‘Descobri-me em apuros ao garimpar uma fotografia do incêndio no Hospital das Clínicas para a última coluna de 2007. Como as imagens eram fracas, em estética e informação, encomendei uma ilustração à editoria de Arte.
Na terça passada, a Folha revelou que um grupo de pesquisadores diagnosticou não ser de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) um quadro do Masp atribuído ao francês.
As fotos do HC publicadas pelo jornal em 26 de dezembro, que já não eram nenhuma pintura, exibiam idêntico problema: autoria duvidosa. A que saiu na primeira página ganhou o crédito ´Oslaim Brito/Folha Imagem´. Era igual à editada na mesma data pelo ´Jornal da Tarde´, do Grupo Estado, concorrente da Folha. No ´JT´, o autor era ´Alberto Takaoka/AE/FotoRepórter´.
Cotidiano imprimiu na capa a imagem de uma paciente carregada. Era parecidíssima com uma que saiu em ´O Estado de S. Paulo´. Nova incerteza: obra de Brito na Folha, de Takaoka no ´Estado´.
A Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos de São Paulo (Arfoc-SP) resolveu investigar. Em 3 de janeiro, seu site cobrou os fotógrafos e emendou: ´Cabem também explicações por parte dos jornais [Folha e ´JT` sobre] como essa incrível ´coincidência` ocorreu´.
Leitores me alertaram. Recebi do editor de Fotografia de ´Estado` e ´JT´, Juca Varella, cópia do seu relatório endereçado à Arfoc-SP. Demolidor com os repórteres fotográficos, Varella sustenta que Takaoka (´aspirante ingênuo´) fez as fotos creditadas a Brito (´macaco velho ganancioso´).
Ambos são free-lancers, sem contrato com os jornais. O primeiro teria topado ceder fotografias ao segundo. Para o editor, foram ´cúmplices´. Varella anexou uma espécie de certificado digital da foto mais controversa: sua origem é a máquina de Takaoka.
Telefonei para Oslaim Brito, que reconheceu não serem suas as fotos da primeira página da Folha e da capa de Cotidiano (uma saiu no ´Agora´, diário do Grupo Folha).
Ele colabora com o jornal desde 2004. Contou que chegou ao HC por volta das 23h40 do dia 24. Lá, Takaoka lhe teria presenteado com todas as suas fotos para vender à Folha com o ´copyright` de Brito. Dia 25, contudo, o colega teria entregue algumas para o ´Estado´/´JT` -uma duplicada.
´Nós tínhamos feito um acordo´, diz Brito, que não identifica no expediente desonestidade intelectual ou ofensa ao direito autoral: ´O leitor em geral não quer saber disso. Ele está preocupado com isso? (…) A nossa preocupação maior não foi o lance da ética´.
Por e-mail, Takaoka narrou que estava no HC pelas 22h30. Na manhã seguinte, acompanhava a mulher, internada em outro hospital. Brito teria surgido e se ´oferecido para enviar as fotos à mídia´. ´Em contrapartida, ele me pediu que lhe cedesse as vantagens de algumas imagens que seriam enviadas exclusivamente` a uma outra publicação. ´Mostrei as imagens que eu iria utilizar e o deixei enviando-as de meu notebook.´
Takaoka não nega ter topado que fotos suas ancorassem crédito alheio. O condenável seria Brito exagerar.
Brito diz que a editoria de Fotografia da Folha soube por ele da jogada logo após a publicação e se ´chateou´. O jornal só começou a apurar o fato com rigor anteontem, 16 dias depois do desastre.
A Secretaria de Redação afirma que a Folha ´foi induzida ao erro pelo fotógrafo [Brito], que publicará a correção [hoje] e que ele não será mais colaborador do jornal´.
O Grupo Estado, que não publicou crédito falso, foi muito mais ágil na investigação.
É direito dos leitores, que a ética deve preservar, conhecer a autoria verdadeira dos trabalhos jornalísticos.
´Esse caso é um grande retrocesso na luta para moralizar o direto autoral´, lamenta o presidente da Arfoc-SP, Rubens Chiri. ´O grande problema hoje é a impunidade.´’
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‘Folha omite convite e fere ética’, copyright Folha de S. Paulo, 13/1/08.
‘A norma sobre viagens de jornalistas da Folha que não são pagas pelo jornal já constava do ´Manual Geral da Redação` de 1987: ´A Folha informa com clareza, no pé do texto, que o jornalista teve suas despesas pagas pelo patrocinador´.
Quatro meses atrás, atualizou-se o verbete ´Ética` do ´Manual´, reafirmando: ´No caso de viagens, quando o convite é aceito e resulta em texto publicado, o jornal informa com clareza que o jornalista teve suas despesas pagas pelo patrocinador´.
Nem duas décadas asseguraram a aplicação dessa cláusula de transparência, introduzida pela Folha no jornalismo brasileiro.
Domingo e segunda, Esporte anunciou o lançamento do carro de Fórmula 1 da Ferrari. Uma enviada a Maranello, Itália, assinou as reportagens.
Sem avisos sobre ´patrocínio´, considerei que o jornal financiava a cobertura. Na crítica diária (acesso livre em www.folha.com.br/ombudsman), observei: ´Como ficou claro nas duas últimas edições, a Folha não enviou repórter ´a convite´. Ou seja, bancou a viagem do seu profissional´.
Condenei a prioridade: na Itália, havia assuntos mais importantes a apurar, o processo sobre a disputa de empresas de telefonia em terras brasileiras e a ação judicial concernente à Operação Condor.
Na terça, saiu mais um relato sobre a Ferrari, ofuscando a notícia sobre o novo carro da McLaren, que deveria ser o destaque.
Silêncio sobre convite.
O alerta de que a jornalista ´viaja a convite da Ferrari` só apareceu na quinta, com texto simpático à escuderia produzido em Madonna di Campiglio, estação de esqui onde os pilotos ferraristas promovem a firma. A overdose extemporânea de Ferrari seguiu na sexta e ontem.
Indaguei a Redação sobre a omissão nas edições iniciais. Esporte respondeu que em Maranello não havia convite, exclusivo para a ida à estação de esqui. Insisti: quem pagou a passagem aérea para a Itália? Enfim, a verdade: a Ferrari.
Por três dias, o jornal sonegou a informação aos leitores. E fez de bobo o ombudsman, que acreditou -e escreveu- não haver convite e se dedicou a discutir ´prioridades´.
Agora, a Secretaria de Redação afirma ´que foi um erro não ter dito que a repórter viajou a convite em todas as matérias´.’