‘Mais do que o título, ‘Laudos trazem indícios de tortura, diz OAB’, impressionou na edição de anteontem da Folha uma passagem logo na abertura da reportagem: ao tratar dos 19 mortos na operação da quarta-feira retrasada no complexo de favelas do Alemão, o texto se referiu a ‘vítimas de supostos confrontos entre policiais e traficantes’.
Isso mesmo: ‘supostos confrontos’, e não ‘confrontos’. Um acerto jornalístico: cresce a suspeita de que os fatos não correspondam à versão do governo do Estado do Rio.
As informações sobre os laudos cadavéricos começaram a aparecer nos jornais na quinta, mas o relato detalhado saiu no dia seguinte.
A Folha contabilizou: 13 mortos receberam tiros por trás; dez corpos apresentavam ‘ferimentos ensangüentados, escoriações e manchas arroxeadas’; em cinco constatou-se ‘presença de pólvora nas bordas dos ferimentos de entrada de bala, o que indicaria proximidade entre quem atirou e quem foi baleado’; um morto teve nove perfurações.
Até a sexta se ignorava o que se passou na área à qual os repórteres não tiveram acesso, o alto do morro carioca onde ocorreram as mortes. Mantinha-se o mistério.
Por isso, não havia como descrever ‘confrontos’ que podem não ter existido -conforme a Ordem dos Advogados do Brasil, alguns ‘mortos em tiroteio’ talvez tenham sido assassinados depois de dominados e espancados.
O salutar ceticismo jornalístico em relação ao poder tinha motivos suplementares para ser exercido desde o dia 27. Chamou a atenção a desproporção entre as 19 mortes de um lado e nenhuma do outro. Para 19 ‘bandidos’ abatidos, houve somente três feridos e 12 armas apreendidas.
Ao mesmo jornalismo que deve informar sobre promiscuidade -ou inépcia e negligência- de autoridades com organizações criminosas, recomenda-se exigir dos governos o combate ao crime nos marcos da lei. É falso o dilema entre Estado omisso e Estado sem limite. Ambos são fora-da-lei. No Estado de Direito, a lei impõe e limita. O jornalismo fiscaliza.
Mesmo que todos os mortos fossem delinqüentes, eles deveriam ser presos, se estivessem sob domínio da polícia. Assim como militares iraquianos (no governo Saddam Hussein) e americanos (na ocupação) não tinham direito de torturar detentos na prisão de Abu Ghraib.
A Folha faz bem ao persistir na investigação. Não cabe ao jornalismo independente servir de porta-voz, mas monitorar e questionar o poder.’
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‘Leitor reage contra texto sobre drogas’, copyright Folha de S. Paulo, 08/07/07.
‘Poucas reportagens motivaram reações tão veementes dos leitores nos três últimos meses como duas sobre programas de ‘redução de danos’ a usuários de drogas ilícitas. Em 8 de junho, a Folha noticiou a existência de uma cartilha com dicas para o consumo com menor risco. Título: ‘Panfleto para Parada Gay orienta como cheirar cocaína’.
Leitores a favor da ‘redução de danos’ -se não é possível acabar com o consumo, que se diminua o efeito daninho das drogas nos dependentes químicos- consideraram o tom sensacionalista. Tive impressão parecida.
Na segunda passada, foi a vez de opositores da política de ‘redução de danos’ protestarem contra reportagem sobre o corte de financiamento (depois revogado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) a programa voltado a usuários de ecstasy. Título: ‘Cientistas tentam manter estudo sobre droga’.
Os leitores que me procuraram consideraram o texto parcial, anti-Fapesp. Apontaram desequilíbrio na descrição dos cientistas: os favoráveis à pesquisa tiveram seus títulos e cargos na academia citados e elogiados (‘currículos vistosos que incluem cursos de especialização nas mais prestigiosas universidades dos Estados Unidos e da Europa’).
Sobre os contrários, não se informou nem a condição de professores universitários. Concordo, também agora, com a crítica dos leitores.’
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‘Folha contradiz Folha’, copyright Folha de S. Paulo, 08/07/07
‘Bom momento do jornalismo brasileiro, o caso Renan Calheiros não existiria sem o ‘furo’ da revista ‘Veja’ sobre pagamento de despesa pessoal do senador por um lobista; não sobreviveria sem a investigação do ‘Jornal Nacional’ sobre venda de gado em Alagoas; e não se agravaria sem a contribuição de outras apurações exclusivas, também da Folha.
O ‘affair’ é fruto de reportagens produzidas com autonomia, sem informações essenciais ofertadas pelo Ministério Público, pela polícia ou pela Justiça.
A cobertura dos bastidores dos movimentos do Congresso e do Palácio do Planalto, contudo, tem sido mais acidentada que a concernente aos negócios do senador.
No dia 28, a Folha noticiou o encontro dele com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: ‘Lula não se dispôs a entrar em campo a favor de Renan. O presidente torce para que ele supere a crise, mas não deseja abraçar a sua causa e fazer dela um assunto do Executivo, disseram à Folha dois assessores diretos do gabinete presidencial’.
No mesmo dia, ao lado do presidente do Senado, o chefe do Executivo afirmou que é preciso ter o ‘cuidado de evitar que pessoas sejam execradas publicamente antes de serem julgadas’.
Como o jornal qualificou a atitude? De ‘apoio público’ de Lula ao aliado, ‘após uma reunião entre os dois, no Planalto, em que o senador pediu ajuda do petista para salvar-se no Conselho de Ética’.
Na quinta-feira, a Folha publicou mais informações contraditórias. Uma dizia que Renan, ‘por medo de perder’, não quis que o plenário do Senado votasse a devolução da representação contra ele ao Conselho de Ética. Outra sustentou que a decisão no plenário era ‘uma das hipóteses desejadas por Renan’.’