremoto

Todas as mudanças na programação do SBT, a partir de hoje, que incluem a estréia de ‘Friends’, foram decididas por Silvio Santos na tarde de quarta-feira, a de cinzas. E o ‘TJ Manhã’, às 6h, que será apresentado por Cintia Benini e Analice Nicolau, mudou de nome: será apenas ‘Jornal do SBT’. Pré-gravado, é claro.’



Keila Jimenez

‘Band pode ser processada por fazer merchandising do Viagra’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/02/04

‘A Band pode ser processada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), se for provado que a emissora realizou merchandising do medicamento Viagra durante suas transmissões do carnaval.

Segundo a assessoria de imprensa da Anvisa, o órgão recebeu uma denúncia de que a rede teria feito propaganda e distribuído caixas do medicamento produzido pela Pfizer durante a cobertura do carnaval em Salvador. A denúncia ainda afirma que vários apresentadores da Band falavam no ar sobre o ‘azulzinho’, referindo-se ao comprimido do Viagra, que tem essa cor.

A agência diz já ter pedido as fitas com imagens da cobertura do carnaval para analisar se houve ou não merchandising do Viagra, que é um remédio que só pode ser tomado mediante prescrição médica.

A assessoria da Anvisa alega que de forma alguma – com propaganda direta ou indireta – a emissora poderia fazer algum tipo de estímulo ao uso do medicamento, que tem tarja vermelha.

Embora seja proibida a veiculação desse tipo de propaganda em meios de comunicação de massa, não são poucas as infrações do gênero cometidas pela TV.

Neste novo caso, se a infração for comprovada, a Anvisa abrirá um processo administrativo contra a Band, e a emissora e a Pfizer podem ser autuadas.

A Band, por meio de sua assessoria de imprensa, informa que ainda não recebeu nenhum comunicado oficial da Anvisa e aguarda o posicionamento de seu departamento jurídico para se pronunciar.’